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Ave rara, “tucano com consciência” vota contra a reforma trabalhista de Temer

Por Katia Guimarães* Uma ave rara, praticamente em extinção, foi avistada nesta terça-feira, 20 de junho, em pleno Senado Federal: um “tucano com consciência” votou contra a reforma trabalhista de Temer na Comissão de Assuntos Sociais e ajudou a oposição a derrubar o relatório de seu colega de partido Ricardo Ferraço (ES). Eleito por Sergipe, […]

(Jucá ainda tentou convencer o "tucano com consciência" Eduardo Amorim, sem sucesso. Foto: Marcos Oliveira/Ag~encia Senado)
Cynara Menezes
20 de junho de 2017, 21h59
(Jucá ainda tentou convencer o "tucano com consciência" Eduardo Amorim, sem sucesso. Foto: Marcos Oliveira/Ag~encia Senado)

(Jucá tentou convencer o “tucano com consciência” Eduardo Amorim, sem sucesso. Fotos: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Por Katia Guimarães*

Uma ave rara, praticamente em extinção, foi avistada nesta terça-feira, 20 de junho, em pleno Senado Federal: um “tucano com consciência” votou contra a reforma trabalhista de Temer na Comissão de Assuntos Sociais e ajudou a oposição a derrubar o relatório de seu colega de partido Ricardo Ferraço (ES). Eleito por Sergipe, Eduardo Amorim foi econômico nas explicações sobre o fato de ter desobedecido a orientação do partido e rejeitado a reforma que, se aprovada, destruirá direitos dos trabalhadores.

“Votei a favor de minha consciência”, disse o senador. “Sempre é preciso fazer ajustes, mas é preciso cobrar melhor, não começando pelo sacrifício. O governo fez a opção errada. Com esta reforma, direitos conquistados de décadas serão perdidos”. O senador, que é médico e casado com uma procuradora regional do Trabalho, também é contra a reforma da Previdência e defende que o PSDB desembarque do governo Temer.

Ao mesmo tempo que o raríssimo tucano “com consciência” dava as caras, uma ex-petista fazia caminho inverso e conduzia a votação com mão de ferro. Em tom autoritário e áspero, a presidenta da CAS, Marta Suplicy (PMDB-SP), cortava a palavra e cronometrava com total rigidez o tempo da fala dos senadores. Chegou a se desentender com boa parte de seus ex-colegas de partido, deixando escapar o incômodo por estar ali a conduzir a votação de um projeto que vai contra tudo o que sempre defendeu em sua vida política.

Logo de cara, Marta se irritou com o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), que queria protestar contra o fato de a votação da reforma estar acontecendo em um momento de caos institucional. “É meu direito dizer que é um escândalo, depois de a revista Época trazer Joesley Batista falando do presidente que a senhora apoia, a gente estar dando ares de normalidade e votar isso aqui! Eu tenho o direito de dizer isso”, reagiu Lindbergh.  “Estamos tirando o direito de trabalhadores no momento de uma crise como esta, em que esse presidente não tem legitimidade para continuar ocupando o Palácio do Planalto. Então, este é o meu ‘pela ordem’ aqui: quero trazer a nossa inconformidade, do Partido dos Trabalhadores, com isso tudo.”

(A presidente da CAS, senadora Marta, em ação)

(A presidenta da CAS, senadora Marta, em ação)

Havia acordo para uma hora e meia de debates e depois um senador por partido faria o encaminhamento da votação. Marta cumpriu à risca. A fisionomia da senadora demonstrava não só constrangimento, mas irritação com a costumeira catimba da oposição para atrasar o cronograma governista. Senadores que estiveram presentes à sessão comentaram sobre a rispidez da senadora, inclusive com o senador Paulo Paim (PT-RS), por conta de mais um minuto de fala. Até mesmo o líder de seu partido, Renan Calheiros, que não faz parte da comissão, teria sido impedido de falar por Marta se não fossem os senadores da oposição que saíram em socorro do alagoano, também crítico à reforma.

Em um dos embates, Marta chegou a acusar Lindbergh de machismo, quando ele insistia para que ela permitisse a entrada de dirigentes sindicais para acompanhar a votação. A senadora se manteve impassível: “Pode chamar à vontade, porque não vai entrar”. “Vossa Excelência tem que se acalmar, senadora”, disse Lindbergh. “Olha o machismo e se cuida”, rebateu Marta.

Os ex-colegas de partido tentaram comover a senadora lembrando sua atuação como psicóloga pioneira na defesa do feminismo e da comunidade LGBT, que conquistou a periferia de São Paulo e foi prefeita da cidade. “Queria fazer um apelo pela sua história e pela sua caminhada, que não se confundem com as do líder do governo e de outros senadores que estão aqui e que defendem posições empresariais. Vossa Excelência tem história ao lado do trabalhador, tem história ao lado das mulheres”, afirmou Gleisi Hoffmann (PT-PR). Marta não deu espaço para sentimentalismos: “Estou aqui como presidente da Comissão de Assuntos Sociais e não me permitirei falar do meu sentimento sobre o que está acontecendo”.

O líder da minoria, senador Humberto Costa (PT-PE), também quis tocar o coração frio da ex-petista, sem sucesso.”Não posso deixar de lembrar que Vossa Excelência é uma psicóloga renomada, alguém que conhece profundamente as repercussões sobre a psique e a alma humana das diversas condições em que se vive e em que se trabalha. Imagine o que é alguém ficar à disposição de um patrão, para trabalhar na hora em que ele acha que é necessário para ele, sem ter garantia de qual é o seu salário, sem ter sequer a possibilidade de fazer uma previsão para que ele possa fazer uma compra ou planejar o seu orçamento, no caso do trabalho intermitente, e a instabilidade que passa a ser provocada na família das pessoas”, disse Humberto.

Uma das emendas à reforma trabalhista, apresentada pela senadora Marta, contradiz realmente todo o seu trabalho em defesa das mulheres. Ela admite na íntegra o texto do governo que permite à mulher grávida trabalhar em locais insalubres, bastando apenas que a gestante apresente voluntariamente um atestado médico autorizando. Ou seja, para não perder o emprego, uma faxineira grávida, por exemplo, de um frigorífico, poderá apresentar um atestado dizendo que pode trabalhar em baixíssimas temperaturas. Será que a Marta do passado permitiria isso? “Ela está jogando na lata do lixo da história tudo o que sempre defendeu”, comentou um senador. “Errou na forma e no conteúdo”, emendou outro.

Coube à senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) fazer o enfrentamento mais pesado. “Sei que este debate está incomodando muito Vossa Excelência. Faço ideia de como está a sua consciência. Contudo, não aceito que fale comigo nesse tom, a senhora tenha um pouquinho mais de calma, de educação e de equilíbrio. Nós todos aqui somos iguais. Se a senhora está incomodada, retire-se da Comissão e ponha alguém no seu lugar”, afirmou Kátia. “A senhora não está vendo o seu rosto e não está ouvindo o tom de voz com que a senhora está nos tratando”, acrescentou depois que Marta disse que estava tratando a todos com respeito.

O senador Otto Alencar (PSD-BA) quebrou o clima pesado das horas de intenso debate. Antes de declarar seu voto contrário à reforma trabalhista, o baiano entregou uma inconfidência feita a ele por Jucá. “O Jucá me confessou aqui agora, em off, mas eu vou dizer, que ele está com lombalgia do esforço empurrando essa carreta sem roda no lamaçal da corrupção”, delatou Otto. Gargalhadas gerais.

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