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Contra a tirania do econocentrismo

Por que dependemos tanto do humor das bolsas de valores? Por que temos de nos preocupar tanto com a balança comercial? Por que a economia está sempre à frente, dominando as decisões políticas? Não deveria ser o oposto, a política é quem deveria pautar a economia para fazê-la ir pelo caminho acertado, planejado, lógico? Seguir […]

Cynara Menezes
27 de março de 2017, 20h14
celsoanisio

(Celso Furtado e Anísio Teixeira. Foto: CPDOC/FGV)

Por que dependemos tanto do humor das bolsas de valores? Por que temos de nos preocupar tanto com a balança comercial? Por que a economia está sempre à frente, dominando as decisões políticas? Não deveria ser o oposto, a política é quem deveria pautar a economia para fazê-la ir pelo caminho acertado, planejado, lógico? Seguir tudo o que a economia manda é justo ou, pelo contrário, aprofunda as desigualdades?

Cada vez que a bolsa de São Paulo cai, é como se o mundo acabasse. E, no entanto, o povo nunca aposta nela. O povo ganha dinheiro com o suor do seu rosto, não de terno e gravata, no ar-condicionado, especulando sobre papéis que vão “subir” ou “cair”. Isso tudo é muito irreal, impalpável. A quem realmente prejudica o fato de as bolsas estarem em queda? Ao povo é que não é.

Não são as crises que fazem a bolsa cair, até porque ganha-se muito dinheiro com as crises. Caia ou suba a bolsa, haverá alguém lucrando. Mas os números da bolsa são capazes de derrubar presidentes –Dilma Rousseff que o diga. Sim, o dinheiro manda, mas a “economia”, a ciência em si, manda ainda mais, porque manda em tudo, quer a gente queira ou não. A economia tem um papel exagerado nas decisões políticas, há um excessivo “econocentrismo” guiando nossas vidas, mesmo em governos ditos de esquerda.

Como não sou uma especialista em economia, dei uma busca no termo “econocentrismo”, e sabem que existe? É a crença, disseminada no mundo moderno, de que o modo de produção econômico é totalmente determinante sobre a vida social, política e intelectual de um povo, ou seja, o reconhecimento da supremacia da economia sobre a política. Há estudiosos que dão o nome de “fundamentalismo do mercado” a esta ditadura da economia sobre a vida das pessoas.

“O capitalismo de mercado e o fundamentalismo religioso têm uma relação dialética”, defende, neste interessante artigo, o professor Li Xing, do Departamento de História da Universidade de Aalborg, na Dinamarca, um estudioso do econocentrismo. “Hoje, o capitalismo de mercado se tornou um princípio tão fundamental que se tornou, ele mesmo, uma religião. Uma nova religião secular.”

A tese de Li é que a deusificação do mercado gera uma reação natural no ser humano, mas, infelizmente, não no sentido de resgatar a política para o centro das decisões, e sim de fortalecer o fundamentalismo religioso ao estilo Estado Islâmico. “Como os seres humanos não são guiados unicamente pela motivação econômica que é a locomotiva do sistema capitalista, criando ao mesmo tempo crescimento e desumanização, eles irão, consciente ou inconscientemente, resistir à mercadização buscando sua própria humanidade. Nesta época de globalização, uma das forças mais poderosas de resistência é o fundamentalismo religioso, que se proclama representante deste humanismo.”

Esta alegoria do “deus mercado” com a religião também foi feita pelo ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, na ONU, em 2013: “Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos seu templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia, em parcelas e cartões, a aparência de felicidade”.

Como combater o econocentrismo sem trocar um fundamentalismo por outro? É possível a um país, numa sociedade capitalista, ser guiado não pela economia, mas pela política? Nesta busca para aprofundar minhas questões a respeito da tirania econocêntrica, me surpreendeu ler a frase de um dos maiores economistas brasileiros com esta exata preocupação. Celso Furtado (1920-2004), em uma de suas últimas entrevistas, à revista Caros Amigos, diz o seguinte:

“O primeiro desafio (do Brasil) é dar prioridade ao problema social e não ao problema econômico. O problema brasileiro não é econômico. Se fosse, você ficaria amarrado para resolver o problema a partir do Banco Central. O problema é social, você deve partir da mobilização das forças sociais, da identificação dos problemas que afligem a população. (…) Existe uma espécie de esterilização do debate econômico. Aí, ‘a economia passou a ser muito importante’, ‘não é para estar sendo discutida por qualquer pessoa’, e o resultado é que ela se tornou uma área estéril. Você não tem ninguém pensando coisa original em matéria de economia no Brasil.”

Passaram-se 12 anos desde essa entrevista… Era um conselho de Furtado ao recém-eleito presidente Lula, e de certa forma ele o ouviu, privilegiando o social (não sem antes acenar ao mercado, com a Carta ao Povo Brasileiro). Mas até que ponto surgiram “coisas originais em matéria de economia” nos 13 anos de governos petistas? Novas ideias, novos modelos, novas commodities? Novas regras para o trabalho que não resultassem necessariamente em perdas para o trabalhador?

E sobretudo: por que a concepção de que o “Deus mercado” deveria ser combatido foi abandonada, uma vez no poder? O PT acomodou-se ao sistema reinante e passou a dizer, ele também, amém à tirania econocêntrica. Até ser expulso do paraíso.

Seria possível fazer diferente?

 

 

 


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