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Direitos Humanos

Defensoria Pública do Rio se posiciona no STF pela legalização do aborto

Justificativa é estudo que mostra que a criminalização atinge apenas mulheres negras, pobres, com baixa escolaridade e da periferia

Ativistas pedem descriminalização do aborto em Brasília. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag. Brasil
Da Redação
06 de agosto de 2018, 17h01

As mulheres processadas pela prática de aborto no Rio de Janeiro têm cor e renda definidas: elas são negras, pobres, com baixa escolaridade e moradoras de áreas periféricas. É o que revela uma pesquisa que a Defensoria Pública do Estado realizou para a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, em julgamento no Supremo Tribunal Federal. A instituição atua como parte interessada no processo que pode resultar na descriminalização do aborto induzido voluntariamente pela mulher até a 12ª semana da gestação.

De autoria do PSOL, a ADPF questiona parcialmente a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal para excluir a proibição o aborto praticado pela gestante ou com o seu consentimento até a 12ª semana da gestação. Em razão da importância do tema, o STF decidiu ouvir especialistas antes de julgar a questão. A audiência pública promovida pela corte começou nesta sexta-feira e continua nesta segunda-feira. Seguindo os passos da ONU, a Defensoria irá se posicionar diante do STF pela descriminalização do aborto.

A maioria dos casos de aborto provocado pela própria gestante que desencadearam processos penais envolve mulheres com idade entre 18 e 36 anos, que já têm filhos e moram em bairros periféricos em seus municípios

Defensoria Pública é uma das 52 entidades habilitadas a falar na audiência. A instituição será representada nesta segunda por Lívia Casseres, defensora pública que atua no Núcleo de Direitos Humanos da DPRJ e coordena o Núcleo Contra a Desigualdade Racial (Nucora). A defensora terá 20 minutos para expor o posicionamento da Defensoria Pública em favor dos direitos humanos e do impacto desproporcional da criminalização sobre os grupos vulneráveis de mulheres.

Realizado pela Diretoria de Pesquisa e Acesso à Justiça da Defensoria, o estudo analisou processos penais contra mulheres que realizaram o aborto distribuídos entre 2005 e 2017. O universo de 55 processos analisados parece pequeno diante dos cerca de meio milhão de brasileiras que se submetem anualmente a abortos clandestinos, mas é importante principalmente por indicar quem, na prática, sofre as consequências penais por essa prática.

De acordo com a pesquisa, a maioria dos casos de aborto provocado pela própria gestante que desencadearam processos penais envolve mulheres com idade entre 18 e 36 anos, que já têm filhos e moram em bairros periféricos em seus municípios. Nenhuma delas apresentava antecedentes criminais até a data da abertura do inquérito. Do total de processos pesquisados, verificou-se que apenas uma das mulheres havia chegado à faculdade.

A proibição contribui para perpetuar a desigualdade estrutural das mulheres negras. Quando escapam da morte, as mulheres atendidas no SUS muitas vezes são denunciadas por aqueles que deveriam lhes oferecer apoio

De acordo com Lívia, enquanto a criminalização do aborto contribui para perpetuar a discriminação de grupos de mulheres já em situação de vulnerabilidade, não se verifica, em contrapartida, política voltada para a prevenção da prática. Na avaliação da defensora, o tema deveria ser tratado na esfera da saúde pública.

“O perfil das mulheres criminalizadas por aborto revela que a proibição do procedimento contribui para perpetuar a situação de desigualdade estrutural das mulheres negras na sociedade. O tabu e a estigmatização gerados quando o tema é tratado como um caso de polícia dificultam o acesso à informação para uma tomada de decisão mais segura e precoce, além de inviabilizar a assistência médica durante o procedimento para aquelas que não podem pagar por este serviço e correrão maior risco de morte. Quando escapam da morte, as mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde muitas vezes são denunciadas por aqueles que justamente deveriam lhes oferecer apoio necessário num momento tão doloroso. É indiscutível que a proibição do aborto aprofunda a situação de desigualdade vivida pelas mulheres negras no sistema de justiça e também no sistema de saúde”, afirmou a defensora.

Segundo a defensora Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria, a criminalização do aborto não impede a sua prática. Pior: produz um impacto desproporcional na vida das mulheres negras, em situação de pobreza, com baixo grau de escolaridade e moradoras de regiões periféricas.

O perfil das mulheres mortas em razão do aborto coincide com o perfil das mulheres criminalizadas, evidenciando que esse grupo vulnerável, que não tem acesso às políticas públicas para o adequado planejamento familiar, está destinado ao cárcere ou à morte

“A partir da identificação do perfil das mulheres processadas pela prática do aborto no Rio, somado à experiência da atuação cotidiana na seara criminal, a Defensoria participará da audiência pública na ADPF, oportunidade na qual demonstrará as consequências práticas da criminalização do aborto. O perfil das mulheres mortas em razão da prática do aborto coincide com o perfil das mulheres criminalizadas, evidenciando que esse grupo socialmente vulnerável, que não tem acesso às políticas públicas para o adequado planejamento familiar, está destinado ao cárcere ou à morte”, afirmou a defensora.

O perfil das mulheres criminalizadas pela prática de aborto, assim como todo o material produzido pela Defensoria Pública para a petição que apresentou ao Supremo para integrar a ADPF, resultou na edição da revista Entre a Morte e a Prisão: Quem São as Mulheres Criminalizadas pela Prática do Aborto no Rio de Janeiro. A obra já está disponível na seção publicações do site da DPRJ. Clique aqui para acessar.

Com informações da assessoria de imprensa da DPRJ

 


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Sergio em 06/08/2018 - 18h08 comentou:

Independentemente de ser contra ou a favor da legalização do aborto, um mínimo que pessoas de boas intenções, que democraticamente, respeitosamente, querem discutir seus pontos de vistas sobre ser contra ou a favor do aborto, devem observar é que numa audiência pública, a lista dos convidados a falar marca o seguinte placar: 30 a favor do aborto e 16 contra. O erro do STF já começa por aí. os dois lados devem ter espaços iguais para expor suas ideias. Democracia é isso! País civilizado é isso!

Responder

Sergio em 06/08/2018 - 18h27 comentou:

E outra, não cabe ao STF legislar. Essa matéria cabe ao congresso nacional. E assim, cabe aos que são a favor do aborto e aqueles que são contra, votem em candidatos que estejam compromissados com seus desejos. É assim que deve funcionar a democracia. Chega de judiciário entrar em questões políticas. Cabe ao congresso nacional decidir pela legalização do aborto!

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