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O dia em que Aziz Ab’Saber descobriu petróleo no Rio Grande do Norte

Há um ano exatamente –nunca vou esquecer porque foi no meu aniversário–, morreu um sábio brasileiro e um grande amigo, o geógrafo Aziz Ab’Saber (1924-2012). Na época, publiquei um artigo no site de CartaCapital, em que conto como nos conhecemos. Em sua homenagem, publico essa história divertida que está no livro que escrevi com e […]

Cynara Menezes
16 de março de 2013, 14h22

Há um ano exatamente –nunca vou esquecer porque foi no meu aniversário–, morreu um sábio brasileiro e um grande amigo, o geógrafo Aziz Ab’Saber (1924-2012). Na época, publiquei um artigo no site de CartaCapital, em que conto como nos conhecemos. Em sua homenagem, publico essa história divertida que está no livro que escrevi com e sobre ele, O Que É Ser Geógrafo (ed. Record). Saudade, professor Aziz!

***

O dia em que descobri petróleo no Rio Grande do Norte

Por Aziz Ab’Saber

Em 1965, quando trabalhava no Rio Grande do Sul, na Escola de Geologia da Universidade do Rio Grande – hoje UFRGS –, viajei a Mossoró (RN) para participar da assembléia anual da Associação dos Geógrafos Brasileiros e recebi uma série de interpelações sobre a questão do petróleo.

Um grande geólogo americano do passado, John Casper Branner (1850-1922), aproximou as condições geológicas do Rio Grande do Norte das condições geológicas do Sudeste dos Estados Unidos. Baseada nisso, a Petrobras tomou a iniciativa de fazer algumas perfurações, que foram negativas. Entretanto, as pessoas esclarecidas de Mossoró, representadas, sobretudo, pela inteligência de Vingt-Un Rosado Maia (1920-2005), tinham a permanente esperança de que alguém pudesse ajudar a encontrar petróleo ali. Os filhos homens dessa família de políticos se chamavam Jerônimo e eram curiosamente numerados em francês: além de Vingt-Un, seus irmãos Dix-Sept, que foi governador, Vingt, que foi deputado federal, e Dix-Huit, prefeito de Mossoró e senador.

Vingt-Un pressionava a todo instante, no meio das reuniões culturais e nas conversas posteriores ao fim das reuniões, dizendo-me que tinha a responsabilidade de ajudar a encontrar petróleo no Rio Grande do Norte. Eu tentava dizer a ele que não era geólogo, que ensinava Geomorfologia numa escola de Geologia. E também, por uma questão ética, que não podia dar qualquer palpite sobre a possibilidade de ocorrência de petróleo numa região até certo ponto geologicamente pouco conhecida por mim.

Um dia, a frase clássica e hilariante chegou até minha pessoa: “Você está escondendo o leite”. Resisti na minha posição de geomorfologista, mas, durante uma das excursões, fiquei adoentado e tive que me desligar dos companheiros, repousando em uma pequena pensão da cidade de Arroio, para restaurar minhas forças. Na realidade, foi um problema de excesso de calor na cabeça, em função da brutal diferença climática do Estado em que vivia em relação ao sertão que visitava.

No outro dia, me senti restabelecido e segui os colegas até os altos da Serra de Santana. Ao regressar para Mossoró, todo entusiasmado com os fatos, cenários e documentos fisiográficos que pude obter na excursão, fui de novo provocado por Vingt-Un. Ele me levou até um de seus parentes para verificar o que é que tinha acontecido com a minha saúde e, logo em seguida, à sua própria casa, onde colocou um bloco de papel à minha frente e disse: “Agora escreva o relatório sobre o petróleo no Rio Grande do Norte, que é para pagar a consulta do médico”.

Não tive mais forças e disse a Vingt-Un: “Me traga o Mapa Geológico do Estado e o relatório das duas perfurações já feitas que devem estar lá na ESAM (Escola Superior de Agricultura de Mossoró)”, da qual Vingt-Un era o diretor. Aí ele não teve dúvidas, telefonou e poucos minutos depois, enquanto a gente tomava um café na varanda, chegaram as duas coisas que pedi. Comecei a analisar o mapa e descobri uma drenagem radial num trecho do tabuleiro da Chapada do Apodi, não muito distante de Mossoró.

Disse a Vingt-Un: “Acho que aqui há uma possibilidade de se fazer perfurações e se obter resultados melhores”. Ele ficou encantado. Aí, peguei o relatório da Petrobras e percebi que as perfurações não foram feitas em áreas similares àquela que eu identifiquei no mapa. Disse: “Vingt-Un, posso escrever um relatório de uma página para o senador Dix-Huit encaminhar à Petrobras solicitando que volte a explorar petróleo no Rio Grande do Norte, porque existem outras evidências que não aquelas relacionadas com as duas perfurações iniciais, feitas em lugares desfavoráveis”.

Ele disse: “Taí papel e lápis; escreva o relatório”. Falei: “Por uma questão ética, não sou geólogo, não vou assinar. Você manda dizer que foi um relatório de uma pessoa interessada no retorno das pesquisas”. Ele mandou para Brasília o relatório assinado por um codinome inventado por ele. Aziz Nacib Ab’Saber não podia ser escrito, ele pôs assim: Antonio Natércio de Almeida, que tem as mesmas iniciais.

Pois bem, Dix-Huit conseguiu chegar até a Superintendência da Petrobrás e mostrou o relatório, insistindo para continuar a exploração. Dias depois veio para Vingt-Un um ofício dizendo: “Recebi o relatório do grande geólogo Antonio Natércio de Almeida, em que ele procura mostrar a possibilidade de se encontrar petróleo no Rio Grande do Norte. Lamentavelmente, no momento não podemos retomar a pesquisar no Nordeste etc. Muito obrigado, tal, atenciosamente, assinado”.

Vingt-Un ficou bastante chateado e me comunicou que ia furar por conta própria. Num clube de campo, não muito distante de Mossoró, e não muito distante dessas estruturas que eu identifiquei pelo caráter radial da drenagem, ele fez um furo até setecentos metros. E o óleo brotou. Estava descoberto o petróleo do Rio Grande do Norte. Depois disso, a Petrobras não teve outro jeito e começou a perfurar.

 


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(2) comentários Escrever comentário

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Andre em 19/03/2013 - 18h29 comentou:

muito bom

Responder

Cristóvão Ferreira de Lima Júnior em 23/04/2018 - 22h05 comentou:

Excelente, essa descoberta do grande geógrafo Aziz Ab’Saber deve ser divulgada!

Responder

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