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Glenn Greenwald: “Snowden é a pessoa mais feliz que eu conheço na vida”

Para um repórter brasileiro, o filme Snowden, de Oliver Stone, em cartaz nos cinemas, traz uma sensação a mais: uma pontinha de inveja causada pelo fato de que estamos, há décadas, praticando um jornalismo chinfrim por aqui. Ver na tela grande Glenn Greenwald, a documentarista Laura Poitras e o chefe do escritório em Washington do […]

Cynara Menezes
12 de dezembro de 2016, 17h13
glennsnowden

(Os reais Snowden e Greenwald no quarto de hotel em Hong Kong no documentário CitizenFour; e o ator Zachary Quinto como Greenwald no filme de Oliver Stone)

Para um repórter brasileiro, o filme Snowden, de Oliver Stone, em cartaz nos cinemas, traz uma sensação a mais: uma pontinha de inveja causada pelo fato de que estamos, há décadas, praticando um jornalismo chinfrim por aqui. Ver na tela grande Glenn Greenwald, a documentarista Laura Poitras e o chefe do escritório em Washington do jornal britânico The Guardian, Ewen MacAskill, em um quarto de hotel em Hong Kong, na China, com o “espião” Edward Snowden, tendo em mãos um super-furo, traz uma espécie de nostalgia de um jornalismo que, em nosso país, nunca existiu.

De 1990 até agora, talvez a reportagem mais globetrotter feita por um jornalista brasileiro tenha sido a entrevista com o finado Paulo César Farias, o tesoureiro de Fernando Collor, que Xico Sá conseguiu localizar no porão de uma cadeia em Bancoc, na Tailândia, para a Folha de S.Paulo. Imaginem Xico com as possibilidades de hoje, acompanhado de um documentarista, transmitindo ao vivo pela internet. Mas a questão não é de falta de tecnologia: este tipo de reportagem não se faz mais porque os proprietários de jornais são absurdamente muquiranas.

Ao longo dos anos, com a suposta crise nos meios de comunicação causada pela internet, em vez de rever seu modelo de negócio, as empresas jornalísticas simplesmente cortaram as reportagens. Cortaram em termos de custos, como quem corta na carne (porque a reportagem é a alma desta profissão). Quando pisca o sinal vermelho nas redações, o primeiro que eles cortam são: os melhores profissionais; e as viagens para fazer reportagens especiais. Acho que se pintasse um Snowden na vida de um jornalista brasileiro hoje a direção iria mandar entrevistá-lo pelo telefone, para economizar.

A reportagem de Glenn Greenwald com Ed Snowden, o denunciante da espionagem norte-americana sobre os países do mundo, resgata o que de mais grandioso já houve no jornalismo, histórias que não estarão no dia seguinte embrulhando o peixe porque são inesquecíveis. Jornalisticamente falando, um furo no mesmo patamar do caso Watergate, de Bob Woodward e Carl Bernstein. Só não derrubou um presidente porque o sistema não permitiu.

Oliver Stone cria exatamente esta atmosfera de “furo do século” em seu filme, sobretudo nas cenas que se passam no quarto de hotel. Snowden evolui de coxinha fã de Ayn Rand a sabotador de uma nação poderosa e da pretensão dela de controlar os destinos e as vidas dos cidadãos de todo um planeta. Os paralelos com 1984, de George Orwell, e seu Big Brother, são inevitáveis: Ed Snowden, está claro, poderia ter sido o chefão da polícia do pensamento, mas desertou. Também inevitável a compreensão de que já estamos dentro da matrix.

Na sessão que assisti em Brasília, uma sessão normal, Snowden foi aplaudido ao final. Aparentemente, os brasileiros marcaram opção “b” para a pergunta feita no subtítulo que deram por aqui: Traidor ou Herói? Fiquei muito curiosa em conhecer a opinião de Greenwald sobre o filme e o entrevistei para o blog por email.

Socialista Morena  O que você achou do filme? Oliver Stone o consultou para o roteiro?

Glenn Greenwald – Gostei mais do filme do que esperava. É difícil fazer um filme sobre a vida de Snowden, porque muito do que ocorreu se passou internamente, dentro dele, mas o filme faz um grande trabalho mostrando o que o levou às suas grandes decisões. Eu e Oliver nos conhecemos desde antes dos acontecimentos com Snowden, e realmente conversamos durante o processo. Mas, como outro estúdio e outros produtores compraram os direitos do meu livro para fazer um filme, não pude ter nenhum envolvimento neste projeto.

SM – Como foi se ver retratado na tela grande? Achei que o jeito do ator Zachary Quinto lembra muito o seu, “reconheci” na hora…

GG  O que mais me surpreendeu ao assistir este filme foi me dar conta de como eu reagi emocionalmente a muitas das cenas. Quando elas de fato aconteceram, não tive o tempo ou a energia para reagir em termos emocionais, porque o nível de estresse era alto e tínhamos muito a fazer. E ver isto dramatizado foi a primeira oportunidade que tive para reagir de verdade. Acho que Zach é inteligente e um grande ator. Ele fez um bom trabalho, apesar de ser difícil julgar quando é você que está sendo interpretado. Acho que alguns dos comportamentos dele foram um tanto exagerados eu não cuspo ou grito nem mesmo quando tenho desentendimentos!, mas isto capturou bem como estavam altas as temperaturas naquele momento.

SM – É uma história trepidante, sobretudo com vocês em Hong Kong naquele quarto de hotel. Foi assim mesmo? O filme é fiel à realidade?

GG – O documentário que foi feito sobre a nossa viagem de trabalho em Hong Kong, CitizenFour, que ganhou o Oscar, era um pouco mais realista sobre o que aconteceu quando nós todos estivemos no quarto de hotel juntos, porque o documentário mostrou a filmagem real do que estava acontecendo. Algumas partes de Snowden foram dramatizadas, mas as partes em Hong Kong foram bastante fiéis ao que realmente aconteceu.

SM – O jornal britânico The Guardian de fato hesitou em publicar a história? Houve um momento em que você pensou em soltar a reportagem por sua conta, como mostra o filme?

GG  Naquela época, eu estava superansioso para ver as reportagens no ar imediatamente em parte porque eu achei que nós estaríamos mais seguros quando elas viessem à tona; em parte porque eu sabia que nós não teríamos Snowden por muito tempo e queríamos que ele visse estas histórias publicadas; e em parte porque eu achava que o público tinha o direito de saber. Então eu estava muito sensível a qualquer atraso ou medo por parte do Guardian. Na época, achei que estávamos demorando muito, e ameacei publicar os documentos e as matérias por minha conta. Vendo em retrospectiva, eles na verdade foram bastante rápidos! Estavam sendo um tanto cautelosos, mas mostraram também muita disposição em publicar. Foi só o estresse do momento e minha impaciência que me fizeram querer que fossem mais rápidos.

SM – Vi críticas muito adversas sobre Snowden. A pior delas foi justamente a do Guardian… Você acha que tem alguma relação com a versão do filme sobre o jornal?

GG – O filme foi baseada em um livro de um repórter do Guardian que na verdade nunca encontrou ou nem mesmo falou com Snowden, então este foi um motivo de crítica. Mas eu acho que o filme conseguiu captar a maior parte dos acontecimentos, graças, em grande parte, ao fato de Oliver ter passado muitas horas entrevistando diretamente Snowden para o filme. 

SM – Tem uma frase no filme que me impressionou muito: “As pessoas preferem segurança do que liberdade”. Você concorda?

GG – Eu acho que o medo humano é uma força muito poderosa, e os governos autoritários frequentemente exploram isso para justificar seu poder crescente. Se você convence as pessoas que suas vidas dependem de submissão, elas irão concordar com quase tudo. Mas o desejo por liberdade e privacidade é um instinto humano muito poderoso também. É um pouco mais difícil conseguir que as pessoas se preocupem com isso, mas eu acho que a maior parte dos humanos almeja privacidade e liberdade e não quer que elas sejam eliminadas, até mesmo em nome do medo de coisas como terrorismo.

SM – Na sessão que assisti em Brasília, fiquei surpresa ao ver a plateia aplaudir no final. Você acha que, para o mundo, Snowden é de fato um herói, daí os aplausos?

GG – Snowden é esmagadoramente considerado herói na maioria dos países. É provável que isto seja particularmente verdadeiro no Brasil, porque nós escrevemos grandes histórias aqui sobre os EUA e o Reino Unido espionando as instituições brasileiras e a população como um todo. Acho também que os brasileiros são mais sensíveis ao tipo de invasão norte-americana exposta nestas matérias. Nunca ouvi nada além de cumprimentos vindo de brasileiros enquanto eu estava contando essa história no Fantástico e em outros jornais e revistas. Daí porque, em minha opinião, a maioria dos brasileiros vêem Snowden tão favoravelmente: ele lhes mostrou como os EUA estavam invadindo sua privacidade e sua soberania.

poitras

(A trupe completa: Poitras, Snowden, MacAskill e Greenwald no filme de Oliver Stone)

SM – A história tem um “happy end”. Snowden é hoje um homem feliz, realizado?

GG  Snowden é provavelmente a pessoa mais feliz que conheço na minha vida. É uma coisa estranha para se dizer já que ele não pode sair da Rússia, e sabe que, se o fizesse, seria imediatamente capturado pelos EUA e colocado na prisão por muitas décadas. Mas ele pode colocar a cabeça no travesseiro toda noite e saber que teve um corajoso ato de consciência na busca do que acredita. Isto traz um monte de paz. O fato de que ele é livre para participar do debate que ajudou a desencadear com entrevistas, palestras, artigos é ainda melhor.

SM – E você? Sua vida melhorou após revelar ao mundo que os EUA o espionava?

GG – Quando eu entrei no jornalismo, 11 anos atrás, foi para realizar exatamente este tipo de reportagens. Há vários custos e perigos envolvidos em fazer matérias assim, mas também vários benefícios. A maior recompensa é saber que eu fiz o que um jornalista deveria: informar o mundo jogando luz sobre o que os mais poderosos estão fazendo. Saber disso me traz uma enorme alegria.

 

 


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