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80 anos de Glauber Rocha, o cineasta genial que a ditadura queria matar

Assista ao documentário Glauber o Filme, Labirinto do Brasil, lançado por Silvio Tendler em 2003

Glauber na redação do Correio Braziliense, em 1977. Foto: Arquivo CB/DA Press
Da Redação
18 de março de 2019, 16h31

Glauber Rocha, um dos nomes mais importantes do cinema brasileiro (e mundial) teria completado 80 anos no último dia 14 de março. O cineasta baiano morreu de pneumonia em 22 de agosto de 1981. Em 2014, a Comissão da Verdade no Rio de Janeiro divulgou um relatório inédito produzido pela Aeronáutica onde aparecia a palavra “morto” na ficha de Glauber, apontado como “um dos líderes da esquerda brasileira”.

“Seus desejos são de um comunista convicto a serviço do imperialismo soviético. Demonstra que usou e abusou do cinema brasileiro, do qual recebeu auxílios e incentivos, em prol da revolução comunista”, dizia o relatório. Glauber deixaria o Brasil, em auto-exílio, naquele mesmo ano.

Na época da revelação dos documentos, a presidenta da Comissão da Verdade no Rio, Nadine Borges, afirmou que a inscrição “morto” na ficha do cineasta significaria que ele estava marcado para morrer pela ditadura militar. “Nós recebemos uma informação de um agente da repressão que nos falou que era hábito deles fazer estes escritos a mão como indicativo de ordem. Então isso nos faz pensar que ele estava marcado para morrer”, disse Nadine em entrevista. A filha de Glauber, Paloma, disse que o relatório apenas confirmava o que seu pai sempre dizia, que era um perseguido político.

No ano em que o relatório foi produzido, 1971, Glauber já era um cineasta mundialmente famoso e inclusive sido premiado em Cannes por Terra em Transe (prêmio da crítica em 1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (melhor diretor, 1968). O que mais incomodava a ditadura eram as frequentes entrevistas que ele dava no exterior. O cineasta havia denunciado a “tortura de intelectuais” à Times e a Time Out, o que os militares consideraram “uma calúnia” e “um dos mais violentos ataques feitos ao Brasil em qualquer órgão da imprensa britânica”.

O documento começa citando a prisão de Glauber em 1965, no Rio, por vaiar no hotel Glória o primeiro presidente militar, Humberto Castelo Branco. No dossiê estão transcritos trechos de falas do cineasta que “comprovariam” sua ideologia “comunista”, como uma entrevista à revista Cine Cubano. “O cinema não será para nós uma máscara, porque o cinema não faz revolução. O cinema é um dos instrumentos revolucionários e para isto deve criar uma linguagem latino-americana, libertária e reveladora”, disse o cineasta.

Como hoje os reaças falam da Lei Rouanet, também na época a extrema-direita questionava o apoio dado pelo Estado à cultura “em prol da revolução comunista”. Glauber, “denunciava” o relatório, havia recebido do Instituto Nacional de Cinema (INC) “a Coruja de Ouro como prêmio e 10 mil cruzeiros”. “Esse agente do comunismo até bem pouco tempo recebia vultosas verbas do INC e que foram, sem sombra de dúvida, aplicadas por Glauber Rocha contra os interesses nacionais”, dizia o texto.

Outras “provas” do envolvimento do cineasta era a escolha de atores como Othon Bastos, o Corisco de Deus e o Diabo na Terra do Sol, apontado como “nome conhecido pelo envolvimento político e ideológico”. O filme Cabeças Cortadas, rodado em 1970 na Espanha, seria uma metáfora da ditadura militar e, “por meio do simbolismo, demonstra o rancor de Glauber Rocha em relação ao regime vigente no Brasil”. Os documentos foram entregues á família do cineasta pela Comissão da Verdade.

Ironicamente, quando retornou ao Brasil, em 1977, Glauber Rocha também enfrentaria a fúria da intelectualidade de esquerda, que queria transformá-lo em proscrito em sua própria terra por apoiar a redemocratização e por ter chamado o general Golbery de Couto e Silva de “gênio da raça”. “Ele disse ‘os dois gênios da raça são o Golbery e o Darcy’. Ele estava querendo me aproximar do Golbery, me aproximar dos ideólogos do golpe, pra ver se punha juízo na cabeça dos milicos. É claro que a esquerda nunca entendeu isso e todos ficaram muito contra o Glauber”, diz Darcy Ribeiro no documentário Glauber o Filme, Labirinto do Brasil (2003), dirigido por Silvio Tendler.

Ou seja, a extrema-direita queria matar Glauber. Mas a esquerda tampouco o tratou com justiça. Assista.


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