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Trabalho

A revolta do precariado

Parafraseando Ruy Braga, a greve dos entregadores trouxe a esperança de que haverá resistência à uberização do trabalho

Paralisação dos trabalhadores de aplicativos em São Paulo. Foto: Felipe Campos Mello/Fotos Públicas
Maíra Miranda
06 de julho de 2020, 19h44

Falando em uma live seguida de outra no dia seguinte à greve dos entregadores, Paulo Lima, o Galo, a figura à frente do Movimento de Entregadores Antifascistas, repete tranquilamente sobre sua trajetória de vida depois da trajetória de um dia de entregas, inclusive faz uma refeição que diz ser o almoço e o jantar enquanto conversa.

“Nunca vi a rua de São Paulo tão linda, olhar nos olhos dos meus companheiros e reconhecer que ali não estavam empreendedores e sim trabalhadores”, disse Galo, líder dos Entregadores Antifascistas

Galo fala das reivindicações da categoria e ainda, de como foi a caminhada até aqui. Na conversa com integrantes do Observatório na Rua, Paulo conta que a adesão à causa por parte dos colegas de profissão não se deu facilmente. Quando falou sobre reivindicar alimentação, ouviu de alguns entregadores que estava “tirando eles de ‘passa-fome’”.

Foi ali que Paulo viu que muitos traziam sim aquela imagem de que eram empreendedores. E esse foi o trabalho de base, conscientizar de que eram trabalhadores. “A carteira de trabalho, o SUS e a democracia não estão bons, mas não é porque estão ruins que não são nossos e que não devamos lutar para melhorar o que temos. É tudo nosso, precisamos fazer um cordão, abraçar a causa e dizer isso aqui é nosso e daqui vocês não passam”.

Entregadores Antifascistas. Com Paulo Lima "Galo" SP

Como pensar saúde a partir do cotidiano de entregadores e suas demandas. Com Galo do entregadores antifascistas.

Posted by Observatório na Rua on Thursday, July 2, 2020

Paulo primeiro convocou os companheiros para manifestações, como no ato antirracista, porque queria mostrar um ato grande para eles e lá, chegou a mediar conflito com a polícia para que essa não registrasse as placas dos manifestantes. Assim começou a ganhar credibilidade no seu meio. “Tem gente que entende o que eu falo e tem gente que só entende o que eu faço”.

O líder dos entregadores conversou também com Jandira Feghali, quando falou da importância da política de rua e de suas principais referências, que são Lula, Mano Brown e Paulo Freire. “Quero ser um político de rua até o final da minha vida. Tem que saborear a luta da rua, pra depois entender que pode fazer a mudança com a caneta. A caneta tem que seguir o caminho do punho cerrado”, diz Paulo, ressaltando que os políticos devem ouvir as ruas.

 

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Com o avanço da pandemia e a imposição do isolamento social, o serviço dos entregadores se tornou essencial. Porém, em vez de assistir à valorização de sua atividade, eles afirmam que ocorreu o oposto. De acordo com pesquisa feita pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista em abril,  antes da Covid-19, a maioria dos entregadores (60%) recebia entre 261 e 1.041 reais. Hoje, apenas um terço recebe essa faixa de valores. Além disso, a classe reivindica o fornecimento de EPIs (equipamento de proteção), o auxílio-doença em caso de trabalhadores que contraiam Covid-19, uma maior taxa por quilômetro, dentre outras demandas.

Ruy Braga, professor do departamento de Sociologia da USP e autor dos livros A Política do Proletariado e, mais recentemente, de A Rebeldia do Precariado participou de um cinedebate a respeito do filme Você Não Estava Aqui, do Ken Loach, que julgo, dos que vi recentemente, ser o que mais me impactou pela sua dolorosa elegância e por ser tão banal e verdadeiro ao mesmo tempo.

 

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A obra trata da uberização das formas de trabalho e seus impactos sociais. Apesar da angústia do drama, Ken Loach disse, na ocasião do lançamento, que era otimista, pois acredita que os povos sempre resistirão, “sempre haverá alguém que lute”. No cinedebate, Braga fala da trama como retrato da mercantilização do trabalho e a maneira que ela atinge a dinâmica da vida familiar. “Na questão social global é importante destacar que é uma obra artística que retrata o momento da desconstrução da relações de classe na sociedade britânica, mas trata-se de uma realidade mundial”, pontua Braga.

Com o avanço da pandemia e a imposição do isolamento social, o serviço dos entregadores se tornou essencial. Porém, em vez de assistir à valorização de sua atividade, eles afirmam que ocorreu o oposto: passaram a ganhar ainda menos

Em A Rebeldia do Precariado, Braga mostra como a  distribuição desigual dos impactos da crise iniciada em 2008 nas diferentes sociedades –Portugal, África do Sul e Brasil, que são analisadas no livro– não apenas radicalizou as disparidades econômicas entre os países do Norte e do Sul como tem alimentado soluções regressivas. O livro busca compreender a maneira como os movimentos sociais protagonizados pelos precariados tendem a ser um caminho para pressionar as formas tradicionais de organização dos trabalhadores.

Paulo Lima é dessas pessoas que Ken Loach diz acreditar que existem. “Nunca vi a rua de São Paulo tão linda, olhar nos olhos dos meus companheiros e reconhecer que ali não estavam empreendedores e sim trabalhadores”, finaliza Galo.


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MARCELO em 22/07/2020 - 03h53 comentou:

Eu quero ser um…Precariado!

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MARCELO em 22/07/2020 - 03h57 comentou:

A CLT inaugurou um sistema mínimo de proteção aos empregados, excluindo os trabalhadores.
Nos anos 70 economistas passaram a defender o desenvolvimento dependente da competitividade do mercado.
Para tanto, foram adotadas práticas econômicas que interferiram no mercado de trabalho e originou uma classe social, o “precariado”.
Com o governo FHC o empregado protegido pela CLT converteu-se em precariado
Quem é o novo Precariado?
São aqueles ancorados em uma vida sem garantias trabalhistas, não possuem empregos permanentes e muitas vezes nem sequer sabem que integram a classe dos precariados, que ingressam no mundo do crime
através do desrespeito à Lei Maria da Penha. E, num “crescendo de vingança contra a falta de perspectivas”, “bailam em todos os artigos do Código Penal”.
Com a Lei da Reforma Trabalhista o precariado se transforma em ZUMBI, aquele que, destituído de direitos mínimos, sem dinheiro, sem lenço, sem documento, sem qualquer coisa, apenas vegeta socialmente. Eles estão na sociedade, abúlicos, apenas contando com o amanhã.
O Zumbi é a fase final do Precariado.

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