Socialista Morena
Cultura

Mestiço é bom

Nós fizemos um povo. Um povo capaz de herdar 10 mil anos de sabedoria indígena, de adaptação ao trópico e fazer uma civilização tropical

Darcy Ribeiro - Fundação Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro
18 de setembro de 2012, 06h30

Eu tenho certeza que nós fizemos um país bonito, temos é que enforcar os canalhas. Os finos e educados, temos que enforcar. Mas, olha, o que eu digo, sempre, é muito fácil fazer uma Austrália: pega meia dúzia de franceses, ingleses, irlandeses e italianos, joga numa ilha deserta, eles matam os índios e fazem uma Inglaterra de segunda, porra, de terceira, aquela merda.

O Brasil precisa aprender que aquilo é uma merda, que o Canadá é uma merda, porque repete a Europa. É para ver que nós temos a aventura de fazer o gênero humano novo, a mestiçagem na carne e no espírito. Mestiço é que é bom.

Minha carne na Europa nunca foi tomada por portuguesa, ou por espanhola, ou por grega. Perguntaram se eu era persa, porque tinha muito mais cara de árabe, que parece muito mais com cara de índio.

Essas carnes velhas nossas não são caras viáveis na Europa. Então, nós fizemos um povo. Um povo capaz de herdar 10 mil anos de sabedoria indígena, de adaptação ao trópico e fazer uma civilização tropical. Depois é que o europeu chega aqui, plantando trigo. Esse povo está aí e eu digo que somos a nova Roma. Em Roma, querem que vá falar disso, querem que eu escreva mais artigos. E por que nova Roma? Somos a maior massa latina. Os franceses ficaram tocando punheta, os italianos bebendo chianti, os romenos com medo dos russos, quem saiu fodendo por aí foi espanhol e português e fizemos uma massa de gente que é de 500 milhões.

Então, os latinos só se multiplicaram aqui. Há dois mil e quinhentos anos saíram soldados do laço da Etrúria, falando latim, fizeram a França, fizeram Portugal, não sabem como. Pegaram os selvagens de lá, latinizaram e permaneceram. Como é que permaneceram em plena Península Ibérica, com 900 anos de domínio árabe e não se arabizaram? Como é que aguentaram todas as invasões e se mantiveram?

Nós somos melhores, porque lavados em sangue negro, em sangue índio, melhorado, tropical. Então, no futuro, você vai ver daqui a 100 anos, numa reunião, qualquer uma da humanidade, aquele bloco enorme de chineses, vão sobrar chineses, mais da metade dos homens serão chineses. Um absurdo! Vai haver quantidade de árabes, mil milhões de árabes. Importantíssimo, serão uma nova civilização, mil milhões de árabes fiéis à arabidade. Haverá 500 milhões de neobritânicos, haverá muitos outros. E haverá mil milhões de latino-americanos, que somos nós, os latinos. Só nós estamos com a cara lá, nós somos Roma.

O que eu quero é que esse povo cresça e esse povo vai realizar sua potencialidade. Não é possível que durante tantos séculos uma classe dominante infiel nos queira explorar como um proletariado externo

Na reunião da humanidade, o que é importante não é a França, a Europa. Aquilo que dizia Sartre. A Europa, aquela peninsulazinha da Ásia, dobrada sobre a África, vai ficar reduzida ao seu tamanho. Vai ficar no mundo, no futuro, a América Latina, e na América Latina o Brasil, o Brasil com 300 milhões de habitantes.

Não é uma beleza? Mas querem acabar com a foda aqui, querem nos liquidar. O que eu quero é que esse povo cresça e esse povo vai realizar sua potencialidade. Não é possível que durante tantos séculos uma classe dominante infiel nos queira explorar como um proletariado externo. Isso não vai continuar, não. Eu escrevi um livro, O Povo Brasileiro, que vai ajudar aos brasileiros a se assumirem com orgulho como a nova Roma e entenderem que nós somos muito mais difíceis de fazer do que a merdinha da Austrália. Que nós estamos nos fazendo, que nós vamos amadurecer e é preciso vencer um dia a canalha. Eu quase venci em 1964. É claro que eu não podia vencer, com Lyndon Johnson mandando os navios dele para cá, com o Jango não querendo brigar. Mas quase vencemos.

Somos uma Roma tardia. O seu gene tem gene Tupinambá, os que foram mortos. É a herança dos trópicos, vai melhorar. No dia em que a economia não seja para exportar, mas seja, como a norte-americana, para consumir.

*Capítulo de longa entrevista concedida por Darcy Ribeiro (1922-1997) a Antonio Callado, Antonio Houaiss, Eric Nepomuceno, Oscar Niemeyer, Ferreira Gullar, Zelito Viana e Zuenir Ventura, mediados pelo editor Renato Guimarães. Do livro Mestiço É Que É Bom (editora Revan, 1997)

 

 


(10) comentários Escrever comentário

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hcartaxo em 22/09/2012 - 14h37 comentou:

Uma avalanche de sabedoria.

Me lembrei disso aqui: http://www.youtube.com/watch?v=hsk0I73RcsY

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Jairo Ap em 25/09/2012 - 22h07 comentou:

Meu canto de morte
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi

Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.

Viva o Brasil Moreno !

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Baiana do Rio em 18/10/2012 - 16h42 comentou:

Não concordo não. Portugueses tornaram da nossa gente o que ela é hoje. Sem eles ainda seríamos índios andando de pelota e colhendo fruta da bananeira.
Não digo que gosto da gente de carne vermelha. Se achammelhores que tudo e todos,mas temos de respeitar eles porque foram eles que construíram no passado o que nós conseguimos alcançar no presente.

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    Gabriel Simões em 26/10/2012 - 12h45 comentou:

    realmente, vc respeita muito eles.

Toninho Camargos em 26/10/2012 - 12h47 comentou:

O texto de uma canção, de Valter Braga e minha, identifica-se com este tema.

Lugar brasil
(Valter Braga / Toninho Camargos)

Das proezas e traços lusitanos
Dos enganos e cortes, cicatriz
Dos olhares febris, olhos humanos
Vem a minha querência, meu nariz

Da essência de almas sobranceiras,
Das paineiras, de cores, de matiz
Dos cauís de tupinambás fiteiras
Minha delicadeza, minha vis

Minha delicadeza é oração e mais
É canção de aconchego, de pois bem e mais
Que ninguém imagina, mas então
Cada um sempre mais sabe que tem

Cada vulto de altares lusitanos
Cada negra lembrança, cicatriz
Cada qual, guaranis, seres humanos
Lembra minha querência, meu nariz

Cada gente, pastoras sobranceiras
Cada raça faceira, qual matiz
Cada mote condiz, razões fiteiras
Minha delicadeza, minha vis

Minha delicadeza é sem razão e mais
É motivo de briga, de pois bem e mais
E ninguém imagina, mas então
Cada um sempre mais lida também

Dos encantos, de sonhos, de amores
Das venturas, de lendas, dos sacis
De lugares brasis libertadores
Vem a minha querência, meu nariz

De clemências, dos prantos, de chibatas
Das bravatas, promessas varonis
De peris e cecis, de vira-latas
Minha delicadeza, minha vis

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totiy em 26/10/2012 - 13h04 comentou:

O Alberto Dinnes tinha "preocupações" com o socialismo moreno uma vez que tinha ascendência eslava,achava o Darcy Ribeiro um nazista da morenidade.Coitado o que sabe o Dines da morenidade?

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Ana em 26/10/2012 - 19h55 comentou:

Amei!

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Rodrigo em 09/01/2013 - 18h52 comentou:

Outra vez concordo 50%, discordo 50%. Notável é a História Brasileira, porque única. Ñ há nada como o Brasil no mundo, pois somos um complexo de tudo, valores, idéias, raças e etnias, crenças, etc. Importante é e dever ser -urgentemente- que muitos de nós mesmos brasileiros saibamos disso; que aceitemos e passemos a valorizarnos ante o mundo. Agora bem, o que vale para nós, vale para os demais. Ñ podemos exigir liberdade de expressão só a favor do azul. Isso aqui deve ser uma democracia, baseada nos valores humanos. Uma via de mão dupla. Portanto, o Canadá ñ é uma merda, nem a Austrália. São o que são, e vale o Ser. Tratándo-se do DEVER-SER, pois que sejamos todos respeitados nas unicidades próprias, nas características de cada um. Como afirmar que países tão desenvolvidos e com estupendos índices de educação, saúde ou mesmo criminalidade, etc., são uma merda? Poderia -se fosse desavisado ou descuidado-, e até pensar que esse argumento seu ñ é muito de esquerda, pois quem assume que o o que é nosso é bom e maravilhoso -com todas as idiossincracias que existe, inclusive a má educação constante, os índices elevadíssimos de violência ou mesmo a falta de sáude pública considerável, etc.- é aquele que está emm conformidade com tudo isso e ñ quer mudar [dito seja por aqui reacionário]. Então, é interessante a crítica, o inconformismo atual e constante, mas com parcimônia. Minha opinião. Obrigado pelo espaço, sou fã do blog.

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Sirineu Farfan em 27/01/2013 - 17h39 comentou:

http://cristaldo.blogspot.com.br/2009/08/como-um-

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    morenasol em 27/01/2013 - 18h35 comentou:

    nossa, que texto UÓ

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