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Direitos Humanos

Não só as ricas: mães e gestantes pobres também terão direito à prisão domiciliar

Supremo concede benefício a presas provisórias com filhos até 12 anos; debate se iniciou com habeas corpus a Adriana Ancelmo, ex-primeira-dama do Rio

Jéssica, presa por causa de 90 gramas de maconha, com o filho recém-nascido. Foto: reprodução
Katia Guimarães
20 de fevereiro de 2018, 22h18

Tudo começou com o habeas corpus concedido em março do ano passado à mulher do ex-governador Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, que passou a cumprir a pena em prisão domiciliar ao alegar que tinha um filho menor de idade. A decisão da ministra Maria Thereza de Assis Moura, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), estarreceu a todos não só porque ela e o marido estão envolvidos em escândalos de corrupção, mas porque centenas de mães brasileiras de classes mais pobres não tiveram o mesmo direito. Antes disso, o desembargador federal Abel Gomes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região havia mantido Adriana presa alegando que, como muitas mães não conseguem o benefício do Estatuto da Primeira Infância, a ex-primeira-dama também não poderia ter esse direito.

A repercussão do caso de Adriana motivou um pedido de habeas corpus coletivo por parte da Defensoria Pública da União e grupo de advogados militantes na área de direitos humanos. Nesta terça-feira, dia 20 de fevereiro, a 2ª turma do Supremo Tribunal Federal concedeu o benefício em favor de todas as mulheres que cumprem prisão preventiva e que estejam grávidas, amamentando ou sejam mães de crianças de até 12 anos, não apenas as ricas. A decisão vale para mulheres que estejam presas provisoriamente, ou seja, sem julgamento. O relator foi o ministro Ricardo Lewandowski.

Temos mais de 2 mil pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades com suas mães, sofrendo indevidamente, contra o que dispõe a Constituição, as agruras do cárcere

Em sua brilhante exposição, Lewandowski pediu coragem aos colegas da turma: “É um momento histórico que exige que prestigiemos este vetusto instrumento de proteção dos direitos fundamentais que é o habeas corpus. Lembro do caso recente da homologação do acordo dos planos econômicos: atingimos um universo de 650 mil ações em trâmite. Nós três (ele, Gilmar e Tóffoli), de forma pioneira e corajosa, prestigiamos um instrumento que não tem originalmente abrangência coletiva, prestigiamos solução abrangente para uma situação que vinha se arrastando há duas décadas. E tratava-se de direitos meramente patrimoniais. É chegada a hora de exercermos um pouco de coragem. Entendo que este remédio, como apresentado, na sua dimensão coletiva, é efetivamente cabível. O STF tem admitido os mais diversos institutos que logram lidar mais adequadamente com situações em que direitos de determinadas coletividades estão sob risco de lesões graves.”

“Temos mais de 2 mil pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades com suas mães, sofrendo indevidamente, contra o que dispõe a Constituição, as agruras do cárcere”, disse Lewandowski em seu voto ao fazer um relato da dramática situação carcerária de centenas de mães. A narrativa foi chocante: partos em solitária sem nenhuma assistência médica ou com a parturiente algemada, completa ausência de cuidado pré-natal, com transmissão de doenças aos filhos, falta de escolta para levar a gestante a consultas médicas, abusos no ambiente hospitalar.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional e dos Estados, a estrutura do sistema carcerário feminino é ultrajante: apenas 34% dos estabelecimentos dispõem de cela adequada para gestante; 32%, de berçários; e 5%, de creches

“A manutenção de crianças em celas. Brasileirinhos em celas! Tudo de forma absolutamente incompatível com os avanços civilizatórios que se espera tenham sido concretizados no século 21”, afirmou. “Nós estamos transferindo a pena da mãe para a criança, inocente. Me lembro da sentença de Tiradentes, as penas passaram a seus descendentes”, acrescentou. Situações como as contadas pelo ministro puderam ser vistas na semana passada, quando a imagem de uma mãe presa em São Paulo com o filho de três dias correu a internet e chocou a todos. Sem antecedentes, Jéssica Monteiro, que foi presa pelo porte de 90 gramas de maconha, deu à luz antes da audiência de custódia e ficou na cela de dois metros quadrados com o recém-nascido. Ela foi solta na sexta-feira, 16.

O ministro ainda enfatizou que o Estado não é capaz de garantir estrutura mínima de cuidado pré-natal e à maternidade nem mesmo às mulheres que não estão na prisão. Segundo dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e dos Estados, levantados a pedido de ministro, a estrutura do sistema carcerário feminino é ultrajante: apenas 34% dos estabelecimentos dispõem de cela adequada para gestante; 32%, de berçários; e 5%, de creches. “A grande realidade nacional, e conheço de corpo presente, a situação é degradante e sujeita no Brasil a críticas merecidas”, afirmou em relação a organismos internacionais de proteção dos Direitos Humanos.

O habeas corpus não vale para os casos de crimes praticados por mães ou gestantes mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas

Ao defender o HC coletivo, Lewandowski afirmou que o Artigo 227 da Constituição Federal, que trata da proteção da criança, está sendo flagrantemente descumprido pelas autoridades prisionais e o Estatuto da Primeira Instância (Lei 13.257/2016) também está sendo negligenciado. Por fim, determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças sob sua guarda, relacionadas no processo, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas. “Não é salvo-conduto perpétuo”, afirmou o relator.

O voto de Lewandowski foi aprovado por maioria (4 a 1) na 2ª Turma do STF. A exceção ficou por conta do ministro Edison Fachin, que alegou que não há como conceder o HC coletivo. Para ele, seria preciso que o juiz analisasse caso a caso –como se fosse possível. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, existem hoje quase 700 mulheres nessa situação. Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias indicam aumento de 567% no número de mulheres presas entre os anos de 2000 e 2014, que passaram de 3,2% para 6,4% do total de pessoas encarceradas. Segundo o relatório, em 2014 o Brasil tinha, em números absolutos, a quinta maior população de mulheres presas do mundo, ficando atrás dos Estados Unidos (205.400 mulheres presas), China (103.766), Rússia (53.304) e Tailândia (44.751).  A decisão de hoje deve ser implementada em todo o país em até 60 dias.

Com informações do site Migalhas

 

 

 


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Sergio Souza em 21/02/2018 - 08h46 comentou:

Todas! Não por elas, porque se lá estão é porque cometeram algum delito. Mas, pensemos em suas crianças,e tão somente nelas.

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