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O caso Ana Hickmann e a ilusão de felicidade vendida pelas redes sociais

Na “tirania da positividade” da internet, não basta ser "bem sucedido", é preciso o aval da audiência online; e é aí que mora o perigo

Ilusão? Ana e Alexandre quatro dias antes da agressão. Foto: facebook
Cynara Menezes
29 de novembro de 2023, 12h36

A apresentadora Ana Hickmann apagou de seu instagram a maioria dos posts onde aparecia ao lado do marido, Alexandre Correa, depois da agressão que sofreu. Alexandre excluiu todos os posts e seu perfil só mostra agora duas notas onde desmente ter agredido Ana. Mas, naquela outra rede meio decadente, o facebook, as fotos continuam lá, com a família no melhor estilo “margarina”: lindos, felizes, perfeitos.

No perfil da apresentadora no face, a imagem que ilustra este post é do dia 7 de novembro, quatro dias antes da agressão. Ana aparece abraçada com o marido na piscina da mansão do casal em Itu, palco do episódio que foi parar na delegacia. Naquela época, segundo Ana e Alexandre, eles já estavam em crise, afogados em dívidas, a relação “era tóxica há bastante tempo”, como a apresentadora disse em entrevista a Carolina Ferraz, e os dois não dormiam no mesmo quarto “havia cinco meses”, como o empresário falou à revista Quem.

Não acreditem que famosos, por aparecerem sorridentes em seus perfis, são felizes o tempo todo; e não exijam isso de vocês mesmos. Todo mundo tem momentos de tristeza, todo mundo tem problemas, todo mundo pode ser vítima de abuso, todo mundo é imperfeito. Até quem parece perfeito nas redes sociais

Nos comentários das fotos, assim como em todas onde Ana e Alexandre aparecem juntos, os seguidores parabenizam o “casal lindo”, a “família feliz”, o “exemplo de família”. “Eu posso estar enganada, mas este casal têm uma química um pelo outro que dá pra sentir”, escreve uma fã. “Que Deus abençoe sua família maravilhosa com muita alegria, muita saúde, dim dim tem bastante, né? Tem até sobrando, né? E a saúde é importante demais, ser uma família muito linda, parabéns”, diz outra.

Era tudo aparência, inclusive o “dim dim” sobrando. O ex-casal está às voltas com uma dívida milionária e, pelas declarações de Ana Hickmann, foram os problemas financeiros o estopim para a briga que resultou na agressão. Ana e Alexandre já não eram felizes juntos havia muito tempo, mas suas redes sociais vendiam o contrário: a ilusão do amor que não acaba após 25 anos, a harmonia dentro de casa que dançou, a perfeição que não existe. Isso também tem que ser debatido.

“Nas redes sociais todo mundo é feliz” –é uma frase comum de se escutar, e o próprio facebook já teve, no seu auge, o apelido de “fakebook” por expor uma felicidade fabricada. Hoje é o instagram, do mesmo grupo, o principal responsável por incitar a inveja, a ansiedade e a frustração em quem não tem tanta felicidade assim, tanta vida social ativa assim, tantos corpos perfeitos assim, tanto luxo e riqueza assim. O dano psicológico que a venda de felicidade causa às pessoas, sobretudo os mais jovens, é enorme.

Em documentos internos revelados pelo Wall Street Journal em 2021, a própria Meta, dona do facebook e do instagram, admite a toxicidade da rede para os adolescentes. Um dos relatórios, de março de 2020, diz que “32% das garotas afirmam que, quando se sentem mal com seu corpo, o instagram as faz se sentirem pior”. Mais de 40% das jovens que se consideram pouco atraentes começaram a se sentir assim após entrar no instagram. Esta semana, o mesmo jornal revelou que o dono da Meta, Mark Zuckerberg, vetou a proibição de filtros que emulam cirurgia plástica no instagram, reforçando nos jovens a busca insana por uma “aparência ideal”.

Devia estar sendo duro para a apresentadora aparentar uma felicidade que já não existia em casa. A frase “o show tem que continuar” vale cada vez mais, às custas de muito sofrimento psíquico. Nem tudo que reluz nas redes sociais é ouro: seria importante que Ana falasse disso também

Zuckerberg havia recebido memorandos internos sobre os filtros onde especialistas alertavam para o impacto que eles teriam sobre os jovens, causando distúrbios como dismorfia corporal e problemas alimentares, sobretudo em adolescentes do sexo feminino. Mesmo assim, o CEO da Meta cancelou uma reunião para discutir o tema e em seguida vetou a proposta de banir os filtros.

O estudo “Economia do Mal-Estar”, produzido pelo grupo Consumoteca sob a liderança do antropólogo Michel Alcoforado em 2020, apontou um fenômeno que ele chama de “tirania da positividade” das redes sociais: não basta ter família, filhos, um bom trabalho, para se sentir feliz. É preciso o aval da audiência online. E é aí que mora o perigo.

“O principal problema dessa tirania da positividade é que obriga todo mundo a ser feliz, independente das circunstâncias do dia a dia. O reflexo no consumo é que isso exacerba ainda mais e dá mais gasolina ao movimento da sociedade de consumo, porque as pessoas passam a achar que elas têm a obrigação de serem felizes e, para isso, têm também a obrigação de comprar coisas”, disse Alcoforado à revista Meio&Mensagem quando o estudo foi lançado.

Alcoforado citou o caso de influenciadores que aparentam estar bem e que na verdade estão sofrendo, longe das redes, com a depressão, como aconteceu com o humorista Whindersson. “Volta e meia vemos gente com cara de feliz falando sobre depressão, sobretudo os influenciadores digitais, porque o que eles vendem é felicidade. E quando em todos os minutos da sua vida você é obrigado a vender felicidade, chama muito a atenção e nos choca quando alguém não está dentro desse processo. Isso tudo tem um peso, um custo psíquico e é disso que estamos falando.”

Para uma mulher sob os holofotes como Ana Hickmann, devia estar sendo duro aparentar todo o tempo uma felicidade que já não existia dentro de casa. “O show tem que continuar”, a frase cruel do showbizz hollywoodiano, vale cada vez mais com a exposição que a internet proporciona, inclusive a anônimos, às custas de um sofrimento psíquico com o qual a apresentadora agora está tendo que encarar. Nem tudo que reluz nas redes sociais é ouro: seria importante que Ana falasse também disso a seu público e ao Brasil.

A lição que fica é: não acreditem que pessoas famosas, por aparecerem sorridentes em seus perfis públicos, são felizes o tempo todo; e não exijam isso de vocês mesmos. Não coloquem suas expectativas no patamar inalcançável dos influenciadores e suas vidas fabulosas, até porque, como mostrou o caso Ana Hickmann, ele não é verdadeiro. Todo mundo tem seus momentos de tristeza, todo mundo tem seus problemas, todo mundo pode ser vítima de abuso, todo mundo é imperfeito. Até quem parece perfeito nas redes sociais.

 


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(1) comentário Escrever comentário

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Caiowa em 01/12/2023 - 06h21 comentou:

Até a beleza é efêmera.
Ele ja ta velho e feio. Nao sei se foi bonito um dia.
Deve der um choque perder a juventude para quem acho que é imortal.

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