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Reforma trabalhista cria “castas do assédio”

Por Katia Guimarães* Há um fato gravíssimo no texto da reforma trabalhista que passou despercebido até agora: a reforma cria “castas do assédio”, em que as queixas por assédio moral ou sexual poderão ser indenizadas de acordo com uma tabela onde quem ganha mais recebe mais. Ou seja, se for aprovada a reforma, a denúncia […]

Cynara Menezes
21 de junho de 2017, 18h49

assediompt

Por Katia Guimarães*

Há um fato gravíssimo no texto da reforma trabalhista que passou despercebido até agora: a reforma cria “castas do assédio”, em que as queixas por assédio moral ou sexual poderão ser indenizadas de acordo com uma tabela onde quem ganha mais recebe mais. Ou seja, se for aprovada a reforma, a denúncia de uma copeira vítima de um patrão abusador, por exemplo, passaria a valer menos do que a de uma executiva que também tenha sofrido assédio.

O primeiro em tocar no assunto foi o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, no artigo Como a reforma trabalhista aprofunda a desigualdade social, publicado no site da revista Carta Capital. O absurdo aparece no artigo 223, sobre o chamado “tabelamento dos danos extrapatrimoniais”, que estabelece que o cálculo das indenizações trabalhistas deverá ser proporcional ao salário da vítima, em vez de ser relativo à gravidade da situação.

Para Boulos, o dispositivo acaba por colocar um valor no assédio sexual ou moral, levando uma funcionária com cargo mais alto a ter direito a uma indenização maior do que, por exemplo, uma faxineira, mesmo que as duas tenham sofrido idêntico tipo de abuso e partindo do mesmo assediador. “A dignidade da faxineira vale muito menos que a da executiva. Precificam a vida de acordo com a posição social. É um verdadeiro escárnio”, condenou o líder dos Sem-Teto.

Aprovada a reforma, o assédio sobre o empregado será contabilizado de acordo com a classe social da vítima. Sairá mais barato assediar mulheres mais humildes e com renda mais baixa do que, por exemplo, uma gerente ou executiva –sendo que o assédio, tanto moral quanto sexual, é logicamente mais comum partindo de quem está numa posição hierárquica superior.

O caso ganhou repercussão quando a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) chamou a atenção para isso durante a votação da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). A senadora petista tentava sensibilizar sua ex-colega de partido e presidente do colegiado, Marta Suplicy (PMDB-SP), que no passado se destacou em defesa dos direitos das mulheres e levantou a bandeira do feminismo. “Isso é horrível. Não dá para acharmos que isso é correto. É impensável termos isso escrito no projeto de lei”, protestou.

Os números de assédio sexual ou moral no país são alarmantes: segundo pesquisa do site Vagas.Com, realizada em maio de 2015, 52% de 4.975 profissionais entrevistados em todas as regiões disseram ter sido vítimas. Os dados mostram ainda que, entre quem não passou por esta situação, 34% já presenciaram algum episódio de abuso. Em algumas profissões, como o jornalismo, e entre as mulheres, o número é ainda mais alto. Segundo pesquisa do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, 77,9% das mulheres disseram já ter sofrido assédio moral em redações.

A mesma linha de raciocínio vale para a “precificação” da vida de acordo com a posição ocupada, em casos de indenização por morte em acidentes de trabalho. No exemplo citado por Boulos, a vida de um engenheiro pode valer mais do que a de um ajudante geral. Se os dois morrem na obra, as indenizações também serão calculadas de acordo com o salário de cada um. “Pela reforma de Temer e de Rogério Marinho, a vida de um engenheiro vale muito mais que aquela do ajudante”, observou.

O cenário é ainda mais absurdo quando lembramos que essa mesma reforma não só restringe como dificulta o acesso do empregado à Justiça do Trabalho. Segundo o projeto, se o trabalhador perder a ação de reparação terá que arcar com os custos da perícia; se faltar à audiência por qualquer imprevisto, terá de arcar com as custas do processo; e ainda caberá ao empregado o pagamento dos honorários com advogados dos pedidos não atendidos pela Justiça. Tudo isso está dito no Artigo 790 do texto da reforma. Além de inibir o trabalhador de buscar seus direitos ou reparação de danos, a reforma do governo Temer fará o funcionário perder mesmo quando ganha, como frisou Boulos. Dependendo do caso, o trabalhador poderá sair devendo em uma ação ganha parcialmente por ele.

Lições

Aqui vale abrir um parênteses para um detalhe também pouco reparado na fala de Gleisi. Ao tentar resgatar a antiga Marta, a senadora petista contou que sua formação feminista foi influenciada pela ex-colega de partido e pelo livro de autoria da senadora peemedebista. “Eu lhe conheço há muito tempo, já militamos juntas, eu diria que a minha formação feminista veio pelas suas mãos –as suas e as da Rose Marie Muraro. O primeiro livro que li foi De Mariazinha a Maria. Não esqueço e o tenho até hoje na minha casa. Espero que a minha filha o leia também, porque aprendi muito com ele”, disse Gleisi. No livro, publicado em 1985, Marta faz uma reflexão dos sentimentos da mulher, a busca da identidade e sua evolução.

Confira aqui os artigos 223 e 790 da reforma trabalhista de Temer.

 

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