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Semana da Consciência Negra: a carta de um filho

Recebi a carta de um leitor que me tocou profundamente. Para mim,  este tipo de texto diz mais sobre a questão racial do que muitos de nós, mesmo os maiores especialistas, seríamos capazes de descrever. Não é um texto teórico. É o depoimento de quem sente na pele (literalmente na pele) a realidade de um […]

(série Julia, de 1968, pioneira ao mostrar uma mulher negra que criava sozinha seu filho)
Cynara Menezes
19 de novembro de 2012, 19h36

(série Julia, de 1968, pioneira ao mostrar uma enfermeira negra que criava sozinha o filho)

Recebi a carta de um leitor que me tocou profundamente. Para mim,  este tipo de texto diz mais sobre a questão racial do que muitos de nós, mesmo os maiores especialistas, seríamos capazes de descrever. Não é um texto teórico. É o depoimento de quem sente na pele (literalmente na pele) a realidade de um país onde alguns teimam em dizer que não existe racismo. Leiam.

***

Olá Cynara,

Existe algo que me incomoda muito e que eu gostaria de compartilhar com você.

Meu nome é Daniel, tenho 29 anos e sempre morei na região da Vila Madalena, em São Paulo, onde tive a sorte de viver perto de pessoas inteligentes e gentis que me servem de exemplo e contribuíram para a minha formação.

Eu sou mulato, minha mãe negra e desde seus nove anos de idade ela sempre teve a profissão de empregada doméstica.

Já no meu caso, tive a oportunidade de trabalhar em diferentes áreas, desde cuidador de cães até fazer gerenciamento de canais de vendas, que é a minha profissão hoje na Microsoft. Adiciona-se a isso o fato de a minha educação estar sendo concluída, e meu próximo passo é a conquista do curso de MBA (possivelmente até fora do Brasil).

Minha profissão me leva a conhecer muitas empresas, e a conhecer várias fórmulas que empresários diversos desenvolvem para ter as melhores equipes e os melhores resultados possíveis. Mas, apesar de serem diferentes, essas fórmulas têm algo em comum: a falta de mulheres negras nelas.

Nos meus 29 anos foi raro o momento em que vi uma mulher negra em posição de liderança e destaque em uma empresa. Ao invés disso, elas são a tropa fiel dos departamentos de limpeza, serviços gerais, copas, etc. Começam a rarear das recepções até as supervisões e seus títulos mais comuns são os de Tia/Dona/Querida/Amor.

Mulheres negras há muito tempo são as chefes de diversas famílias, administram orçamentos apertados, desenvolvem diversas estratégias para conduzir e manter times (famílias) unidos, motivados e trazendo resultados. Como as empresas ainda não descobriram esses talentos? Como um governo insiste em não desenvolver de modo adequado nas escolas todo o potencial delas? E, acima de tudo, como a nossa sociedade insiste em mantê-las no mesmo papel desde a época do cativeiro?

Eu não sou do tipo que fica levantando bandeiras, que protesta e vai às ruas por uma causa (mesmo as tendo), mas esse assunto não me sai da cabeça e eu gostaria que ele fosse levantado nesse feriado da consciência negra. Na verdade, eu gostaria que esse fosse o assunto de capa de alguma revista semanal de circulação nacional.

Você acha que essa seria uma boa pauta para as suas colunas? Eu ficaria extremamente grato se isso acontecesse e, mais ainda, se viesse com a opinião de especialistas e comentaristas sobre soluções possíveis, que dessem luz ao fim do túnel de diversas mulheres que estão à espera de serem notadas  sob uma ótica diferente.

Abraços e obrigado,

Daniel Tavares


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(5) comentários Escrever comentário

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@waasantista em 19/11/2012 - 19h57 comentou:

Amanhã, aqui em Curitiba, haverá um debate justamente sobre esse ponto: a condição da mulher negra no mercado de trabalho – http://infocep.com.br/blog/?p=633

Responder

    morenasol em 19/11/2012 - 20h20 comentou:

    boa, vou divulgar

Marcia Mendes em 20/11/2012 - 01h09 comentou:

Milhares abdicam de antemão de seu lugar ao sol.Só são admitidas no esporte e no entretenimento ( arte?).
Lembrem-se de Carmem e Alaíde Costa, como lutaram . O Sebrae devia fornecer linha especial de crédito, pois ( na África é assim ) são comerciantes talentosas. Só na Bahia não foram expulsas da chefia de cozinhas. presume-se.

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mario cezar em 20/11/2012 - 01h44 comentou:

dona "socialista moreno", sempre que atravesso algum caderno(nome que dou ao termo blog) com conotações socialistas ou rastros mais a esquerda , no espectro do pensamento, sempre percebo, )está aceso feito brasa em tronco de mandacaru, quando seco(, ou seja, tudo é visto pela ótica da luta de classes, daqueles que vão redimir os desgostos da humanidade, daqueles que vão inserir um novo patamar para o mel; os escritores vão trazer uma nova lamparina para clarear os precipícios; são escritores , que em punho, trarão o sal da verdade, são os portas vozes do júbilo e das certezas, que um novo sol nascerá verdejante . cynara, o teu caderno é interessante, porem nas entrelinhas , reacende-se uma raiva , quase descabelada. tudo sob a ótica dos oprimidos. lembremos apenas de um grande educador , paulo freire, que disse textualmente " o oprimido também hospeda o opressor" Sig Freud foi além quando disse que o homem tem um lado obscuro. uma patologia, de besta fera, incrustrada ao pé da alma ou dentro do bucho(como preferir

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kamila em 23/11/2012 - 14h03 comentou:

Graças a Deus nunca convivi com tamanha discrepanciaao contrário.. Trabalhei em um laboratório aqui em Goiânia, o Padrão. E nunca ouve discriminação de mulheres negras em qualquer departamento. Tem as da limpeza, mas também tem as da recepção (muitas), as coordenadores(muitas), no departamento de finanças, no departamento responsável pelos convênios médicos, as coletadoras, técnicas de laboratório e biomédicas.
Os donos são homens, mas a maioria dos funcionários são mulheres.. Lá não há distinção de cor para nenhum serviço, ao contrário o que conta para a pessoa estar em tal colocação são mérito, o serviço, a qualidade e empenho q vc faz..
Não estou mais lá, mas só fiz essa observação pq essa realidade de mulheres negras com subempregos ainda existe infelizmente, mas as coisas estão mudando para melhor.

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