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Cultura

Semana de Arte Moderna, 91 anos: Os Sapos, de Manuel Bandeira

Ao ridicularizar os parnasianos por seu apego à métrica, a leitura do poema representou uma espécie de declaração de princípios dos modernistas

Antigo rótulo de café
Cynara Menezes
13 de fevereiro de 2013, 13h21

Há 91 anos, começava em São Paulo, em pleno Teatro Municipal, a Semana de Arte Moderna de 1922, que sacudiria os cânones da arte no País. O que valia antes não valia mais: outra arte chegara, decretavam os modernistas capitaneados por Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia. Heitor Villa-Lobos apresentaria 20 composições durante as três noites que durou a Semana, escandalizando os puristas ao mesclar música de orquestra a tambores, instrumentos populares de congado e folhas de zinco. Antropofagicamente, como o Brasil faz sua arte até hoje, de Norte a Sul: deglutindo e reprocessando elementos de outras culturas. “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”, escreveria Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropofágico, seis anos depois, em 1928.

A Semana dividiu o público entre adoradores e detratores. Na segunda noite, dia 15 de fevereiro, Os Sapos, poema de Manuel Bandeira (1886-1968), que não compareceu ao evento, seria declamado por Ronald de Carvalho, em meio às vaias da platéia. Ao ridicularizar os parnasianos por seu apego à métrica, Os Sapos representou uma espécie de declaração de princípios dos modernistas. A partir de então, estavam liberados os versos sem rima. Tiraram, enfim, os grilhões da poesia.

Para mim, o poema continua absurdamente atual, sobretudo nos momentos em que o saudosismo da arte de outros tempos aflora, o que me faz lembrar do velho parnasianismo… Foi? Não foi?

Charge da época ironizando os modernistas; alguma semelhança com a atualidade?

***

Os Sapos

Por Manuel Bandeira

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

O querido Manuel Bandeira

Clame a saparia 
Em críticas céticas:
Não há mais poesia, 
Mas há artes poéticas…” 

Urra o sapo-boi: 
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!” 
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”. 

Brada em um assomo 
O sapo-tanoeiro: 
– A grande arte é como 
Lavor de joalheiro. 

Ou bem de estatuário. 
Tudo quanto é belo, 
Tudo quanto é vário, 
Canta no martelo”. 

Outros, sapos-pipas 
(Um mal em si cabe), 
Falam pelas tripas, 
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”. 

Longe dessa grita, 
Lá onde mais densa 
A noite infinita 
Veste a sombra imensa; 

Lá, fugido ao mundo, 
Sem glória, sem fé, 
No perau profundo 
E solitário, é 

Que soluças tu, 
Transido de frio, 
Sapo-cururu 
Da beira do rio…


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(3) comentários Escrever comentário

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Vicente Jouclas em 29/04/2018 - 10h51 comentou:

Perto da poeta, os comentaristas são trogloditas.
Charmosos, necessários; mas perto da poeta.

Responder

LUCIA MARIA VIEIRA DA ROCHA em 15/08/2018 - 19h01 comentou:

Feliz lembrança do “Os sapos” colando o rótulo nos nossos sapos contemporâneos

Responder

Gabrielsantos em 13/11/2020 - 08h59 comentou:

Interessante

Responder

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