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Supremo e ciberativistas lideram ofensiva ao “gabinete do ódio” bolsonarista

Blogueiros e parlamentares sofrem busca e apreensão da PF; movimento insta empresas a bloquearem anúncios em sites de fake news

Allan do site Terça Livre é cumprimentado por Eduardo Bolsonaro na CPMI, em novembro de 2019. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Cynara Menezes
27 de maio de 2020, 17h40

Dois duros golpes contra o “gabinete do ódio” bolsonarista aconteceram em menos de dez dias. Primeiro, foi a chegada ao Brasil do movimento anônimo Sleeping Giants, ciberativistas que instam empresas a bloquear anúncios em sites mentirosos; nesta quarta-feira, estourou a bomba da busca e apreensão pela Polícia Federal, a pedido do Supremo Tribunal Federal, nas casas dos principais acusados no inquérito sobre as fake news, como o influencer de extrema direita Allan dos Santos, do canal Terça Livre, o proprietário das lojas Havan, Luciano Hang, e o condenado no mensalão Roberto Jefferson, mais novo fiel aliado do presidente Jair Bolsonaro.

O Sleeping Giants já conseguiu a adesão de mais de 150 empresas, entre elas Nestlé, Brastemp e Dell do Brasil, que enfrentaram ataques em massa dos robôs bolsonaristas no twitter. A Brastemp foi atacada com a hilariante tag #BrastempApoiaoComunismo

Desde o dia 18 de maio, o perfil no twitter Sleeping Giants Brasil tem alertado várias empresas de que estão anunciando de forma indireta no site Jornal da Cidade Online, através de anúncios automáticos do Google Adsense ou Facebook Ads. Nos EUA, o Sleeping Giants conseguiu minar financeiramente, com a mesma estratégia, um dos principais portais da extrema direita, o Breitbart, fazendo milhares de anunciantes bloquearem a publicação de seus anúncios no site.

Ligado ao bolsonarismo, o Jornal da Cidade Online já foi condenado a indenizar em 150 mil reais o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, por chamá-lo de “escroque” e acusá-lo de fraudes na administração da Ordem e de levar a entidade à bancarrota. O site já estava sob a mira da CPMI das Fake News, interrompida em virtude da pandemia.

Em duas semanas, o Sleeping Giants conseguiu a adesão de mais de 150 empresas, entre elas a Nestlé, a Brastemp e a Dell do Brasil, que enfrentaram em seguida ataques em massa dos robôs bolsonaristas no twitter. Contra a Dell, tentaram intimidar a empresa usando a tag #NãoCompreDell; já a Brastemp foi atacada com a hilariante tag #BrastempApoiaoComunismo.

O Banco do Brasil, que comunicara pelo twitter a intenção de bloquear os anúncios no Jornal da Cidade Online, acabou voltando atrás após pressão do chefe da Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto, Fabio Wajngarten, e do filho de Bolsonaro, Carlos.

No STF, a investigação está centrada na “notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandidiffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal e de seus membros; e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito”, de acordo com nota do ministro Alexandre de Moraes, que ordenou a busca e apreensão.

Alexandre de Moraes afirmou que a liberdade de imprensa “não é construída por robôs. O que é disseminado por robôs são as fake news”. Disse ainda que liberdade de expressão “não pode se confundir com a possibilidade de fazerem-se associações criminosas”

“As provas colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como Gabinete do Ódio, dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”, escreveu o ministro do Supremo em sua decisão.

Em um seminário online promovido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) poucas horas após a deflagração da operação da PF, Alexandre de Moraes afirmou que a liberdade de imprensa “não é construída por robôs. O que é disseminado por robôs são as fake news”. Disse ainda que liberdade de expressão “não pode se confundir com irresponsabilidade, ou com a possibilidade de, sob o falso manto da liberdade de expressão, fazerem-se associações criminosas”

No twitter, os filhos do presidente assumiram a defesa dos investigados e foram os primeiros em reclamar da ação de busca a apreensão da Polícia Federal, como se estivessem sendo diretamente atingidos por ela. O deputado federal Eduardo Bolsonaro tratou de absolver por antecipação os acusados de disseminar fake news e promover o ódio.

Enquanto isso, seu irmão Carluxo mostrava uma inédita preocupação com a Constituição e investigações movidas por interesse “político e ideológico”.

No dia anterior, o mesmo Carluxo havia aplaudido a operação de busca e apreensão na residência oficial do governador Wilson Witzel, e dito que quem afirmava que a PF foi instrumentalizada para perseguir o rival do seu pai estava “problematizando”. Claro, com as aloprações de costume.

O que não dá para negar é que a batata dos fabricantes de fake news está assando. Tampouco dá para negar que sites como o Terça Livre usam de mentiras, de forma recorrente, para difamar adversários do bolsonarismo sob o pretexto de “fazer jornalismo”.

No próprio depoimento de Allan dos Santos à CPMI, a relatora Lídice da Mata (PSB-BA), lembrou de notícias falsas difundidas pelo influencer: a venda de uma reserva indígena em Rondônia para uma empresa irlandesa; a suposta ligação de uma quadrilha na Bahia com a campanha de Fernando Haddad; a “informação” de que pedófilos estariam pedindo para entrar em comunidades LGBT; e ainda a “notícia” de que o músico Roger Waters, do Pink Floyd, estaria envolvido em um suposto “esquema de corrupção do PT”.

O “véio da Havan”, como Luciano Hang é conhecido nas redes sociais, negou fazer parte do esquema de fake news. Mas, há dois dias, foi condenado a indenizar o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, por disseminar inverdades a seu respeito

Todas estas fake news, que têm em comum atingir quem se coloca no caminho de Bolsonaro, foram desmentidas por sites de checagem. Allan dos Santos, que já teve postagens com desinformação e mistificação sobre o coronavírus apagadas pelo twitter, se negou a responder à CPMI sobre a origem de suas “notícias”, alegando “sigilo de fonte”.

Nesta terça-feira, Lídice da Mata informou que solicitou ao Supremo as informações colhidas nas diligências. “As ações promovidas pela Operação da PF reafirmam o que já era conhecido pelos membros da CPMI através de depoimentos e documentos recebidos pela Comissão: uma rede financiada por alguns empresários e com recursos públicos –integrada por vários políticos e agentes públicos– para disseminação de informações falsas no Brasil com o objetivo de manchar biografias, espalhar o caos e o medo e influenciar pleitos eleitorais”, disse a deputada, em nota.

Entre os alvos da busca e apreensão, além de Jefferson, Hang e Allan, estão a ativista Sarah Winter, coordenadora do “grupo dos 300”, que está acampado na Praça dos Três Poderes em Brasília e é acusado pelo Ministério Público de ser uma “milícia armada bolsonarista”; o youtuber Bernardo Kuster; e o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), entre outros. Os deputados federais Bia Kicis (DF), Carla Zambelli (SP), Daniel Silveira (RJ), Cabo Junio Amaral (MG), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (SP) e Filipe Barros (PR) e o deputado estadual Gil Diniz, todos do PSL, foram intimados a depor.

O “véio da Havan”, como Luciano Hang é conhecido nas redes sociais, disse não ter “nada a esconder” e negou as acusações de integrar o esquema. “Querem saber se produzi ou patrocinei Fake News contra membros do Supremo Tribunal Federal ou contra a instituição. Jamais fiz isso”, garantiu. Há dois dias, o empresário de extrema direita foi condenado a indenizar o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, por disseminar inverdades a seu respeito nas redes sociais.

A deputada Bia Kicis já foi pega no flagrante repetidas vezes espalhando fake news: em outubro de 2019, divulgou um vídeo falso que relacionava as Farc com Lula; em março, disseminou o boato de whatsapp de que um “porteiro” ou “borracheiro” que havia sido enterrado como vítima de coronavírus, quando tinha sido “atingido por um pneu”; e no mesmo mês afirmou que a PGR tinha arquivado a denúncia de um deputado petista contra Jair Bolsonaro, o que não era verdade.

O novo “engavetador-geral” já pediu ao STF que suspenda o inquérito. Mas, seja pelo movimento Sleeping Giants, pelo Supremo ou pela CPMI das Fake News, o certo é que vem mais por aí. Os chefes ocultos do “gabinete do ódio” que ponham as barbas de molho

Liderados por Eduardo Bolsonaro, em abril os bolsonaristas tentaram impedir a prorrogação da CPMI das Fake News, mas foram derrotados. A Comissão de Inquérito tem até outubro para concluir os trabalhos, que agora devem ser retomados com urgência –os senadores petistas Jean Paul Prates (RN) e Humberto Costa (PE) pediram a retomada imediata das atividades. O que os bolsonaristas mais temiam com a CPMI, porém, pode ter se concretizado com a operação da PF: aproximar-se dos financiadores do esquema.

O novo “engavetador-geral” da República, Augusto Aras, já pediu ao STF que suspenda o inquérito até que o plenário “fixe parâmetros para a investigação”, incluindo o Ministério Público nas decisões para evitar “constrangimentos desproporcionais” aos acusados. Mas, seja pelo movimento Sleeping Giants, pelo STF ou pela CPMI das Fake News, o certo é que vem mais por aí. Os chefes ocultos do “gabinete do ódio” que ponham as barbas de molho.

 

 


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