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A geléia geral não compensa

Cada qual pode ter a sua leitura da condenação, pelo STF, de dois nomes históricos do PT, José Dirceu e José Genoino, por corrupção ativa. São várias as interpretações para os termos duros utilizados, como os que escolheu Celso de Mello –”agenda criminosa”, “organização criminosa”. Ou para a expressão ainda mais inclemente usada pelo presidente […]

Plenário do Supremo (divulgação STF)
Cynara Menezes
11 de outubro de 2012, 20h42

Plenário do Supremo (Felipe Sampaio/STF)

Cada qual pode ter a sua leitura da condenação, pelo STF, de dois nomes históricos do PT, José Dirceu e José Genoino, por corrupção ativa. São várias as interpretações para os termos duros utilizados, como os que escolheu Celso de Mello –”agenda criminosa”, “organização criminosa”. Ou para a expressão ainda mais inclemente usada pelo presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, de que foi “um golpe”.

Para mim, não faz sentido dizer que naquele plenário se perpetrou um golpe, tanto quanto é nonsense dizer que Britto viu na trama uma tentativa de golpe por parte do governo petista. O que ele condenou foi o vale-tudo, o golpe que é dado nas instituições republicanas quando um político se utiliza de trapaça para governar ou ganhar eleição –seja isso chamado de caixa dois ou “mensalão”. A íntegra do trecho do voto do ministro é clara:

“Com a velha, matreira e renitente inspiração patrimonialista, um projeto de poder foi arquitetado. Não de governo, porque projeto de governo é lícito, mas um projeto de poder que vai muito além de um quadriênio quadruplicado, muito mais de continuidade administrativa. É continuísmo governamental. Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia, que é o republicanismo, que postula renovação dos quadros de dirigentes.”

É importante lembrar que, denunciado, o esquema acabou –isto o próprio Roberto Jefferson falou na fatídica entrevista à Folha de S.Paulo. Após contar a Lula, “a fonte secou”, disse Jefferson à repórter Renata Lo Prete. O que isso significa? Que se, por um lado, o Supremo decidiu que o mensalão existiu (apesar de não haver provas cabais), por outro também decidiu que acabou, é passado. Que foi um episódio pontual –sim, condenável– na história do governo Lula, mas não uma prática dos oito anos que durou seu governo, seis além do mensalão. E que houve crimes, pelos quais muitos irão pagar agora, justa ou injustamente.

Não enxerguei em nenhum dos ministros a intenção deliberada de proteger ou de destruir à margem da lei. Vi, de um lado, dois votos vencidos que optaram por se basear estritamente nos autos, o que é legítimo; e vi, de outro, oito votos convictos de que havia uma caçamba de irregularidades e que viram evidências do envolvimento de dirigentes do PT com uma organização corrupta. Como negar que havia depósitos e saques à boca do caixa, dinheiro circulando para lá e para cá, delivery de boladas em cash entregues ao portador? Como um eleitor pode entender que políticos possam ser absolvidos em circunstâncias assim? Pior: que sejam SEMPRE absolvidos?

Obviamente existe uma disputa eleitoral como pano de fundo do julgamento que se desenrola desde agosto no plenário do STF, mas isso pouco ou nada tem a ver com o fato de que há muitos crimes ali. Cada um dos ministros desencavou do processo os fatos que mais o deixaram indignado. São condutas que causam vergonha e repugnância no cidadão brasileiro que trabalha e ganha seu dinheiro honestamente. Não há como desmentir esta realidade.

É duro, para um eleitor do PT, descobrir que o publicitário Marcos Valério saltava de gabinete em gabinete do governo, fazendo sabe-se lá o quê. 17 vezes com dirigentes do Banco Central! Para quê? “Tinha o dom da ubiquidade”, disse Ayres Britto. “Está ligado a todos os envolvidos nesta denúncia. Esteve no BC, com Henrique Pizzolato, com o presidente da Câmara dos Deputados várias vezes, com dirigentes do BMG, do Rural, da Portugal Telecom, da Telemig, com a mais alta cúpula do PT…”

É duro, para um eleitor do PT, descobrir que o partido “diferente” que, jovem, abraçou, caiu na geléia geral quando chegou ao poder. As alianças com raposas da política já eram difíceis de engolir. Mas que a realpolitik também incluía uns trocados “por fora” é intragável. Mensalão ou caixa 2, tanto faz. O voto do ministro Ayres Britto, que como presidente da Corte amarra o julgamento, é absolutamente translúcido ao definir o que se passou naquela Casa nos últimos dois meses: acabaram-se os tempos do dinheiro sujo na política, “da prata mediante o voto”, como completou Marco Aurélio Mello.

Há quem esteja chateado, com razão, porque o PT foi o único partido a ser punido. Eu prefiro acreditar que foi o primeiro de muitos –e será, se a sociedade cobrar, exigir do Supremo que não pare por aqui. O mensalão só irá destruir o PT se ele deixar. A partir de agora, julgados e condenados, os petistas poderão voltar a se sentir à vontade para resgatar seu velho e bom discurso da ética na política. Todos erram, mas só um partido até hoje respondeu na Justiça por seus erros. Não há razão alguma para se envergonhar, pelo contrário.

 


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(19) comentários Escrever comentário

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José Maria em 11/10/2012 - 21h28 comentou:

Mui esquerdista esse blog socialista morena……kkkkkkkkkkkkk

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Sebastião Corrêa em 11/10/2012 - 21h31 comentou:

Seu texto, Cynara, é dos melhores escritos até agora por penas simpáticas ao PT. Acho-o, porém, ingênuo ainda. Isso porque as práticas pelas quais Dirceu e Cia. agora pagam continuam a pleno vapor. O mais novo "locador" de apoio político, a legenda do funesto Kassabroso, cresceu nas eleições. O PT, como o PMDB, como o PSDB, como todos os partidos no poder, continuam vendendo e comprando apoio. Talvez não mais a dinheiro vivo, como no caso de MValério e da reeleição de FHC, mas em troca de dinheiro público. O que o STF faz neste momento é o que no Brasil sempre se fez: aos amigos tudo, aos inimigos a lei. O que fica do episódio é a lição: os ingênuos o bastante para acreditarem nas instituições republicanas estrepam-se. Da próxima vez, o procurador-geral será um engavetador e os ministros nomeados, cumpadres. Como no CNJ: passada a borrasca de Calmon, ouve-se hoje a mansuetude do Falcão de cabresto.

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Francisco em 12/10/2012 - 01h14 comentou:

Bom comentário este acima. Domínio do fato teve seus 15 minutos de fama e vai ser relegado ao ostracismo, assim como foram os assessores demitidos pela Dilma, acusados exaustivamente pela mídia. Este STF não evolui, é o mesmo que baniu o partido comunista dezenas de anos atras. Continua servindo a elite tupiniquim, igualmente atrasada. A novela deve terminar dias antes da eleição quando deveremos assistir pela Globo, Jose Dirceu e Genuíno serem encarcerados. Nas eleições prioritarias, ao passar para o segundo turno, uma montanha de dinheiro é doada para os partidos com chance. Parte caixa 1, grande parte caixa dois. O partidos jamais teriam como bancar uma eleição, se não utilizarem este dinheiro para pagar principalmente as midias. Todo mundo sabe disto e foi ingenuidade dos dirigentes do PT, achar que poderiam gerenciar isto da mesma forma que os outros vinham fazendo e o que é pior, utilizando do mesmo esquema. Por isto, acho que estes dirigentes tem que arcar com as consequencias, pois trairam a confiança de milhares de petistas. Não é uma questão de o STF estar ou não desempenhando aceitavelmente. Gostei do artigo, porem concordo, um pouco ingenuo.

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Regis em 12/10/2012 - 05h04 comentou:

Excelente texto. Realista. Chega de passar a mao na cabeça em atencao ao passado historico. Eh chegada a hora de mudar o Brasil.

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Paulo Silva Pinto em 12/10/2012 - 12h11 comentou:

De fato o mensalao so vai destruir o PT se ele merecer.

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Rafael Faustino em 12/10/2012 - 22h24 comentou:

Sua análise é coerente, Cynara, mas acho que nem os petistas mais fervorosos acreditam que não houve nenhum crime praticado no episódio do Mensalão. O problema é toda a fantasia criada em torno do caso, desde 2005: Roberto Jefferson denunciou, depois negou a denúncia, e por ultimo voltou atrás em alguns pontos. A forma como o julgamento se realizou, arrastado para coincidir com as eleições municipais. E, por fim, a escalada de conjecturas para condenar Dirceu e Genoíno. Este segundo, como disse Lewandowski, foi condenado por ser o presidente do partido à época. "Então, tinha que saber!". Como pode ser isso justo?

Claro que deve haver punição ao exemplar para os autores dos rimes identificados, mas a identificação de alguns crimes ocorreu de maneira tendenciosa. Também nao vejo ma fé dos ministros, a não de Ayres Britto e Gilmar Mendes, mas nunca de Barbosa. mas como fazer essa análise ignorando a influência da mídia sobre o episódio? A imprensa criou o clima de condenação, e muitos ministros sabiam que estariam desmoralizados se inocentassem algumas pessoas. Afinal, foram indicados por Lula, e, sendo assim, daí poderiam surgir outras denuncias, contra os próprios ministros.

Mais uma vez, sua análise é centrada, coerente, mas um tanto inocente. Houve muito mais envolvido do que um julgamento. Muita gente se beneficiou o circo criado. E, de seu otimismo quanto á condenação de outros partidos, eu não compartilho. Temos aí o próprio Barbosa dizendo que não há previsão de julgamento, e que setores do próprio STF dificultam o encaminhamento da ação. Gurgel já está engavetando as denúncias oriundas da Operação Monte Carlo. E por aí vai. Enfim, não creio que a estrutura da política brasileira tenha se alterado em nada com tudo isso. Só se criou um estigma de que certo partido inventou a corrupção.

Mas numa coisa concordamos: o mensalão só vai destruir o PT se o PT deixar. e acho que também concordamos que é difícil que isso aconteça. pela popularidade de Dilma, de Lula, e pela iminência da vitória de Haddad. A militância voltou a atuar ativamente nessa geleia de mensalão + eleições. Creio, inclusive, que um PT renovado terá saído de todo o episódio, ao final do ano.

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    DaniEL BH em 19/11/2013 - 20h15 comentou:

    Parabéns Rafael, sua emenda ficou melhor que o soneto.Brilhante análise, penso por ai, e para não me estender muito concordo com os fatos históricos, a elite da qual o STF e a grande mídia é um guardião, não aprovará julgar mais ninguem….quem viver verá!

Fábio Buonavita em 13/10/2012 - 21h56 comentou:

Sobre as críticas a nós, petistas, sobre os nossos sentimentos também compactuo. Só não compactuo com a ingenuidade da redatora de achar que daqui pra frente tudo vai ser diferente, mesmo a gente cobrando. Basta pegar, digamos, os últimos 20 julgamentos realizados pelo STF pra saber a quem serve o STF. Mas Barbosa vai sair de bonzinho, como já saiu anteriormente, onde foi voto vencido na sua sanha de 'moralizar' o Brasil. E pelo jeito está sendo uma encenação convincente. Poucos meses serão suficientes pra saber se eu estou errado, Quiça esteja, sinceramente!

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Gabriel (Trovão) em 16/10/2012 - 11h29 comentou:

Muito bom o texto. Acho que a chance de renovação "à força" que o PT tem agora vai acabar virando trunfo para o partido. Enquanto o PT é forçado a arranjar quadros novos para substituir os queimados das antigas, os outros partidos sofrem com a falta de nomes fortes ou a dificuldade em tirar da linha de frente os seus não-tão-queimados das antigas. Não acho, de fato, que pesem tanto contra o partido as decisões.

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Júlio Meira em 23/10/2012 - 14h52 comentou:

Cynara, seu texto, como quase todos os que leio em Carta Capital, é absolutamente certo. Como professor universitário de história e eleitor do PT desde 1989, tenho falado exatamente isso há semanas para meus alunos. Voto no PT, defendo as políticas históricas do partido, sua "missão" de combate à desigualdade, mas não posso defender a fórmula maquiavélica ou as práticas da realpolitk empregadas pelo grupo que chegou ao poder com Lula. Solidarizo-me ao Genuíno e demais, mas não considero, como ele, "legítimas" suas ações.

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Ricardo Russo Jr. em 19/11/2013 - 20h06 comentou:

Acho que foi a coisa mais lúcida e imparcial que li sobre esse tema após a prisão dos processados, até o presente momento.

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Cassio em 19/11/2013 - 20h17 comentou:

"…o PT foi o único partido a ser punido. Eu prefiro acreditar que foi o primeiro de muitos…"
Ora, ora, ora, que argumentação mais fingida!
Claro que não haverá outros – como nunca houve! – certeza disso é o cinismo do FHC: punição para "aqueles que foram alcançados" pela lei. Os outros são imunes!

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Maria Aparecida Jubé em 19/11/2013 - 20h49 comentou:

Só se o PT mudar porque os outros partidos continuam tendo o apoio da mídia e a conivência do STF, é só ver que cada vez que surge um escândalo envolvendo o PSDB e companhia o STF joga uma parte do mensalão na mídia para abafar o escândalo. Assim dá para acreditar que nunca mais vai haver corrupção na politica. Afinal o que a mídia não divulga não é crime.

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Rodolfo Matos em 19/11/2013 - 22h55 comentou:

O problema é que o "mensalão" não existiu. O STF não conseguiu provar sua existência, mas o pessoal foi condenado mesmo assim.

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Bruna Gavino em 20/11/2013 - 00h05 comentou:

O Brasil parece tentar pintar a história, o que acontece. Sabe-se que esse tipo de pagamento, denominado "mensalão" durante o governo de Lula, não é nenhuma novidade dentro do nosso país. É correto prender aqueles que estão claramente envolvidos, não quem "está no meio do bolo". São foco de uma enorme publicidade de democracia as prisões efetuadas. Mas e quem nos roubou antes? Como seria se a polícia resolvesse prender bandidos que agiram a partir de um determinado dia e ignorar todos os cometidos antes? Na minha opinião, é uma grande pintura da justiça brasileira.

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Ligia Deslandes em 20/11/2013 - 10h25 comentou:

Infelizmente, pelo texto, percebo que a autora não conhece nada sobre esse processo, assim como muitos que aqui escreveram suas opiniões. Uma pena! Todos acreditam piamente que houve mensalão, quando o que houve e foi admitido foi o crime de caixa 2 que todos os partidos o fazem. Quando pessoas de esquerda emitem comentários sobre um tema sem ter esmiuçado o mesmo fico pensando que as pessoas querem somente é emitir suas opiniões mesmo sem compromisso nenhum com a verdade. Não é muito diferente do que a direita faz para nos constranger. Roberto Jefferson ganha na opinião de muitos aqui a chancela da honestidade. Denunciou o "mensalão". Os homens que estão presos, Pizzolato que está na Itália com todo o dossiê macabro criado contra eles no STF, todos são culpados e o PT tem que se conformar com isso, virar a página e não ficar envergonhado. Realmente, tem muita gente ainda que não sabe nada do que aconteceu. É triste que muitos sejam de esquerda e prefiram acreditar no discurso da direita. Parabéns!

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Marcos em 20/11/2013 - 11h15 comentou:

Aposto com vc uma caixa de cerveja Sulamericana que nenhum, mas nenhum mesmo, outro partido no Brasil será devassado como foi o PT. Pelos próximos 200 anos. Topa?

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Christian em 20/11/2013 - 11h45 comentou:

Ótimo texto, porém, pessoal demais.

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FC Montibello em 20/11/2013 - 12h12 comentou:

Poucos momentos na minha vida pude ler algo de um petista, se for o caso, com tanta clareza, como o texto acima… Concordo… o PT deve deixar o indefensável, mesmo que se sinta injustiçado por ser o "único partido" a ser punido nesse mar de lama chamado Brasil. Eu já dizia, há muito tempo, o PT deve se distanciar daqueles que carregam o partido com intenções duvidosas… sejam eles quem forem… não importa o nome e a "fama"… uma laranja podre pode comprometer todas as boas.

O PT deve se orgulhar, talvez, de ser o único partido que passou à limpo sua história, deixando que os maus fossem condenados… o partido não pode jogar no lixo toda a sua história de luta por causa de uma duzia de errantes. Esses que estão pagando pelo resto dos políticos bandidos, usaram o PT e sua militância como ferramenta para conseguir benefícios pessoais… não pensaram no partido… não pensam no partido… não respeitam o partido… apenas o usa como massa de manobra com objetivos que não são do partido… são objetivos deles.

Quando o PT irá enxergar isso e tomar uma posição coerente… todos os ícones do partido, até a primeira eleição do Lula foram exterminados? Cadê aquele exército de políticos que representavam o partido até 2002? Cadê a Benedita, cadê a Marta? Cadê tantos outros nomes que se dissolveram nas falcatruas políticas… o PT pode ir para o mesmo buraco… se não soltar as amarras dos que veem destruindo a sua história.

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