Socialista Morena
Politik

Argentina e Chile: a esquerda sul-americana está subestimando a extrema direita?

Vantagem de José Antonio Kast na eleição chilena e eleição de Javier Milei para deputado acendem sinal de alerta aos progressistas

Javier Milei e José Antonio Kast, os "bolsonaros" argentino e chileno. Fotos: Alfredo Luna/Télam e divulgação
Martín Fernández Lorenzo
22 de novembro de 2021, 15h53

A vantagem no primeiro turno das eleições para a presidência do Chile de José Antonio Kast e a eleição na Argentina de Javier Milei para deputado federal acendem o sinal de alerta para a esquerda sul-americana e os progressistas em geral, que parecem ainda subestimar e minimizar os candidatos de extrema direita –assim como aconteceu com Donald Trump ou Jair Bolsonaro, que tratamos como se não tivessem reais chances de chegar ao poder. E chegaram.

O pinochetista Kast saiu na frente, ainda que por pouco, do principal adversário, o esquerdista Boric. E o cheiro de “uma escolha muito difícil” já se espalha por lá, ainda mais que a mídia comercial chilena consegue ser mais reacionária que a brasileira

No Chile, no último final de semana, Kast saiu na frente, ainda que por pouco, de seu principal adversário, o esquerdista Gabriel Boric: 27,91% contra 25,83%. E o cheiro de “uma escolha muito difícil” já se espalha por lá, com chances de a extrema direita pinochetista voltar ao comando do país, ainda mais que a mídia comercial chilena consegue ser mais reacionária que a brasileira. Católico e pai de 9 filhos, Kast, de 55 anos, ex-deputado federal, defende que o Chile saia da Comissão de Direitos Humanos da ONU e pretende, se eleito, transformar o atual Ministério da Mulher e da Igualdade de Gênero em Ministério da Família, exatamente como fez Bolsonaro.

Seu pai, Mikhael (Miguel) Kast, foi oficial do Exército alemão durante a Segunda Guerra mundial e fugiu para o Chile após a derrota de Adolf Hitler, mas o filho nega que ele fosse nazista. Um irmão de Kast, o economista Miguel Kast Rist, formado na Universidade de Chicago como Paulo Guedes, foi ministro do Planejamento e do Trabalho e presidente do Banco Central de Pinochet. Sobre o ditador, já disse o candidato: “se estivesse vivo votaria em mim”. Em outubro de 2018, o então desconhecido pré-candidato à presidência do Chile esteve por aqui e posou para fotos com o homólogo brasileiro.

Kast e Bolsonaro em 2018. Foto: reprodução

Na Argentina, 10 dias atrás, a direita venceu as eleições legislativas por 42,5%  a 33,9% dos votos, com uma ligeira reação do governismo após as primárias de setembro (41,5% a 31,8%). Na província de Buenos Aires (a mais importante), a diferença em relação à derrota anterior foi muito menor: o candidato da oposição, Diego Santilli, venceu Victoria Tolosa Paz por 39,81% a 38,53%. Uma vitória agridoce, considerando os resultados anteriores, que foram 37,33% a 33,25% em favor de Santilli.

Mas o dado a destacar é que, pela primeira vez desde a volta da democracia, em 1983, o partido governante não terá maioria no Senado, e por isso terá que negociar com diferentes setores para realizar qualquer projeto futuro. A Frente de Todos, do presidente Alberto Fernández, caiu de 41 cadeiras para 35 (37 seriam necessárias para garantir a maioria), e o macrista Juntos por el Cambio subiu de 25 para 31 assentos.

Na Argentina, pela primeira vez desde a volta da democracia, em 1983 o partido governante não terá maioria no Senado, e por isso terá que negociar com diferentes setores para realizar qualquer projeto futuro. A Frente de Todos, do presidente Alberto Fernández, caiu de 41 cadeiras para 35

Já na Câmara dos Deputados, o peronismo ficou com 118 cadeiras, contra 116 deputados do Juntos por el Cambio. A esquerda terá 4 cadeiras e os libertários, 5 cadeiras. Portanto, o partido no poder ainda detém a maior parte das cadeiras em ambas as câmaras, mas isso não lhe garante a maioria para aprovar projetos sem negociar com setores da oposição e independentes.

É preciso que se diga que, embora a oposição tenha saído vencedora na eleição legislativa argentina, a tímida reação da Frente de Todos fez com que parecesse uma derrota para a oposição; tanto é que a Frente de Todos festejou a derrota como se fosse uma vitória. Horas depois de saírem os resultados, o Dia da Militância foi celebrado na Plaza de Mayo, data em que se comemora o retorno de Juan Perón ao país após 18 anos de exílio. Com a praça lotada, o governo Fernández fez uma necessária demonstração de apoio popular a dois anos das eleições presidenciais.

Não é preciso fazer uma análise muito profunda para ver que, com uma força de 34 pontos percentuais em meio a uma pandemia, o peronismo tem boas chances de conseguir a reeleição. Com 80% da população vacinada com uma dose e mais de 60% com o esquema completo, o fim da crise parece iminente. Mas, embora existam indicadores de crescimento econômicos melhores que no último ano do governo Macri, a meta para o futuro será reduzir a inflação drástica (41,8% neste ano até outubro) e, fundamentalmente, diminuir os altíssimos índices de pobreza que assolam o país (40,8%).

A grande surpresa das eleições, porém, ocorreu na cidade de Buenos Aires, onde o candidato libertário (fascista), Javier Milei, obteve 17% dos votos, garantindo uma cadeira como deputado. Com um discurso violento também semelhante ao de Bolsonaro, Milei, um bufão de aparência espalhafatosa e cabelos bagunçados à moda de Trump, é um fiel representante da extrema direita argentina. No passado, foi assessor do genocida Domingo Bussi, condenado por delitos de lesa humanidade, e a candidata que o segue em sua lista, que também ingressou como deputada, Victoria Villarruel, é uma negacionista da ditadura e uma defensora de genocidas.

Com frases nazistas como “nós somos esteticamente superiores”, ou gritando “Esquerdistas de merda!“, emulando os milicos dos anos 1970, Milei conquistou o voto jovem de uma parte que o entende como a “nova cara” da política, sendo que em seus ideais, abertamente expostos, representa nada mais e nada menos que os militares da ditadura, apenas camuflado de terno e gravata.

Antivacina, negacionista das mudanças climáticas e antiaborto, o “bolsonaro argentino” é visto com bons olhos pela oposição dita “liberal”, que já não descarta uma aliança com Javier Milei para 2023, como já destacou a presidenta do Juntos por el Cambio, Patricia Bullrich. O episódio mais emblemático do que eles representam foi quando a deputada negacionista eleita, Victoria Villarruel, fez seu discurso e um dos seguranças a interrompeu no meio do palco ameaçando desembainhar a arma diante de alguma “confusão” em meio ao público.

“Liberdad Avanza” é o slogan usado por aqueles que representam um profundo revés para a democracia, e nada além disso – nunca vamos esquecer que “defender a liberdade” também foi o mote dos nazistas, desde o primeiro discurso de Hitler, em 1933. Mas estes resultados sem dúvida apontam que o fenômeno da extrema direita permanece com força em nosso continente. É preciso estar atento e forte.

 


Apoie o autor

Se você não tem uma conta no PayPal, não há necessidade de se inscrever para assinar, você pode usar apenas qualquer cartão de crédito ou débito

Ou você pode ser um patrocinador com uma única contribuição:

(1) comentário Escrever comentário

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião da Socialista Morena. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Bernardo Santos Melo em 23/11/2021 - 03h54 comentou:

O câncer alastra-se no Chile e Argentina , extrema direita Trumpeira e Bozal farão da América Latina um continente subserviente , entreguista e miserável .
Brasil precisa urgentemente que Lula e demais candidatos de oposição reflitam sobre O CAOS SÓCIO-ECONÔMICO em implantação acelerada por GENÔ & TCHUCA .
DEMOCRATAS UNI-VOS !

Responder

Deixe uma resposta

 


Mais publicações

Politik

Fernández & Fernández: a jogada de Cristina para driblar perseguição judicial


Ao sair a vice em vez da cabeça de chapa, líder argentina se torna automaticamente presidenta do Senado se for eleita

Direitos Humanos

Santiago Maldonado, o primeiro desaparecido político da era Macri


Argentinos vão às ruas para cobrar do presidente o desaparecimento de um jovem enquanto lutava pela causa mapuche. Oposição acusa o governo de comandar a operação que resultou no sumiço de Santiago