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Como a precarização do trabalho está revitalizando o sindicalismo… nos EUA

Após anos de declínio, vitórias dos trabalhadores contra a Amazon e a Starbucks indicam que uma fagulha se acende no movimento sindical norte-americano

Chris Smalls, o líder da sindicato de trabalhadores da Amazon. Foto: Eric Kelly/Gravel Institute
The Conversation
07 de abril de 2022, 12h01

Por John Logan, no The Conversation
Tradução Maurício Búrigo

O 1º de abril de 2022 talvez venha a ser considerado no futuro um dia crucial na história do sindicalismo norte-americano.

Num desfecho que pode reverberar em locais de trabalho dos EUA inteiro, o independente Amazon Labor Union (Sindicato de Trabalhadores da Amazon) –criado em 2020 por Chris Smalls, um trabalhador da Amazon demitido há dois anos por protestar contra o que ele via como medidas de segurança inadequadas à Covid-19– venceu os esforços anti-sindicais anteriormente bem-sucedidos da gigante de vendas online. O armazém onde Smalls trabalhava, em Staten Island, Nova York, se tornou o primeiro a ter uma força de trabalho sindicalizada.

No mesmo dia, o Starbucks Workers United (Trabalhadores do Starbucks Unidos) –uma organização filiada ao Service Employees International Union (Sindicato Internacional de Empregados de Serviço)– venceu outra eleição, completando 10 vitórias em 11 para o sindicato desde a primeira bem sucedida em Buffalo, em dezembro de 2021. Desta vez, foi a primeira torrefação da rede, na cidade de Nova York, que optou por se sindicalizar. A campanha de sindicalização espalhou-se agora a mais de 170 lojas da Starbucks por toda a nação. Muito mais eleições na Starbucks acontecerão nas próximas semanas.

Enquanto isso, uma nova eleição numa fábrica da Amazon em Bessemer, Alabama, ainda depende do resultado de algumas centenas de votos contestados. Mas, mesmo se a Amazon vencer, o Sindicato de Lojas de Varejo, Atacado e Departamento (Retail, Wholesale and Department Store Union) terá –no mínimo– chegado bem perto de forma nada desprezível, já que o voto pela sindicalização era considerado uma zebra.

Alguma coisa está inequivocamente acontecendo no movimento sindical dos EUA.

Na qualidade de pesquisador do movimento trabalhista que tem observado as articulações sindicais por duas décadas, o que acho quase tão formidável quanto as vitórias é a natureza pouco convencional das campanhas de organização. Tanto a campanha da Starbucks como a da Amazon-Staten Island foram conduzidas por jovens trabalhadores determinados.

Tão formidável quanto as vitórias é a natureza pouco convencional das campanhas de sindicalização, conduzidas por jovens trabalhadores “auto-organizados”. Isto sugere uma guinada em relação à maneira como o sindicalismo tem atuado tradicionalmente

Inspirados pela inclinação pró-sindical de movimentos políticos como as promessas presidenciais de Bernie Sanders, o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) e o Democratic Socialists of America (Socialistas Democráticos da América), esses indivíduos estão na dianteira dos esforços por reforma no ambiente de trabalho, em vez de sindicalistas profissionais. De fato, quem se aventurasse a encontrar muitas lideranças experientes nas recentes campanhas bem-sucedidas ficaria em maus lençóis.

Em vez disso, as campanhas envolveram um grau significativo de “auto-organização” –isto é, trabalhadores “discutindo sindicato” uns com os outros no armazém e nas cafeterias, e alcançando colegas em outras lojas na mesma cidade e do outro lado da nação. Isto sugere uma guinada em relação à maneira como o movimento trabalhista tem funcionado tradicionalmente, o qual tende a ser mais centralizado e conduzido por sindicalistas experientes.

Talvez mais importante que as vitórias na Starbucks e na Amazon em si seja seu potencial de criar uma sensação de otimismo e entusiasmo em torno da organização sindical, sobretudo entre jovens trabalhadores. As eleições acontecem após anos de declínio sindical nos EUA –tanto em termos de número de associados quanto de influência.

Antes da pandemia de COVID-19, essas recentes vitórias trabalhistas teriam provavelmente parecido inimagináveis. Poderosas, ricas corporações como a Amazon e a Starbucks pareciam então invencíveis, ao menos no contexto das normas do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas (National Labor Relations Board), que permanecem radicalmente contra trabalhadores pró-sindicatos. Sob as normas do NLRB, a Amazon e a Starbucks podem –e o fazem– forçar trabalhadores, sob ameaça de demissão, a comparecer a reuniões anti-sindicais, com frequência conduzidas por consultores externos muito bem pagos.

A Starbucks tem dito ser “firme em repudiar quaisquer queixas de atividade anti-sindical. Elas são categoricamente falsas”. Mas, em março de 2022, o NLRB alegou que a rede de cafés havia coagido trabalhadores, colocado simpatizantes sindicais sob vigilância e os retaliado. De forma semelhante, a Amazon –que no passado chegou a convocar através de anúncios analistas que monitorassem “ameaças de organização trabalhista”– passou a afirmar que respeita o direito dos trabalhadores de se associar ou não se associar a sindicatos.

A pandemia criou uma oportunidade para os sindicatos. Após trabalharem na linha de frente por mais de dois anos, muitos trabalhadores essenciais acreditam não terem sido recompensados adequadamente pelo serviço nem tratados com respeito pelos empregadores

A significância das recentes vitórias não diz respeito, antes de tudo, aos 8 mil novos membros de sindicato na Amazon ou ao fluxo gradual de novos membros de sindicato na Starbucks. Trata-se de instilar nos trabalhadores a crença de que, se trabalhadores pró-sindicais conseguem vencer na Amazon e na Starbucks, eles podem vencer em qualquer lugar.

Precedentes históricos mostram que a mobilização trabalhista pode ser contagiante. Em 1936 e 1937, trabalhadores na fábrica da General Motors em Flint fizeram a poderosa fabricante de automóveis dobrar os joelhos com uma greve geral que logo inspirou ação semelhante em outros lugares. Nas palavras de um doutor de Chicago, ao explicar uma paralisação subsequente das amas-de-leite na cidade, “é só uma daquelas coisas engraçadas. Elas querem fazer greve porque todos os outros estão fazendo.”

Greve das amas-de-leite em 1937. Foto: William Vandivert/LIFE

A pandemia criou uma oportunidade para os sindicatos. Após trabalharem na linha de frente por mais de dois anos, muitos trabalhadores essenciais, tais como os da Amazon e da Starbucks, acreditam não terem sido recompensados adequadamente pelo serviço nem tratados com respeito por seus empregadores. Isso parece ter ajudado a aumentar a popularidade do Amazon Labor Union e do Starbucks Workers United.

A natureza local dessas campanhas impede a Amazon e a Starbucks de empregar a máxima que está há décadas no âmago das campanhas anti-sindicais corporativas: que um sindicato é uma “terceira parte” externa que não compreende nem se importa com as preocupações dos empregados e está mais interessado em arrecadar contribuições.

Mas tais argumentos soam vazios quando as pessoas que estão fazendo a sindicalização são colegas com os quais trabalham lado a lado no dia a dia. Isso tem o efeito de anular o argumento central de campanhas anti-sindicais, a despeito dos muitos milhões de dólares que as companhias com frequência injetaram nelas.

“Não somos robôs”: mascote de campanha contra a Amazon

Essa “auto-organização” na Starbucks e na Amazon é coerente com o que foi previsto pelos autores do Decreto Wagner de 1935, o estatuto que estipula o fundamento dos procedimentos de representação sindical de hoje. O primeiro presidente do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas, J. Warren Madden, compreendeu que a auto-organização poderia ser fatalmente minada se deixassem as corporações se empenharem em táticas de pressão anti-sindicais:

“Sobre este princípio fundamental –de que um empregador não deve meter as mãos na auto-organização dos empregados– a estrutura inteira do decreto se assenta”, escreveu. “Qualquer transigência ou enfraquecimento desse princípio ataca a raiz da lei.”

Durante mais da metade do século passado, corporações anti-sindicais e seus consultores e firmas de advocacia –amparados por NLRBs controlados por republicanos e por juízes de direita– têm sabotado o processo de auto-organização do trabalhador ao permitir que as eleições sindicais fossem dominadas pelo empregador.

Mas, para que o declínio a longo prazo na associação sindical seja revertido, creio que trabalhadores pró-sindicais precisarão de proteções mais robustas. A reforma da lei trabalhista é essencial para que os quase 50% de trabalhadores norte-americanos não-sindicalizados, que dizem querer representação sindical, tenham qualquer chance de obtê-la.

A falta de interesse popular tem sido durante muito tempo um obstáculo à reforma da lei trabalhista. Uma reforma significativa da lei trabalhista é improvável de acontecer a menos que as pessoas estejam envolvidas com as questões, as compreendam e acreditem que tenham um papel no resultado. Mas o interesse da mídia nas campanhas na Starbucks e na Amazon sugere que o público norte-americano pode estar, afinal de contas, prestando atenção.

As maiores armas que as corporações anti-sindicais possuem para sufocar o ímpeto trabalhista são o medo de retaliação e a sensação de que a sindicalização seja inútil. Os recentes sucessos mostram que a sindicalização não parece mais ser tão assustadora ou tão inútil

Não se sabe aonde este último movimento –ou momento– trabalhista irá chegar. Pode evaporar ou poderia simplesmente animar uma onda de organização por todo o setor de serviço com baixos salários, estimulando um debate nacional acerca dos direitos dos trabalhadores durante o processo.

As maiores armas que as corporações anti-sindicais possuem para sufocar o ímpeto trabalhista são o medo de retaliação e a sensação de que a sindicalização seja inútil. Os recentes sucessos mostram que a sindicalização não parece mais ser tão assustadora ou tão inútil.

John Logan é Professor e Diretor do Departamento de Estudos de Trabalho e Emprego na San Francisco State University

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