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Jornalismo militante do agronegócio: Band, CNN e Valor são premiados pela bancada ruralista

Em noite de troca de afagos e elogios, a Frente Parlamentar da Agropecuária homenageou veículos de imprensa e jornalistas “parceiros”

Chapa branca: o vce-presidente da Band, Paulo Saad, é premiado pelo agronegócio. Foto: divulgação/FPA
Da Redação
08 de junho de 2022, 17h51

Para depreciar a imprensa alternativa de esquerda, a autoproclamada “imprensa profissional” gosta de nos chamar de “jornalismo militante”. Isso porque defendemos justiça social, somos contra a desigualdade, defendemos os sindicatos dos trabalhadores, os sem-terra, os sem-teto, denunciamos os agrotóxicos. Mas eles também não são “militantes” do mercado financeiro, da especulação imobiliária, do agronegócio?

Em uma cerimônia realizada em 31 de Maio em Brasília, a bancada ruralista no Congresso distribuiu prêmios a veículos e jornalistas que consideram “parceiros” do agro. O site De Olho Nos Ruralistas acompanhou o jantar de premiação e contou da “troca de afagos e elogios” entre o agronegócio e os que militam em favor dele na mídia comercial. Confira o texto abaixo.

***

Por Mariana Franco Ramos, no De Olho nos Ruralistas

Em uma noite de troca de afagos e elogios, a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), braço institucional da bancada ruralista, homenageou veículos de imprensa e jornalistas “parceiros”. A entrega dos prêmios aconteceu no Clube Náutico de Brasília, durante jantar em comemoração aos dez anos do Código Florestal.

O comentarista Iuri Pitta, da CNN, ganhou a premiação na categoria imprensa política; Rafael Fritsch Walendorff, do Valor Econômico, foi o “destaque FPA na mídia”; enquanto Paulo Saad, vice-presidente do Grupo Bandeirantes, subiu ao palco para receber, das mãos do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), o prêmio da categoria veículo.

“O agronegócio é o exemplo perfeito do que o Brasil poderia ser”, discursou Saad, acrescentando estar “cheio de orgulho” pelo reconhecimento. “Se a indústria e o comércio tivessem a eficiência e a pujança do agro, nosso país seria muito melhor”, opinou, sob aplausos. Como esperado, a premiação ganhou destaque no Jornal da Band.

O executivo lembrou que nenhum outro grupo de comunicação possui raízes tão profundas no setor. Dona dos canais AgroMais e Terraviva, ambos dedicados ao agronegócio e financiados por ele através de anúncios, a Bandeirantes leva o nome dos homens que escravizaram indígenas e combateram quilombos no século 17. E, até hoje, não esconde seu lado nos conflitos que colocam frente a frente latifundiários e povos do campo.

Premiado, o vice-presidente da Band, Paulo Saad disse que a defesa das pautas do agronegócio é um “compromisso” desde a origem da empresa, há 85 anos: “Mobilizamos nossas câmeras e microfones. Podem contar conosco sempre”

Segundo Saad, a defesa das pautas do agronegócio é mesmo um “compromisso” desde a origem da empresa, há 85 anos. Entre os assuntos de convergência, ele citou a propriedade privada, o acesso ao crédito e a “garantia de segurança”. Em setembro de 2021, por exemplo, o Intercept detalhou o terrorismo que a emissora fez por outra pauta de interesse da FPA: o Marco Temporal. A reportagem lembrou que a mídia encampou a tese dos ruralistas, ignorando o que dizem os indígenas.

“Mobilizamos nossas câmeras e microfones”, admitiu o empresário, antes de afirmar que o grupo ajudou a levantar bandeiras, como a da aprovação do Código Florestal, e de agradecer outros “parceiros”: a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Embrapa e Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Todos os veículos do Grupo Band estarão ao lado de vocês. Podem contar conosco sempre”.

O próprio presidente do grupo, João Carlos Saad, o Johnny Saad, é criador de gado na Fazenda Ponte Nova, em São Luís do Paraitinga (SP) —onde ele registra uma de suas empresas, a Omahaus Produções. A propriedade é vizinha de um dos imóveis rurais da Suzano Papel e Celulose. Ele se refere publicamente ao agronegócio como “nosso setor”.

Johnny é filho do fundador do conglomerado, João Jorge Saad, neto do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros e comanda a empresa desde a morte do pai, em 1999. Paulo Saad Jafet é primo e sócio do atual proprietário. A família Jafet é uma das fundadoras do Hospital Sírio-Libanês.

De Olho nos Ruralistas já contou, na série “FHC, o Fazendeiro”, que o Terraviva teve como sócios o pecuarista Jovelino Mineiro, eminência agrária do ex-presidente tucano, e os portugueses do grupo Espírito Santo –agora falido: “FHC, o Fazendeiro – Imprensa: Jovelino Mineiro foi um dos fundadores do canal Terra Viva, da Band“. A série de reportagens sobre o ex-presidente resultou no livro O Protegido: por que o País Ignora as Terras de FHC: por que o País Ignora as Terras de FHC”, de Alceu Luís Castilho, diretor de redação do observatório.

O próprio presidente da Band, Johnny Saad, é criador de gado na Fazenda Ponte Nova e se refere ao agro como “nosso setor”. A cerimônia de inauguração do canal do grupo dedicado ao agronegócio, o Agromais, contou com a presença de Bolsonaro

A engenheira agrônoma Mariângela Hungria, da Embrapa Soja, foi agraciada na categoria Acadêmica. Houve ainda algumas “auto-homenagens”. Ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) de Jair Bolsonaro, ex-presidente da FPA e pré-candidata ao Senado, Tereza Cristina (PP-MS) recebeu o título de “personalidade do ano”.

Até o atual presidente da frente, Sergio Souza (MDB-PR), foi lembrado, com a alcunha de “parlamentar destaque”. “E aí, comida tá boa?”, perguntou, antes de discursar. “Alguém produziu em algum lugar desse país”, brincou. “O agro não para até nas nossas festas”. Quem fez a entrega foi o ex-deputado Nilson Leitão, que chefia o Instituto Pensar Agro (IPA), motor logístico da bancada.

Há pouco mais de cinco anos, diretores dessas mesmas organizações expulsaram a equipe de reportagem do observatório da mansão onde a FPA se reúne na capital federal todas as terças-feiras. A equipe do De Olho nos Ruralistas estava apenas fazendo jornalismo: “Almoço da bancada ruralista tem ira de deputados e expulsão de repórteres”.

Ministro da Defesa entre 2015 e 2016, ex-presidente da Câmara e relator da primeira versão do Código Florestal, Aldo Rebelo (PDT-SP) não compareceu, mas foi representado pelo filho Pedro. Ele ressaltou o que chamou de grandiosidade da legislação ambiental: “Como meu pai me disse, hoje temos a lei mais respeitada do mundo, que deu paz e segurança jurídica aos agricultores”.

Bolsonaro, que em junho de 2020 participou da inauguração do AgroMais, onde ouviu elogios de Saad (“o nosso presidente da República é um dos únicos que foi rodar o Brasil inteiro e ouviu o produtor rural”), havia confirmado participação no evento, mas cancelou devido a um “problema de agenda”. Na verdade, como já se tornou rotina nessa pré-campanha eleitoral, ele optou por marcar presença em mais uma feira agropecuária, a “Bahia Farm Show”, em Luís Eduardo Magalhães (BA).

Coube ao ministro da Agricultura, Marcos Montes, representar o governo Bolsonaro no evento e, claro, elogiar os ruralistas. “A bancada é a responsável pelas principais vitórias do país”, disse. “Sem ela, não seria possível chegar ao Brasil que temos hoje”.

Conforme pesquisa recente da FGV Social, a insegurança alimentar passou a atingir 36% da população em 2021, resultado recorde desde 2006, quando a série histórica começou. Isso significa que mais de um terço dos brasileiros não têm dinheiro para comer.

Enquanto a fome cresce, o agronegócio bate recorde. Dados da Secretaria de Comércio de Relações Internacionais do Mapa mostram que as exportações do setor atingiram US$ 14,53 bilhões em março. O valor é 29,4% superior ao registrado no mesmo mês do ano passado.

 

Mais uma vez, legisladores ligados ao agronegócio buscam modificar o Código Florestal, em benefício próprio. De Olho nos Ruralistas mostrou, há duas semanas, que a FPA destacou dois expoentes da bancada para articular a aprovação de um combo de projetos que enfraquecem a legislação e anistiam desmatadores.

PL 2.374/2020, do campeão de desmatamento Irajá Abreu (PSD-TO), e o PL 1.282/2019, de Luis Carlos Heinze (PP/RS), o arrozeiro negacionista, estão na Comissão de Reforma Agrária e Agricultura (CRA). Ambos são considerados preocupantes por movimentos sociais e ambientais, que fazem pressão para que as matérias sejam analisadas por outras comissões, além da CRA, e debatidas em audiências públicas, sem atropelo.

 

 


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