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“Madame está gastando demais”: as coincidências entre Mauro César e Paulo César

Seria o "ajudante-de-ordens" de Bolsonaro um PC Farias fardado?

Faz-tudo: Paulo César Farias, de Collor, e Mauro César Cid, de Bolsonaro. Fotos: reprodução
Cynara Menezes
17 de maio de 2023, 13h09

Fisicamente, nunca houve duas pessoas tão diferentes. Um era careca, moreno, pançudo, de óculos e com um bigode espesso que lhe dava pintas de mafioso colombiano. O outro é baixinho, olhos claros, pega-rapaz caindo na testa, cara de quem foi criado a leite com pera em algum condomínio da Barra da Tijuca e um quê de carregador de bagagens uniformizado de hotel de luxo.

Mas, para quem viveu a eleição de 1989 e o subsequente impeachment de Fernando Collor, é impossível olhar para a história do ajudante-de-ordens de Bolsonaro, Mauro César Barbosa Cid, sem lembrar de Paulo César Farias, o PC, braço direito do ex-presidente alagoano que terminou assassinado ao lado da namorada em 1996 –até o segundo nome, “César”, a dupla tem em comum. Mauro César, Paulo César: a história se repete com um capricho do cão. Seria o “ajudante-de-ordens” a versão fardada de PC?

“A madame está gastando demais”, foi a célebre frase que PC Farias disparou sobre a então primeira-dama Rosane Collor, que se esmerava em cafonérrimos figurinos onde os terninhos ornavam com os sapatos e a bolsa, todos forrados com o mesmo tecido

É muito curioso recordar que a debacle de Collor, o “caçador de marajás”, autointitulado (como Bolsonaro) inimigo da corrupção, começou justamente quando se descobriu que era PC quem pagava as contas de Rosane. “A madame está gastando demais”, foi a célebre frase que PC Farias disparou sobre a então primeira-dama, que se esmerava em cafonérrimos figurinos onde os terninhos ornavam com os sapatos e a bolsa, todos forrados com o mesmo tecido.

20 anos após a eleição, Rosane Collor ainda jurava que não sabia quem pagava suas contas, como contou em uma entrevista em 2009. “Tomei um susto quando ele disse: ‘Madame está gastando muito’. Achava até que Fernando é quem depositava, que a secretária dele, Ana Acioli, era quem colocava na minha conta. De onde vinha (o dinheiro), não ia perguntar, nunca perguntei”, disse Rosane. Tão inocentes as primeiras-damas, não é mesmo?

Em uma das bombásticas entrevistas a Lula Costa Pinto na Veja que antecederam a queda, Pedro Collor revelou que PC Farias pagava todas as despesas pessoais de seu irmão Fernando desde a campanha. “Durante a campanha, a família não pagava as contas dele. As empresas também não pagavam nada. Deveria ter alguma fonte, e o mais natural é que essa fonte fosse o Paulo César”, disse Pedro. “Com o Collor presidente ele continuou falando isso. Dizia nas festas que pagava o cartão de crédito da primeira-dama Rosane Collor. Fazia isso para demonstrar intimidade com o poder e ter facilidade para extorquir, corromper, chantagear.”

Uma das entrevistas de Pedro Collor a Lula Costa Pinto. Foto: reprodução

Outro jornalista que cobriu o governo Collor e deu o furo da localização de PC Farias na Tailândia, Xico Sá recorda a frase “madame está gastando demais” como o começo do fim para a “República das Alagoas”. “Esta foi uma frase marcante do fim de feira do governo Collor. PC Farias se referia especificamente aos gastos da primeira-dama em boutiques chiques do Brasil e de Miami, mas logo seria revelado (por este repórter) que Rosane estava gastando com a reforma do apartamento dela em Maceió. Curiosidade: recebi essa informação de um pedreiro alagoano, em uma farra em um boteco da praia de Pajuçara”, conta Xico. “Ao contrário de Mauro Cid, que passava dinheiro vivo, PC bancava tudo com cheques de ‘fantasmas’, correntistas fictícios.”

Mauro César Cid também estava preocupado com os gastos da madame, mas seu estilo era outro: nos áudios obtidos até agora, transparece uma fidelidade canina ao chefe Jair. MC Cid temia que os pagamentos feitos para Michelle Bolsonaro fossem descobertos e interpretados como “rachadinha”, prática que os Bolsonaro dominam como ninguém. Isso porque, em vez de ter um cartão de crédito como toda mulher normal, Michelle usava há tempos o cartão de crédito de uma amiga, Rosimary Cardoso Cordeiro, a Rosi, lotada no gabinete de um senador bolsonarista, Roberto Rocha (PTB-MA). Atualmente ela descolou um cargo no gabinete da senadora e BFF de Michelle, Damares Alves.

Rosi com Bolsonaro e o general Heleno no avião presidencial

A explicação de Bolsonaro para o uso do cartão de crédito de Rosi por Michelle não poderia ter sido mais prosaica: ele afirmou que a mulher “não possuía limites de crédito disponíveis” para ter um cartão. O que ele quis dizer com isso? Michelle estava com o nome no Serasa? Agora, os advogados do casal estão dando a desculpa de que Michelle usava o cartão de Rosi porque Jair “é muito pão-duro”. Ah, bom!

Assim como PC Farias se ocupava de tudo em relação aos Collor, inclusive de pagar as contas da “madame”, MC Cid atuava como o faz-tudo de Bolsonaro, se ocupando das tarefas mais variadas, desde tentar desembaraçar joias em alfândega até carregar mala, organizar golpe, ajudar em debate e obter uma carteira de vacinação para o chefe, que não se vacinou. Em janeiro deste ano, o portal Metrópoles já apontava Mauro César Cid como a figura por trás de um esquema de Caixa 2 de Bolsonaro, assim como Paulo César Farias cuidava do Caixa 2 de Collor.

Assim como PC Farias se ocupava de tudo para Collor, inclusive pagar contas da “madame”, MC Cid era o faz-tudo de Bozo, realizando tarefas variadas, de tentar desembaraçar joias em alfândega até organizar golpe e obter carteira de vacinação para o chefe

Questionado pelos repórteres do Metrópoles sobre o porquê de MC Cid pagar suas contas e as da primeira-dama, Bolsonaro respondeu que isto “fazia parte de suas atribuições” como ajudante-de-ordens, e citou o decreto nº 10.374, de 2020, assinado por ele mesmo, que diz o seguinte: “Art. 8º: À Ajudância de Ordens compete: I – prestar os serviços de assistência direta e imediata ao Presidente da República nos assuntos de natureza pessoal, em regime de atendimento permanente e ininterrupto, em Brasília ou em viagem; II – receber as correspondências e os objetos entregues ao Presidente da República em cerimônias e viagens e encaminhá-los aos setores competentes; e III – realizar outras atividades determinadas pelo Chefe do Gabinete Pessoal do Presidente da República”.

O relatório da CPI que investigou o governo Collor em agosto de 1992 constatou que as despesas pessoais do presidente eram pagas por “fantasmas” que abasteciam suas contas. Ainda de acordo com o texto, essas contas fantasmas eram criação do esquema PC. A CPI também concluiu que Paulo César Farias falava em nome do presidente da República, que recebeu vantagens econômicas indevidas.

Já Bolsonaro disse que todos os gastos efetuados por Mauro César Cid eram feitos com recursos de sua conta pessoal, não com dinheiro público. Se isso é verdade ou não, é o que irá se descobrir agora: de acordo com informações preliminares da Polícia Federal, os recursos para os gastos da madame saíam de uma empresa com contratos com o governo, a Cedro do Líbano Comércio de Madeiras e Materiais para Construção, com sede em Goiânia e fornecedora da Codevasf.

Quem sabe, como na década de 1990, convoca-se uma CPI para esclarecer tudo?


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