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Feminismo

Mulheres interpelam deputados que querem obrigá-las a ter filho de estupro

"Deputado, o senhor já foi estuprado? Já engravidou?", gritavam as ativistas aos fundamentalistas que querem proibir o aborto até nas circunstâncias previstas em lei

Mulheres ocupam comissão. Foto: Lula Marques/AGPT
Katia Guimarães
21 de novembro de 2017, 21h43

A despeito da reação dos movimentos das mulheres contra a PEC 181/15 que proíbe o aborto em qualquer hipótese, os 18 deputados que aprovaram o texto inicial da emenda constitucional devem concluir a votação da matéria e abrir espaço para que ela seja incluída na pauta do plenário da Câmara. A proposta amplia de 120 dias para até 240 a licença-maternidade em caso de bebê prematuro, mas a bancada evangélica incluiu no texto o conceito de que a vida começa na fecundação do óvulo, não no nascimento, e por isso foi apelidada de PEC Cavalo de Troia.

 

“Deputado, o senhor já foi estuprado? É filho de estupro? Já engravidou?”, gritavam as manifestantes que estiveram presentes à sessão desta terça-feira, dia 21 de novembro. “Direito ao nosso corpo, legalizar o aborto”, protestavam, ao lado de uma minoria contra o aborto que chamava deputadas de “abortistas” e pedia a aprovação da PEC. Até amanhã, os deputados devem concluir a votação dos destaques apresentados pelos partidos de oposição que pretendem retirar esse trecho do texto da emenda, mas a tendência é que todos sejam rejeitados. Logo no início da reunião, o presidente da comissão, deputado Evandro Gussi (PV-SP), chegou a propor um suposto acordo às deputadas Érika Kokay e Jô Moraes (PCdoB-MG).

A aprovação da PEC poderá fazer com que as mulheres que abortarem sejam enquadradas por crime de homicídio, infanticídio e aborto

Sorrateiramente, ele defendia incluir no texto da proposta a previsão do aborto legal para os casos já previstos no Código Penal. Isso, no entanto, iria fechar as portas para uma possível descriminalização futura do aborto, já que o veto estaria previsto na Constituição. “Não houve intenção de abranger o Código Penal, mas a favor do consenso, não seria um problema tornar ainda mais explícito”, afirmou Gussi. Diante da negativa das deputadas, ele admitiu que o objetivo é impedir a descriminalização do aborto. “Essa comissão tem sido palco de manipulações das mais profundas e criminosas. Ao ver a reação da sociedade, se quis mais vez manipular. Se o relator acha que o Código Penal tem que ser preservado, tem que apresentar uma emenda”, disse Kokay ao acrescentar que a aprovação da PEC poderá fazer com que as mulheres que abortarem sejam enquadradas por crime de homicídio, infanticídio e aborto.

No início deste mês, a PEC foi aprovada a toque de caixa por 18 votos a 1 –foram 19 minutos e o presidente da comissão especial sequer esperou que as demais deputadas chegassem à comissão para votar. Foi o caso da deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), que, aos 83 anos, tem atuação combativa na Casa e não conseguiu chegar a tempo da votação. Ao pedir para registrar seu voto contrário na ata da reunião, Gussi negou a solicitação e afirmou: “A política não socorre os que cochilam. Faltou diligência”.

 

Deputadas contrárias à criminalização do aborto foram acusadas de defender a matança de fetos e ficou claro que os deputados das bancadas evangélica e católica querem impor, a partir de dogmas religiosos, o direito de legislar sobre o corpo e o direito das mulheres. “Os que são contra a votação dessa PEC querem a descriminalização do aborto, a matança generalizada, o massacre. Utilizam do argumento da defesa da mulher, mas o que de fato querem é a morte de inocentes”, disparou o deputado Diego Garcia, acompanhado de seus colegas Alan Rick (DEM-AC) e Flavinho (PSB-SP).

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) lamentou os ataques e acusações de assassinato. “Nenhuma mulher defende o aborto como método contraceptivo, nem fazem apologia a ele. A fé deve definir o comportamento individual diante do mesmo direito. A lei não obriga ninguém, apenas estabelece direitos e regula direitos”, afirmou. “Os fundamentalistas acham que podem dominar com suas ideias, suas igrejas e concepções de família o conjunto da sociedade. Acham que podem impor a sua verdade, embora como diz Cazuza: ‘A sua verdade não correspondem aos fatos’”, completou Érika Kokay.

Deputadas contrárias à criminalização do aborto foram acusadas de defender a matança de fetos; ficou claro que os fundamentalistas querem impor, a partir de dogmas religiosos, o direito de legislar sobre o corpo das mulheres

A PEC Cavalo de Troia tem sido alvo de diversas reações contrárias de movimentos em defesa dos direitos das mulheres e entidades ligadas à saúde pública. Nesta terça, ocorreram manifestações em São Paulo e em Brasília. E, na semana passada, em várias cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre com a hashtag #TodasContra18, em referência aos 18 deputados que aprovaram o texto. Em nota, as Nações Unidas consideraram a PEC um retrocesso que acarretará maior risco à saúde de mulheres e meninas.

Foto: Lula Marques/AGPT

O comunicado, assinado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), ONU Mulheres, Escritório da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde no Brasil (OPAS/OMS) e o Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), afirma ainda que a PEC retira das mulheres o seu direito reprodutivo, o que implica em grave violação de seus direitos mais fundamentais, ficando o Estado, com a decisão final e exclusiva sobre a vida e o bem-estar das mulheres e meninas, penalizando duplamente vítimas de violência sexual ou que estejam em situação de risco ou vulnerabilidade.

Criada em 30 de novembro do ano passado, a comissão especial da Câmara surgiu como resposta a uma decisão da Primeira Turma do STF que, um dia antes, não considerou crime a prática do aborto durante o primeiro trimestre de gestação ao analisar um caso no Rio de Janeiro. A PEC Cavalo de Troia também é uma reação à iniciativa do PSOL e do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, que protocolaram uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) no STF, em que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que “proibir aborto em caso de estupro não vai passar”. Resta saber se ele vai resistir à pressão

O substitutivo do relator, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), estabelece que o princípio da dignidade da pessoa humana e a garantia de inviolabilidade do direito à vida, ambos já previstos na Constituição, deverão ser respeitados desde a concepção –ou seja, do momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozoide –, e não apenas após o nascimento. Na prática, a emenda se sobreporia ao Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), que hoje prevê o aborto em caso de estupro, risco de morte para a mulher e em caso de bebês anencéfalos, autorizada pelo Supremo em 2012.

Depois de aprovada na comissão especial, a PEC precisa de 308 votos, em dois turnos, para seguir para o Senado. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi quem deu o pontapé para a instalação da comissão e agora afirmou que “proibir aborto em caso de estupro não vai passar”. Resta saber se ele vai resistir à pressão dos fundamentalistas que dominaram a Câmara dos Deputados.

Com informações da Agência Câmara

 

 


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