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Feminismo

O feminismo matou o playboy – e a Playboy

As grandes estrelas da TV não topam mais posar como vieram ao mundo; mulher empoderada não se deixa objetificar, oras

A feminista Gloria Steinem disfarçou-se de coelhinha para escrever um artigo em 1963: A Bunny's Tale, Um Conto de Coelhinhas. Infiltrou-se no clube Playboy em Nova York e denunciou a situação de servidão a que eram submetidas as moças ali
Cynara Menezes
27 de novembro de 2015, 11h37

A revista Playboy norte-americana não vai mais publicar fotos de mulheres nuas. E a revista Playboy brasileira vai acabar. O que está acontecendo no mundo das revistas masculinas? A ampla oferta de pornografia grátis na internet provou-se fatal à ideia de pagar para ver mulher pelada, ao mesmo tempo que as celebridades do momento passaram a cobrar cada vez mais para tirar a roupa. Mas será que é só uma questão de grana? Duvido.

Nos anos 1980 e começo dos 1990, praticamente todas as atrizes de destaque da Globo foram parar nas capas e páginas da Playboy. Christiane Torloni, Claudia Raia, Lídia Brondi, Maitê Proença, Vera Zimmerman, Lúcia Verissimo… Os ensaios eram de muito bom gosto e não havia por que não topar – a não ser por pudor. Um cachê alto, às vezes suficiente para comprar um apartamento, um cenário idílico no Brasil ou no exterior e um fotógrafo de renome para garantir que não se ultrapassaria o limite do bom gosto. Impossível não se orgulhar do resultado.

Naquela época, posar na Playboy era uma ousadia e motivo de vaidade para a retratada, que se via belíssima nas páginas da revista, como veio ao mundo. Desconfio até que seja uma ótima lembrança do passado para quem fez as fotos no auge da juventude e da beleza… Ninguém “encanava” com o fato de ser “objetificada”. Seu corpo estava ali em pelo porque um bando de marmanjos, ao olhar estas estrelas na TV, pensavam: “Hum, como eu queria ver essa mulher nua. Eu seria capaz até de PAGAR para isso”. E as mulheres, entre lisonjeadas e provocativas, cediam.

Era preciso ir além do “despir com o olhar”, era preciso literalmente arrancar a roupa delas para mostrar o que tinha por baixo. Posar para a Playboy era realizar o fetiche de milhares de homens de, não podendo pôr as mãos, colocar os olhos sobre os seios, a bunda e a xoxota daquelas mulheres incríveis que apareciam vestidas nas novelas e programas de televisão. Para povoar seus sonhos eróticos diante da musa inalcançável, mas sem deixar muito espaço à imaginação. As tiragens das edições mais disputadas chegaram à casa de 1 milhão de revistas vendidas por mês. Hoje vende cerca de 70 mil exemplares mensais. Se a questão fosse só a internet, a capa da Cléo Pires, uma das últimas globais a se despir para a revista, não tinha vendido mais de 464 mil exemplares em 2010…

Playboy estreou no Brasil em agosto de 1975 sob o nome de Homem, porque a ditadura não permitira a entrada da marca no país. Só em 1978 passou a se chamar Playboy. Nas primeiras capas, chamavam a atenção os nomes dos colaboradores, escritores e intelectuais de renome, todos do sexo masculino, ao lado da garota que estrelava o ensaio nu – inicialmente, sempre acompanhada do seu “dono”: havia um homem na capa com ela. A revista deixava claro que era feita para homens lerem. As mulheres, com pouca ou nenhuma roupa (e intelecto), eram só um aperitivo delicioso.

Nestes 40 anos, a revista passou da xoxota peluda à xoxota depilada, da xoxota sutil à xoxota escancarada, do peito pequeno ao siliconado, da bunda normal à gigantesca. Depois das atrizes dos anos 1980, veio a era das dançarinas do Tchan, seguidas pelas ajudantes de palco misteriosas, pelas mulheres-fruta e finalmente pelas subcelebridades do programa Big Brother. Excepcionalmente, uma ou outra global saía na capa, mas ficou cada vez mais raro. As grandes estrelas da TV não topam mais mostrar a xoxota na Playboy.

Por que elas se recusam? Porque mulher empoderada não se deixa objetificar, ora. Observe a atitude das capas mais desejadas da Playboy atualmente: Camila Pitanga. Não quer posar. Giovanna Antonelli. Não quer posar. Paolla Oliveira. Não quer posar. Luana Piovani: já disse mil vezes que não mostra a “perereca”. Muitas atrizes que fizeram no início da carreira, como Juliana Paes ou Grazi Massafera, afirmam que não fariam de novo.

E muito menos numa revista em franca decadência, apesar de continuar a trazer boas entrevistas. Daí a solução dos executivos norte-americanos de acabar com as mulheres nuas. Economiza-se a grana do cachê da estrela e da produção (muitas revistas onde elas aparecem com roupa não pagam cachê), eleva-se o status da revista, e ela continua a existir para ser lida por um tipo de homem que não é mais aquele que ela representava.

Até por isso eu acho que a revista Playboy, com ou sem mulheres nuas, não tem futuro: o “playboy” simplesmente caiu de moda. É cafona. Olhem para Hugh Hefner, o fundador da revista. Que homem em sã consciência iria tê-lo como paradigma? Imagina, o cara passou os últimos 50 anos usando roupão de seda e com um copo na mão!

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O playboy Hugh Hefner imortalizado em cera no museu de Madame Tussaud, em Las Vegas, com seus indefectíveis copo, roupão e pijamas de seda

Graças à influência do feminismo, o modelo de homem heterossexual que inspira outros homens é muito menos mulherengo, fútil e farrista do que no passado. O homem que os homens querem ser não é necessariamente casado, mas, quando tem uma mulher ao lado, ela não é só um perfil de cabelos loiros beijando o seu rosto. É um homem que respeita a mulher. Bom pai, companheiro. Não um playba.

Mas, se por um lado me agrada a ideia de as mulheres conscientes não quererem mais desnudar seus corpos em uma página de revista por dinheiro e para agradar aos homens, por outro, também vejo o fim da Playboy como um sinal do neopuritanismo dos tempos em que vivemos. Se opor à objetificação se torna também, de certa forma, uma nova forma de repressão. Da própria mulher ou de terceiros: há com certeza quem não pose na Playboy porque acha brega, vulgar e porque não quer se expor, mas também há quem não pose para não desagradar maridos, pais e filhos. Isto é repressão, não? Se a mulher é dona do próprio corpo, é dona inclusive para vendê-lo ou para se mostrar sem roupa onde quiser.

Qual o problema, afinal, em ficar nua (ou ficar nu) numa revista? Apenas pela estética, pela beleza plástica, por exemplo. Porque vamos combinar, né? Alguns ensaios eram lindos. Eu particularmente sou fã da foto da Vera Zimmermann boiando em página dupla (Klaus Mitteldorf, 1991) e da Adriane Galisteu (J.R.Duran, 1995) se depilando. São fotos bonitas, sexy. Que mal há nelas?

Ao que tudo indica, as mulheres dos anos 1980 eram melhor resolvidas com a nudez, em ser fotografadas sem roupa. Na lista das dez capas mais vendidas de todos os tempos, só Marisa Orth e Adriane escaparam de se tornar evangélicas. Barbara Paz e Leona Cavalli, atrizes que vieram do teatro, como Marisa, também posaram recentemente, sem dramas. Salve-nos da culpa, Senhor!

Clique aqui para ler A Bunny’s Tale, de Gloria Steinem, no original em inglês

 


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Thiago em 16/05/2018 - 21h18 comentou:

Muito bom.
Esqueceu do “…a revista passou do truque de câmera fotográfica ao photoshop que remove até o umbigo…”
Eu era um moleque nos anos 80 e me desculpe o desabafo, mas só quem viu a graça, naturalidade e espontaneidade das mulheres nas capas daquelas revistas sabe o quanto faz falta nos dias de hoje.

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