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O mago que filma

Em 2008, entrevistei um grande ídolo de minha geração para CartaCapital: Alejandro Jodorowsky, que roteirizou a série O Incal, clássico das histórias em quadrinhos desenhado por Moebius (Jean Giraud). Não me lembro mais se foi por telefone ou por e-mail, só sei que Jodo ficou bravo com as minhas provocações, como vocês poderão conferir na […]

Cynara Menezes
31 de outubro de 2012, 22h00

Em 2008, entrevistei um grande ídolo de minha geração para CartaCapital: Alejandro Jodorowsky, que roteirizou a série O Incal, clássico das histórias em quadrinhos desenhado por Moebius (Jean Giraud). Não me lembro mais se foi por telefone ou por e-mail, só sei que Jodo ficou bravo com as minhas provocações, como vocês poderão conferir na entrevista abaixo.

Nos últimos tempos, ele andava sempre no twitter, mas parece que cansou um pouco (@alejodorowsky). Gostaria de saber o que aconteceu com o projeto de levar O Incal para a tela grande. Só saiu até agora o trailer:

O mago que filma

Chileno radicado em Paris, Alejandro Jodorowsky é tão cult, mas tão cult que você provavelmente nunca ouviu falar dele. Ou não se lembra mais onde escutou este sobrenome tão sonoro, de origem russa. Aos 78 anos, Jodo, como dizem os íntimos, é um multimídia que sempre circulou pelas mais variadas expressões artísticas. Os fãs de quadrinhos, por exemplo, vão avivar a memória ao associá-lo ao francês Moebius, de quem foi roteirista na série Incal (publicada no Brasil pela Devir). Também foi parceiro de Arno e Milo Manara.

No teatro, criou, ao lado do dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, o Movimento Pânico, em 1962. Foi numa peça de Arrabal que Jodorowsky se inspiraria para seu segundo filme, Fando e Lis, de 1967, cuja violência causou protestos ferozes no México, quando foi lançado. Discípulo de Marcel Marceau na juventude, criaria para o mestre francês diversos espetáculos de mímica. No mês passado, publicou uma HQ,Pietrolino, em homenagem a Marceau, morto em setembro. Jodorowsky é ainda um homem místico, autor de mais de uma dezena de livros, entre títulos de ficção e outros dedicados à psicomagia, terapia que inventou.

Mais difícil de ser reconhecida é a faceta principal do bruxo, a de cineasta. Rompido com o produtor Allen Klein, nas últimas duas décadas era quase impossível, a não ser em versão pirata, assistir a seus filmes mais célebres, todos fortemente influenciados pelo surrealismo, como El Topo (1970) ou Santa Sangre (1989). Era. A partir de terça 20, estréia no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no Rio, e depois em São Paulo e Brasília, o Festival Jodorowsky. Jodo virá pessoalmente para o evento, fará palestras e lerá o tarô para os fãs. Um programa imperdível, mas se quer um conselho, jamais duvide da psicomagia. De Paris, Jodorowsky falou a CartaCapital.

CartaCapital – Seus filmes estiveram muito tempo impedidos de circular por causa de uma briga com o produtor. Incomoda-o que só agora seu trabalho como cineasta volte a ser reconhecido?

Alejandro Jodorowsky – Não me dediquei só ao cinema, os caminhos da arte são muitos. Quando se acredita no que se faz, o tempo não conta, nem a morte. Uma paciência infinita passa a habitá-lo. Não me doeu ser ignorado, não me alegra ser reconhecido.

CC – El Topo é considerado um precursor do cinema underground, de baixo orçamento. Diz-se que abriu caminho para nomes como o do cineasta David Lynch. O senhor concorda com essa avaliação ou lhe parece soberba?

AJ – Concordo. El Topo inaugurou uma forma de cine independente que se chama midnight movies. Isto está inscrito na história do cinema. Respeite-me, por favor.

 CC – É verdade que recomenda estar sob efeito de alguma droga para assistir El Topo?

AJ – Eu não me drogo nem recomendo drogar-se. O que aconteceu nos anos 60 é que todos os jovens americanos fumavam maconha. À meia-noite, quando exibiam meu filme no Teatro Elgin, a sala estava submersa em uma nuvem de fumaça de marijuana. Quando estreou A Montanha Sagrada (1973), não havia fumaça, mas não porque não estivessem drogados, e sim porque então consumiam cocaína e LSD.

CC – Quais foram suas maiores influências cinematográficas?

AJ – Sou um grande espectador de cinema. Vejo toda noite pelo menos um filme, e tem sido assim durante quase meio século. Admiro não só Federico Fellini, Luis Buñuel e Glauber Rocha, como também muitos outros, ocidentais e orientais. Mas nenhum deles me influenciou. Quis ser diferente de todos e fui.

CC – O senhor ainda usa o método Arica para preparar os atores, com ioga, zen-budismo, tarô, I Ching e drogas alucinógenas? Ou isso faz parte de sua lenda?

AJ – Faz parte da lenda. Houve uma época em que acreditei vencer o ego dos atores. À custa de grandes problemas, me dei conta de que o ego de um ator, além de cheirar mal, é indestrutível. Não há método, por mais sábio que seja, que possa arrancar os atores de seu umbigo.

CC – O senhor diz que seus filmes falam de um inconsciente a outro. Como é possível essa troca?

AJ – É algo que se realiza para lá do intelecto. Não se tratam de palavras, mas de sensações inefáveis. Como quer que eu explique isso?

CC – Li em um artigo publicado no Chile que alguns o consideram um mestre e outros um louco de dar nó… E o senhor, que pensa de si mesmo?

AJ – Para que Jodorowsky pensasse sobre Jodorowsky teria que dividir-se em dois: o que pensa e o que é pensado. Na verdade, sinto que sou um. Portanto, não sei quem sou.

CC – Como anda a produção de seu novo filme, King Shot (previsto para 2009)? Do que se trata?

AJ – Quatro produtores, um canadense, um espanhol, um francês e um sérvio me pagaram um dólar pela preferência, até setembro, de produzirKing Shot. É um spaghetti-gângster metafísico. O cinema vive de projetos que nunca se realizam, mas também existem os milagres.

CC – De que vive o senhor? Dos quadrinhos, livros, filmes ou das conferências que faz sobre psicomagia e criatividade?

AJ – Não seja indiscreta. Não meta o nariz nos meus bolsos.

CC – Que valor o senhor dá ao dinheiro?

AJ – Muito menos do que a senhora dá a ele.

CC – E a política, lhe interessa?

AJ – Nunca acreditei nas revoluções políticas. Sempre preferi as re-evoluções poéticas.

CC – A psicomagia é a sério ou é uma brincadeira? As consultas online em seu site são muito engraçadas…

AJ – Não banque a jornalista cínica. A senhora sabe muito bem que a psicomagia é uma técnica terapêutica que curou, grátis, uma grande quantidade de pessoas. Está me confundindo com um farsante? Escreveria livros, traduzidos a vários idiomas, só para brincar? Não fique chateada, mas devo dizer-lhe que a propósito das coisas mais sérias e honradas, as crianças e os ignorantes riem.

CC – O senhor ainda faz cirurgias psicoxamânicas?

AJ – Em muito poucas ocasiões. Agora quem as faz é meu filho Cristóbal, que acaba de publicar um livro, O Colar do Tigre, narrando essas experiências incríveis.

CC – Há um tópico no site dedicado a publicar as boas notícias que o senhor recolhe nos jornais. Mas faz um ano que não aparece nenhuma! Elas se acabaram?

AJ – As que não se acabam são as más notícias… Parei de dar as boas na internet porque me chamaram em Madri para apresentá-las no telejornal da noite (pelo canal Telemadrid). Fizeram tanto sucesso que vão publicá-las num livro.

CC – No documentário feito sobre o quadrinista Moebius (Moebius Redux), o senhor diz que Stan Lee, criador do Homem Aranha, é apenas um comerciante, e que os Estados Unidos não o interessam em nada. Nem a geração beatnik?

AJ – Os poetas beatniks foram interessantes por ser os primeiros a sair do armário e proclamar sua homossexualidade. Atualmente esta poesia está caduca pelo excesso de conteúdo político. Desgraçadamente, a hipócrita economia norte-americana se converteu no câncer do planeta.

CC – O que o senhor acha que aconteceu com os Estados Unidos dos anos 60 para cá? Pioraram muito, não?

AJ – É um país fundado por bandidos. Nunca mudou. Os ciclones, maremotos, tufões, dilúvios, furacões, incêndios, secas e as invasões de insetos e vírus estão se encarregando de castigá-los.

CC – O senhor está muito conservado aos 78 anos, parece bem mais jovem. Qual é o segredo?

AJ – Confesso que em fevereiro vou fazer 79… O segredo é não se aferrar a hábitos, a dependências ou a idéias. Ser um aluno constante, aprendendo sem cessar. E sobretudo desenvolver a atenção. É ali, onde centramos a atenção, que nascem o amor e a magia, ou seja, a energia vital.



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(2) comentários Escrever comentário

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Augusto em 02/11/2012 - 22h47 comentou:

Espera, esse Festival Jodorowsky que você cita no texto é o que rolou em 2007 (?) ou vai ter outro? Meus olhinhos brilharam *-*

Responder

Victor em 06/11/2012 - 20h10 comentou:

"Diz-se que abriu caminho para nomes como o do cineasta DAVID DUNE LYNCH."

Provocação é pouco, Cynara, pegou logo na pereba do cara, neste e em outros pontos. Se sobrar um tempinho e interesse em explicar teu método, se essas escolhas refletem a sua visão dele ou sei lá, procurou perguntas diferentes, arrancar respostas ácidas, enfim, sua entrevista me fez querer te entrevistar pra entender todo esse jeitinho "stalinista morena" com o Jodorowsky.

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