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O recado que veio de Washington deixou Bolsonaro com o rabo entre as pernas

Ao cumprimentar Lula, Biden fez questão de destacar que as eleições foram "livres, justas e confiáveis", fato inédito em congratulações de presidentes dos EUA

Bolsonaro em seu primeiro pronunciamento no Alvorada após a derrota. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Cynara Menezes
01 de novembro de 2022, 18h41

Em 33 anos de eleições presidenciais desde que Fernando Collor de Mello ganhou em 1989 –o primeiro eleito por votações diretas após a ditadura–, nunca nenhum presidente norte-americano opinou sobre a lisura do pleito no Brasil em seus cumprimentos, como fez Joe Biden neste domingo após a vitória de Lula. “Envio minhas congratulações a Luiz Inácio Lula da Silva em sua eleição para ser o próximo presidente do Brasil após eleições livres, justas e confiáveis“, disse Biden na nota oficial da Casa Branca que se seguiu ao encerramento da apuração.

Quando Collor foi eleito no segundo turno, em 17 de dezembro de 1989, os EUA estavam às voltas com os preparativos para a invasão do Panamá e com as agitações no Leste europeu que se seguiram à queda do muro de Berlim, em novembro daquele ano. Os primeiros cumprimentos ao eleito vieram da embaixadora Carla Hills, então Representante Especial de Comércio da Casa Branca, que se disse ansiosa pela posse do novo presidente brasileiro. “Estou esperançosa que o presidente eleito adotará as medidas orientadas para o mercado”, disse Hills.

Foi noticiado que Bush estava preparando uma mensagem de congratulações e que enviaria um telegrama, como era praxe na época, mas o país invadiu o Panamá no dia 20 de dezembro e a mensagem só viria dez dias após a votação. O presidente norte-americano felicitou o eleito e comentou que “as eleições presidenciais foram um passo importante na consolidação da democracia no Brasil”. Ainda assim, Collor condenou a invasão do Panamá pelos EUA, invocando o artigo 4 da Constituição brasileira, que prega a autodeterminação dos povos e a solução pacífica de conflitos. Outros tempos.

Jornal do Commercio (RJ) em 28/12/1989

Fernando Henrique Cardoso foi eleito em 1994 e reeleito em 1998 com o democrata Bill Clinton à frente da presidência dos EUA. Na primeira vez, FHC estava em viagem a Moscou, na Rússia (a URSS havia se desfeito em 1991), no dia 19 de outubro de 1994, quando recebeu um telefonema de congratulações do presidente norte-americano, com quem, aliás, tem excelentes relações até hoje. Foram três tentativas frustradas até Clinton falar com o presidente eleito –os jovens de hoje não fazem ideia do que eram as ligações internacionais naquela época…

Em 1998, Clinton estava mergulhado até o pescoço no escândalo Monica Lewinsky, a estagiária da Casa Branca que o acusou de assédio. Na semana em que aconteceu a votação brasileira, em outubro, a Câmara decidiu abrir processo de impeachment; dois meses após a reeleição de FHC, em dezembro, o impeachment de Clinton foi votado e acabou rejeitado. Mas, talvez por isso, as congratulações pela reeleição do brasileiro em primeiro turno foram protocolares.

George W. Bush estava no Air Force One na tarde do dia 29 de outubro de 2002 quando telefonou para Luiz Inácio Lula da Silva para cumprimentá-lo pela vitória. “O presidente disse para Da Silva que estamos aguardando ansiosamente para trabalhar com o Brasil; que consideramos nossas relações com o Brasil como sendo boas; que o Brasil tem sido um líder nos esforços no hemisfério em direção à democracia, à boa governança e ao comércio livre”, afirmou, em nota, o porta-voz dos EUA, Ari Fleischer.

Os presidentes Lula e Bush em 2003. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Bush e Lula, embora tão diferentes ideologicamente, se deram de forma bastante amistosa durante os oito anos em que o petista esteve no cargo. Na reeleição de Lula, em 2006, Bush voltou a telefonar para cumprimentá-lo e ainda pediu dicas de como o partido Republicano poderia sair vitorioso nas eleições parlamentares que se seguiriam. “Você teve uma vitória espetacular, precisa me dar um pouquinho do seu know-how porque estou precisando para ganhar agora”, disse Bush a Lula, segundo o chanceler Celso Amorim.

Já Dilma Rousseff recebeu os cumprimentos de Barack Obama, que já tinha se referido a Lula como “o cara” numa reunião do G20 em Londres em 2009. Obama, o primeiro negro a ocupar a Casa Branca, falou que a vitória da primeira mulher a ocupar o Planalto era “histórica” e elogiou o povo brasileiro “por sua fé e compromisso com a democracia”. Em nota oficial, o Departamento de Estado fala em “processo eleitoral exemplar”, mas não usa os termos utilizados agora por Biden.

O recado de Biden de que não aceitaria acusações às urnas eletrônicas ou alguma aventura golpista ficou claríssimo. Em seu primeiro comunicado, Bolsonaro não reconheceu explicitamente a vitória de Lula, mas não prosseguiu com a falácia contra as urnas nem rejeitou os resultados

“Parabenizamos a presidente eleita Dilma Rousseff por sua eleição. Também parabenizamos os milhões de brasileiros que exerceram seu direito de votar, tanto no primeiro turno, em 3 de outubro, como no pleito final, dia 31 de outubro. Esse processo eleitoral exemplar mais uma vez ilustrou o respeito brasileiro de longa data pelo governo democrático, pelos direitos civis e pelas liberdades individuais, valores que ambos partilhamos. Aguardamos a oportunidade de trabalhar com a presidente eleita Dilma Rousseff para aprofundar nossa parceria e fazer avançar objetivos comuns que beneficiarão nossos povos e as Américas”, dizia a nota oficial.

Quando Dilma se reelegeu, em 2014, as relações entre os dois países estavam abaladas pelas revelações de Edward Snowden a respeito da espionagem da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) sobre as comunicações pessoais da  mandatária brasileira. Dilma chegou a cancelar uma visita que faria a Washington em outubro daquele ano. Mesmo assim, Obama enviou mensagens de parabéns através do porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest e a Casa Branca emitiu nota oficial.

“O presidente Obama congratula a presidente do Brasil Dilma Rousseff e sua reeleições ontem. O Brasil é um importante parceiro para os Estados Unidos e nós estamos comprometidos em continuar a trabalhar com a presidente Rousseff para fortalecer nossa relação bilateral. O presidente irá telefonar para a presidente Rousseff nos próximos dias para congratulá-la pessoalmente e discutir como podemos aumentar nossa colaboração para promover a segurança global, prosperidade, e respeito pelos direitos humanos, e elevar a cooperação bilateral em educação, energia, comércio, e outros temas de interesse mútuo”.

De fato, no dia seguinte, Obama ligou para Dilma para cumprimentá-la, para convidá-la para um encontro bilateral na próxima conferência do G20 e afirmou que as eleições demonstraram “a solidez da democracia brasileira”.

Como se vê, os termos “eleições livres, justas e confiáveis” nunca foram usado antes por presidente norte-americano nenhum além de Joe Biden. Na segunda-feira, 31 de outubro, em telefonema ao presidente eleito Lula, Biden voltou a usar as expressões, segundo nota da Casa Branca.

“Durante a ligação, o presidente Biden elogiou a força das instituições democráticas brasileiras após eleições livres, justas e confiáveis. Os dois líderes discutiram o forte relacionamento entre os Estados Unidos e o Brasil e se comprometeram a continuar trabalhando como parceiros para enfrentar desafios comuns, incluindo o combate às mudanças climáticas, salvaguarda da segurança alimentar, promoção da inclusão e democracia e gestão da migração regional.”

A mensagem implícita do líder norte-americano a Bolsonaro de que os EUA não aceitariam acusações às urnas eletrônicas ou alguma aventura golpista ficou claríssima. Nesta terça-feira, 1º de novembro, após 45 horas em silêncio, o presidente brasileiro fez seu primeiro comunicado desde que perdeu as eleições no domingo. Não falou explicitamente reconhecendo a vitória de Lula, mas não prosseguiu com a falácia contra as urnas nem rejeitou os resultados.

O recado que veio de Washington deixou Bolsonaro com o rabo entre as pernas. Ao atestar a lisura das eleições, Biden baixou a bola do golpismo. Afinal, sem os EUA, quem apoiaria o bolsonarismo num golpe? A Hungria, único aliado internacional de Bolsonaro?


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(2) comentários Escrever comentário

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Wagner Santos Fanni em 01/11/2022 - 21h24 comentou:

Adorei sua matéria, muito completa, informativa e educativa do ponto de vista da história e político!

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Bernardo Melo em 10/11/2022 - 21h01 comentou:

Tá chegando a hora , Janja organizará a grande festa , Maderada ficará eufórico pois Jair já vai embora .
Dia 01-01-2023 a Cultura estará em alta e a Fome será tratada como prioridade , o povo certamente deixará as carcaças de frango como tira gosto para Genô diariamente lembrar do seu desgoverno .
Até alcançarmos Janeiro o VERME ainda estribuchará muito , a erisipele gradualmente comerá seu tecido epitelial e Lula avança rumo a apoteose .Ninguém larga a vigília até à posse , todos unidos torcendo com a camisa 13 verde e amarela aguardaremos o que está reservado para o sonegador Neymar .

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