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Feminismo

O ano em que acabou o “teste do sofá” em Hollywood. E no Brasil?

Que em 2018 as atrizes norte-americanas inspirem as brasileiras a dar nomes aos bois e a expor os assediadores. Por ora, o silêncio ainda é a regra

O produtor Harvey Weinstein em 2004. Foto: Steve Forrest/ Insight/Panos Pictures/divulgação
Cynara Menezes
28 de dezembro de 2017, 18h21

Homem poderoso se aproveita do cargo para tentar levar para a cama jovens atrizes em busca do sucesso, inclusive recorrendo à violência, à chantagem e ao assédio moral. Este seria só mais um roteiro clichê em Hollywood se desta vez a história não fosse real. A atriz Ashley Judd foi quem puxou o fio sob o tapete de Harvey Weinstein, ao revelar que o megaprodutor de cinema a tinha assediado sexualmente em um quarto de hotel no início da carreira, em 1997.

A história dos assédios de Weinstein a jovens e belas atrizes não era bem um segredo de bastidores, mas após a primeira atriz apontar o dedo em sua direção, a coisa não parou mais: outras 60 mulheres, entre elas estrelas como Angelina Jolie, Gwyneth Patrow e Heather Graham, resolveram botar a boca no mundo e contar que tinham passado por idêntico abuso. Algumas delas, como Asia Argento e Paz de la Huerta, utilizaram a palavra “estupro”, complicando criminalmente o produtor, cujo modus operandi era quase sempre convidar as moças, a maioria delas estreantes, para “reuniões” em quartos de hotel e então assediá-las usando seu corpanzil de 1m83 como fator intimidador.

Um sinal de que os tempos mudaram é que, após a série de denúncias, Weinstein está sendo definido como um “predador sexual”. Fosse algum tempo atrás, seria chamado de “garanhão”

O artigo que a atriz mexicana Salma Hayek escreveu no New York Times, Harvey também é meu monstro, é particularmente contundente porque mostra como o assédio sexual de Weinstein estava diretamente relacionado ao poder. Salma conta que, quando aceitou que o filme Frida fosse produzido por ele, começaram os episódios recorrentes de assédio e, em seguida às negativas dela, o ódio do macho, ao ponto de ameaçar matá-la. O produtor passou a pressioná-la utilizando justamente o filme que ela sempre sonhou fazer, e não sossegou enquanto não a fez incluir uma cena de lesbianismo (e com Ashley Judd, a atriz que foi o estopim das denúncias contra ele agora).

“A única coisa que ele percebia é que eu não estava sexy no filme. Ele me fez duvidar do meu talento como atriz, mas nunca conseguiu me convencer que não valia a pena fazer o filme. Ele me ofereceu uma opção, se quisesse continuar: permitiria que eu concluísse as filmagens se eu aceitasse fazer uma cena de sexo com outra mulher. E exigia nu frontal”, conta a atriz. O lance final da dor-de-cotovelo do produtor com o orgulho ferido foi lançar Frida em apenas uma sala de Nova York. Para azar de Weinstein, o filme foi um tremendo sucesso de bilheteria, com seis indicações ao Oscar, incluindo o de melhor atriz para Salma.

Um sinal de que os tempos mudaram é que, após a série de denúncias, Harvey Weinstein está sendo definido como um “predador sexual” e não encontrou a solidariedade de outros homens. Fosse algum tempo atrás, seria chamado de “garanhão” e alvo da inveja de seus colegas. Ou talvez o que não seja razão de inveja é o fato de ter sido descoberto. Mas algo mudou, sem dúvida: o empoderamento feminino está conseguindo pôr fim ao famigerado “teste do sofá”. A partir de agora, os magnatas do cinema e da TV pensarão duas vezes antes de usar sua posição para dar em cima de subordinadas e subordinados (sim, o caso do ator gay Kevin Spacey, demitido de House of Cards, mostrou que também há jovens homens como vítimas).

Harvey me ofereceu uma opção, se quisesse continuar: permitiria que eu concluísse as filmagens se eu aceitasse fazer uma cena de sexo com outra mulher. E exigia nu frontal

Bem, pelo menos em Hollywood. No Brasil, o “teste do sofá” continua a ser uma verdadeira instituição no meio artístico. O termo é tão normalizado por aqui que até virou nome de programa de youtube da direita. Incontáveis histórias sempre circularam envolvendo diretores poderosos e atrizes iniciantes. Na mídia, volta e meia surgem notinhas maldosas ou notícias sobre o tema, mas sempre de forma velada. Em 2006, um dos diretores do humorístico Zorra Total, Fábio Guimarães, foi demitido após aparecer um e-mail com mensagens eróticas e fotos pornográficas sugerindo que tentava convencer uma figurante a sair com ele em troca de um papel. Mas, mesmo nas reportagens da época, as referências a outros casos não citam nomes: “um diretor famoso”, “um figurão do meio”.

O escândalo envolvendo o ator José Mayer, acusado em abril de assédio por uma figurinista da Globo, deveria ter servido de estímulo para novas denúncias, não só na emissora dos Marinho como nas demais. Ou seria Mayer uma exceção? Difícil de acreditar. Quando Mayer foi acusado, muitas atrizes foram às redes sociais prestar solidariedade à vítima com a hashtag #ChegadeAssédio e usando camisetas com a inscrição “Mexeu com Uma, Mexeu com Todas”. Mas nenhum outro caso veio à tona.

Que em 2018 as atrizes norte-americanas inspirem as brasileiras a dar nomes aos bois (com perdão aos ruminantes) e a expor os assediadores. Por ora, o silêncio ainda é a regra.

 

 


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Viviane em 23/01/2018 - 16h04 comentou:

A atriz Tássia Camargo também já se pronunciou sobre o tema:
http://www.romulusbr.com/2017/11/a-cultura-de-assedio-sexual-da-globo.html

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