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A tragédia de Lula é a tragédia dos Lula da Silva

Perseguidos desde 1989, os descendentes de Lula vivem um calvário apenas por serem filhos de quem são

Lula e família. Foto; Ricardo Stuckert
Cynara Menezes
05 de março de 2019, 15h31

Imagine seu pai. Ele inventa se tornar sindicalista e presidente de sua entidade de classe. Ele inventa ser político. Ele inventa ser presidente do Brasil. Ele se torna o presidente mais popular da história. Ele é preso injustamente. Independentemente de como você aja ou faça, sua vida é um contínuo turbilhão, trazido por seu pai, seu querido pai. E tudo que ele fez de “errado” foi querer o melhor para o povo mais sofrido do país…

Me coloco na pele de um Lula da Silva. Vejo a foto famosa de Bob Wolfenson em 1978, com Lula e Marisa em frente à sua casa em São Bernardo do Campo, com três de suas cinco crianças (não aparecem na foto Lurian, que Lula teve com uma namorada, Mirian Cordeiro, e Fábio Luis, o caçula, nascido em 1985). Uma família como a minha, feliz, começando a vida juntos. Crianças inocentes brincando no chão.

Lula e Marisa por Bob Wolfenson em 1978

O pai já tinha sido preso, durante 31 dias, em 1980, pelo regime militar. Foi liberado pela ditadura para comparecer ao funeral da mãe, Lindu, e saiu do DOPS antes de as crianças se darem conta do que estava acontecendo. Após mais de 30 anos da volta da democracia, os filhos do ex-presidente não imaginavam vê-lo detrás das grades outra vez. O correto, o natural, seria que Lula estivesse desfrutando de uma aposentadoria tranquila, dando palestras mundo afora, e curtindo seus filhos e netos, pelo tanto que fez pelo Brasil.

A tragédia de Lula é a tragédia dos Lula da Silva. A perseguição ao ex-sindicalista que ousou se tornar presidente se estende a seus filhos e netos. Desde a aniquilação da família de Leon Trotsky por Josef Stalin não se via caçada igual. Não basta perseguir Lula, é preciso atingir seus descendentes, e com requintes de crueldade.

A primeira a ser alvo da virulência da direita contra Lula foi Lurian, em 1989, arrastada para o olho do furacão por um adversário sem escrúpulos de seu pai, Fernando Collor de Mello. O candidato que derrotaria Lula naquela eleição usou a ex-namorada do petista, Mirian, mãe de Lurian, para acusá-lo de ter defendido o aborto da menina que ela esperava. Aos 15 anos, com o semblante tranquilo, Lurian aparece ao lado do pai no último programa da campanha do PT na televisão.

Esta semana, após o enterro de Arthur, o netinho de 7 anos de Lula morto de meningite, Lurian desabafou: “Estar por aqui sem ouvir a voz do Arthur ou a voz do meu pai é uma dor imensurável! Acho que nossa família deveria adotar ‘resistência’ como sobrenome… Tá difícil demais, mesmo, tudo o que olhamos remete aos ausentes, não há palavras de conforto que nos dê paz…. Como ir ao supermercado sem o nosso anjo pra pedir KitKat… Como abrir a primeira cerveja do dia, sem o Seu Lula aqui, pra iniciar os trabalhos… A voz dos ausentes dilacera nossa memória, não tem como estar aqui sem pensar em todos…. É muita dor, é muito desespero, uma saudade dos tempos onde ficávamos todos juntos, e que nada trará de volta… Todos os planos da vida paralisados… Sem qualquer perspectiva de ser feliz…. Tá bem difícil, tá foda…”

Desde a aniquilação da família de Leon Trotsky por Josef Stalin não se via caçada igual. Não basta perseguir Lula, é preciso atingir seus descendentes, e com requintes de crueldade

Nas eleições de 1994 e 1998, quando Lula não tinha chances de ganhar, os Lula da Silva foram esquecidos. A partir de 2003, com Lula na presidência, a família volta a ser o centro do escrutínio cruel da mídia, 24 horas por dia, como num reality show perverso –coisa que não aconteceu durante os governos de Fernando Henrique Cardoso com seus filhos. A visita de adolescentes, amigos de Luís Cláudio, à piscina do Alvorada durante as férias, em 2004, se tornou razão de escândalo e de investigação judicial que não resultou em nada.

Em 2006, começa o tsunami de fake news envolvendo Fábio Luis, o Lulinha, impulsionado pela “notícia”, divulgada pela revista Veja, de que a Gamecorp, empresa do filho mais velho de Lula, teria sido beneficiada por um acordo com a Telemar e a rede Bandeirantes. Lulinha, porém, nunca se tornou réu, e, em 2016, a Polícia Federal vasculharia as contas do filho de Lula e não encontraria nenhuma movimentação suspeita, que não fosse compatível com sua renda.

Mas a fábrica de fake news contra os Lula da Silva já havia sido ativada, sempre com a providencial ajuda do mau jornalismo. Depois da história da Gamecorp, Lulinha foi acusado de possuir uma fazenda gigantesca que na verdade era a sede da Esalq, da USP; de ter sido visto no Uruguai a bordo de uma Ferrari de ouro; de possuir um avião a jato de 50 milhões de dólares; ou de ter recebido 317 milhões em propina. Tudo mentira. Mas o que é a verdade em tempos de pós-verdade?

Nem mesmo o falecimento de uma criança foi capaz de amolecer o coração de pedra dos algozes de Lula, que celebraram a perda, nas redes sociais, como “um castigo divino”

A Veja Brasília chegou a inventar um sobrinho de Lula que faria uma festa de aniversário nababesca, com distribuição de ipads aos convidados. Lula nem sequer tem sobrinho em Brasília com o nome que a revista publicou. Naquele ano, 2015, o próprio Lula foi alvo de diversos boatos (ou desejos?) dizendo que o câncer na laringe que o acometeu em 2011 tinha voltado ou que ele tinha morrido.

A carreira de Luis Claudio, o caçula, como treinador esportivo foi destruída, embora jamais algo de criminoso tenha sido provado em sua conduta. Em 2008, Luis Claudio, formado em educação física, era um auxiliar de preparação física promissor e integrava a equipe de Wanderley Luxemburgo no Palmeiras. Em 2015, foi engolfado pela Operação Zelotes, aquela que começou mirando grandes empresas de mídia acusadas de sonegação, como a Zero Hora, e terminou atingindo Lula e seus familiares.

Hoje, segundo o próprio Lula, seus filhos encontram enorme dificuldade para encontrar trabalho: o sobrenome se tornou um empecilho para os Lula da Silva, como se tivessem sido tocados por uma maldição. “Essa gente não sabe o mal que causou à minha família. Eu tenho todos os meus filhos desempregados. Todos. E ninguém consegue arrumar emprego”, disse Lula em entrevista à jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, um ano atrás, pouco antes de ser preso.

O que os Lula da Silva fizeram para merecer tanta dor? Até quando durará o calvário desta família? O correto, o natural, seria que Lula estivesse desfrutando de uma aposentadoria tranquila, curtindo seus filhos e netos

Marisa morreu entristecida com o que se tornara sua vida desde a condução coercitiva do marido, em 2016. A mulher de Lula passou a viver aos sobressaltos, com pressão alta, após seu apartamento ser invadido por policiais fortemente armados que reviraram tudo e levaram até os tablets dos netos. Um ano antes de morrer, Marisa havia sido grampeada ilegalmente pela Lava-Jato, que divulgou uma conversa privada sua com o filho Lulinha. Mesmo após enterrada, a mulher de Lula foi alvo de fake news dizendo que estava viva e tinha sido vista na Itália.

Agora, a tragédia dos Lula da Silva se acentua, com a morte do pequeno Arthur, dois anos depois da avó, Marisa, e um mês após o tio-avô, Vavá, a cujo velório Lula não foi autorizado a comparecer. Nem mesmo o falecimento de uma criança foi capaz de amolecer o coração de pedra dos algozes de Lula, que celebraram a perda, nas redes sociais, como “um castigo divino”. Dando o costumeiro mau exemplo, o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, ironizou o sofrimento do avô, dizendo que Lula estava “posando de coitado”.

A matriarca morta, o patriarca sozinho na cadeia aos 73 anos, envelhecendo longe de seus entes mais queridos, os filhos proscritos como párias e até mesmo as crianças da família sendo alvo de ódio… O que os Lula da Silva fizeram para merecer tanta dor? Até quando durará o calvário desta família?

 


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(3) comentários Escrever comentário

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Miranda em 05/03/2019 - 22h00 comentou:

É triste e surpreendente que a gente não tivesse a dimensão de tanto ódio. Esse ódio foi acirrado com um início de diminuição da desigualdade monstruosa que fomos acostumados a ver com naturalidade nesse país

Responder

Dan Schneider em 06/03/2019 - 14h43 comentou:

Eita tristeza, Cynara. Ta tudo de ponta cabeça, girando e girando. Mesmo tonto de tanta giração, sinto um centro de gravidade bem ancorado: um coração cheio de gratidão e respeito que abraça Lula e sua familia e que insiste em esperançar, como uma febre que nunca descansa, Lula Livre!

Responder

EUGÊNIO em 06/03/2019 - 20h38 comentou:

Faz tempo que engolia o choro,
desabei,
que horror.
Que horror!

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