Socialista Morena
Cultura

A tarde ensolarada em que fui chamada pela primeira vez de “veinha”

Foram necessários 55 anos para eu chegar até aqui, mas apenas poucos segundos para ser reduzida de "maneira" a "supimpa"

Ilustra: Grannies, de Banksy
Cynara Menezes
25 de julho de 2022, 17h25

Até os 40 anos fui chamada de “moça” e até de “menina” nos balcões da vida. Depois dos 50, foi se tornando rara a vez em que não sou tratada como “senhora” ou, pior, “tia”, que parece ser o termo favorito dos homens para se referir às mulheres mais velhas, não importa quantos anos ELES tenham. Quando são filhos de amigos, tudo bem. Mas homem desconhecido? E eu sou lá tia de marmanjo?

Pois estava eu numa tarde ensolarada de inverno em Brasília, tentando espairecer um pouco da política tomando sol no clube ao lado de uma amiga, quando um menininho de uns 4 anos de idade se desgarra do grupo da colônia de férias e vem sorrindo em minha direção. Aproxima-se e me cumprimenta com um “soquinho”.

Essa é a vida: em um momento você está na flor da juventude e no instante seguinte está usando óculos e reclamando do joelho. É como a versão geriátrica daquele filme tantas vezes reprisado na sessão da tarde: “De repente, veinha”

Popularizado nos anos 1970 pelo jogador de basquete afro-americano Fred Carter e pelos supergêmeos Zan e Jayna dos desenhos animados de Hanna-Barbera, o “soquinho” (“batida de punho” ou “fist bump”, em inglês) é um cumprimento considerado descolado até hoje. Só jovens descolados se cumprimentam com soquinho.

Era o que se passava na minha cabeça quando o menininho de cabelos castanhos e olhos faiscantes estendeu o punho direito cerrado ao encontro do meu. Pensei: “Puxa, mesmo com os cabelos grisalhos continuo descolada a ponto de uma criança largar os coleguinhas para vir aqui me cumprimentar”.

Eu estava me sentindo maneira. Super maneira. Maneiríssima. Maneirona. Até que o guri, fazendo muque, diz:

–Eu sou muito forte. Mas quando faço isso (soquinho) com uma veinha, eu faço devagar, para não machucar.

Gasp.

–Ahn? Quem é a “veinha”? Eu?

–Sim.

–Oxente, só porque eu tenho cabelo branco sou veinha?

Tecnicamente falando, ainda não me enquadro na categoria “veinha”. Tenho 55 anos, portanto estou cinco anos distante de poder passear grátis de ônibus e de ter um cartão para estacionar em vagas especialmente reservadas para mim. Fato que não impressionou em nada o pouca sombra parado ao lado da espreguiçadeira, que se dirigiu até minha amiga, e, pegando nos cabelos dela, disse:

–Olhe, cabelo escuro. Nova.

Voltou para meu lado e, alisando suavemente meus grisalhos, deu o veredicto:

–Cabelo branco. Veinha.

E saiu correndo em direção aos amiguinhos, sem se dar conta de que, em questão de poucos segundos, havia me reduzido de “maneira” a no máximo “supimpa”. Para culminar, uma menininha da mesma idade se aproximou de mim e disparou:

–Você é vovó dele?

–Nem avó eu sou, queridinha. Humpf.

Essa é a vida: em um momento você está na flor da juventude e no instante seguinte está usando óculos e reclamando do joelho. É como a versão geriátrica daquele filme tantas vezes reprisado na sessão da tarde: “De repente, veinha”.

Tento contemporizar que, para uma criança de 4 anos, qualquer pessoa acima de 40 é velha. E eu, no caso, tendo 51 anos a mais ou quase 14 vezes a idade dele, obviamente sou uma anciã. Se, por um lado, ter cabelo branco não é sinônimo de ser idoso, a realidade é que no olhar dos pequenos sou uma vovozinha. O jeito é aproveitar.

O jeito é aproveitar. Já que me tornei “veinha” antes da hora, quero ser “veinha” com tudo a que tenho direito. A partir de agora, serei rabugenta à vontade, só direi verdades, não tratarei bem nenhuma pessoa apenas por educação e não farei nada que não estiver a fim

Já que me tornei “veinha” antes da hora, quero ser “veinha” com tudo a que tenho direito. Sempre sonhei que, quando chegasse à velhice, iria usufruir de todas vantagens da “melhor idade” (não existe idoso que goste deste termo, certamente quem inventou foi um publicitário jovem).

A partir de agora, serei rabugenta à vontade, só direi verdades, não tratarei bem nenhuma pessoa apenas por educação e não farei nada que não estiver a fim. Lembro da avó de uma amiga que adorava soltar pum dentro do ônibus porque, garantia, ninguém nunca iria desconfiar dela:

–A velhinha é que não foi!

Me aguardem.

O sol se punha no lago Paranoá e estávamos de saída quando minha amiga encontrou no banheiro o diabinho de olho verde com o bumbum sendo limpado pela monitora da colônia de férias. Brincalhona, ela se virou para o pirralho e perguntou:

–Número um ou número dois?

–Nova. Você é nova. A outra é veinha.

 

 


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Maurício Bessa em 25/07/2022 - 18h19 comentou:

Não se “aveche” Companheira Cynara! Pra esse garotinho qualquer pessoa com mais de 30, é idosa!
Mas gostei muito da crônica! Isso mesmo! Use e abuse da “véinha” que um dia surgirá de vc! Nossos corpos envelhecem mesmo, uns mais rápidos que outros, mas a mente pode permanecer eternamente jovem, já dizia Nietzsche! E vc está longe de parecer uma ‘véinha”!! E curta essa eterna juventude que vc carrega!

(Eu, o Operário)

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Maurício Bessa em 25/07/2022 - 20h40 comentou:

Ahh….e vc está longe de ser véinha! Muito longe! É gatona!!☺

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Bernardo Santos Melo em 26/07/2022 - 12h43 comentou:

Existe consolo !
Recentemente um companheiro de 76 anos , em público afirmou – “estou no melhor momento de minha , casei e estou apaixonado ,imaginem estou com tesão de vinte anos”- ñ sei ao certo a idade da simpática e nova companheira mas certamente o garotinho de olhos verdes a chamaria de veinha .
O que realmente importa é a leveza sincera da gurizada e a altivez da bela e descolada socialista morena . 💃

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Adauto de Andrade em 26/07/2022 - 14h57 comentou:

Sugiro a leitura: minhas próprias definições sobre isso… 😀
http://www.legal.adv.br/20170618/quarta-idade/

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Maria auxiliadora Rodrigues da Silva em 26/07/2022 - 17h24 comentou:

A melhor escritora que ‘tá tendo ‘, ok, Cynara? A idade da gente está mesmo é no espírito e o seu espírito é jovem, leve e virtuoso. É uma mulher sensível e libérrima. ‘Viva la vida!

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Eric Souza dos Santos em 27/07/2022 - 10h41 comentou:

Crônica maravilhosa. O termo ”melhor idade” sempre achei coisa de hipócritas…kkk.

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veranise Ferreira em 30/07/2022 - 07h42 comentou:

Crônica maravilhosa! Lembrei do filho de uma colega de trabalho que disse que o pai está velho porque fez 50 anos. Cynara, você está linda!

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Leandro Leão em 31/07/2022 - 08h08 comentou:

Mas que essa “veinha” escreve um texto delicioso, lá isso é.
Lembrei da primeira vez em que minha filha – nos 32 anos – chegou revoltada pprque um “boyzinho” veio na direção dela, olhando pra ela. Pensou que o “rapazinho” estava intrressado. O cara:
– Boa noite, a senhora, que é mais velha, talvez possam me explicar…
Contou pra mim porque quis: é minha filha coroa agora.
🤣🤣🤣

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Ademar Amâncio em 18/12/2022 - 17h37 comentou:

Teu aspecto é o jovial,a cor do cabelo é que entrega nossa idade.Eu só percebo que envelheci quando sou chamado de senhor,quer dizer,quando eu olho em alguns espelhos também.Os espelhos da minha casa me rejuvenesce dez anos,rs.

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Andréa Glória em 15/04/2023 - 17h42 comentou:

Rindo muito! Adorei! Pequeno danado e “veinha” sem papas na língua! Hahaha!

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