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Assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira confirma “hondurização” do Brasil

Diziam que com o PT o país ia "virar Venezuela", mas com Bolsonaro virou Honduras: um dos lugares mais perigosos do mundo para jornalistas e ativistas

O jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira. Ilustra: Cris Vector
Cynara Menezes
15 de junho de 2022, 18h50

Diziam que o PT ia transformar o Brasil “numa Venezuela”, mas o que está acontecendo desde o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, é o nosso país caminhando velozmente para virar Honduras. O bárbaro assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, esquartejados e queimados, só confirma isso. O Brasil é considerado hoje o segundo país mais perigoso do mundo para jornalistas (só perde para o México) e o quarto mais perigoso para ativistas ambientais (já ultrapassou Honduras, aliás).

O filho do presidente, Eduardo, sempre chamou a Venezuela de “narco-Estado” e seu presidente, Maduro, de “narcoditador”. E o Brasil que seu pai “governa”, como pode ser chamado, após mais uma barbárie que nos envergonha diante do mundo? Honduras do Sul?

Desde que o país da América Central inaugurou, em 2009, a sequência de “golpes constitucionais” na América Latina (depois viriam Paraguai em 2012, Brasil em 2016 e Bolívia em 2019), nada melhorou por lá, pelo contrário. Honduras é hoje, 13 anos após o golpe que arrancou Manuel Zelaya do poder, um país dominado pela violência e pela impunidade. As estatísticas hondurenhas são alarmantes: país campeão em homicídios, campeão em assassinatos de ativistas ambientais, campeão em feminicídios, campeão em migração para os EUA… É inegável que o Brasil de Bolsonaro segue o mesmo caminho.

Honduras continua a ostentar o triste título de país mais letal da América Central e um dos mais violentos do mundo, com 38,9 mortes violentas a cada 100 mil habitantes em 2021, ano em que aconteceram 53 massacres, ou um massacre por semana. O Brasil, embora tenha menos homicídios proporcionalmente (18,5 mortes violentas a cada 100 mil habitantes), foi o campeão latino-americano no ano passado em número total de assassinatos, à frente do México, da Colômbia e… da Venezuela.

Os países mais letais: Brasil já é o nono. Fonte: Insight Crime

Os números da violência no Brasil, ao contrário do que diz o governo Bolsonaro, estão em curva ascendente. E, também ao contrário do que dizem os bolsonaristas, o aumento do número de armas não deixou a população mais segura, exatamente como aconteceu em Honduras. Desde o golpe de 2009, se multiplicou o número de armas de fogo no país e falharam até agora as tentativas de estabelecer algum controle: é possível a cada cidadão hondurenho possuir cinco armas e as exigências para adquiri-las são mínimas. Numa casa com cinco pessoas, portanto, é possível haver 25 armas de fogo.

Essa é uma das principais razões para Honduras ter se tornado um país perigoso para defensores do meio ambiente: os inimigos do ecossistema passaram a andar ainda mais armados. Na verdade, como num filme de faroeste, todo mundo em Honduras tem uma pistola. “A forte militarização do país levou a uma onipresença, não apenas da polícia armada, mas também das forças militares armadas. O pessoal de segurança armado privado também pode ser visto em frente a lojas, lojas de departamentos, grandes hotéis, bancos e às vezes também casas particulares, e é por isso que os sinais de ‘armas proibidas’ podem ser vistos em espaços públicos, piscinas e bares”, relatou a ONG suíça Peace Watch.

Aviso de “proibido armas” em restaurante de Tegucigalpa. Fonte: Peace Watch Suíça

O mesmo está acontecendo no Brasil de Bolsonaro: em agosto passado, a Polícia Federal autorizou que cada cidadão possa comprar até quatro armas de fogo. O resultado deste lobby descarado dos fabricantes de armas é que, em um ano, o país duplicou o número de armas registradas –e o número de mortes violentas também cresceu. Segundo o último levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 40 mil brasileiros foram mortos por armas de fogo em 2020, um aumento de 4% em relação ao ano anterior.

Desde que Bolsonaro empoderou os garimpeiros em terras indígenas e as plantações de soja nas florestas, as ameaças e atentados contra lideranças e defensores do meio ambiente explodiram. “70% dos mortos estavam trabalhando para defender as florestas do desmatamento. No Brasil e no Peru, a maior parte dos atentados aconteceu na região amazônica. Cerca de 30% estavam ligados à exploração de recursos naturais (madeira, mineração e agroindústria), usinas hidroelétricas e outras obras de infraestrutura”, diz um relatório da ONG Global Witness divulgado em setembro passado.

Em Honduras como no Brasil, a disputa pela propriedade da terra termina em conflitos sangrentos onde apenas uma parte é vitimada: indígenas, camponeses e os seus defensores. Não bastassem os assassinatos, há ainda a manipulação da da Justiça em favor de empresas e contra os ativistas hondurenhos. Em fevereiro deste ano, seis defensores do meio ambiente foram condenados em primeira instância por organizar um acampamento para tentar deter as obras de uma mineradora no Parque Nacional de Tocoa e que irá contaminar os rios Guapinol e San Pedro, fontes de água para uso humano e animal. Se confirmada a sentença, podem pegar penas de até 14 anos de prisão.

Os ativistas condenados em Honduras

“As autoridades hondurenhas precisam parar de usar o sistema de justiça para criminalizar, intimidar e assediar defensores dos direitos humanos”, declarou Erika Guevara-Rosas, diretora da Anistia Internacional para as Américas. “É extremamente grave que, apesar da falta de diligência nas investigações do Ministério Público, seis dos presos de consciência de Guapinol estejam enfrentando penas de prisão. Os defensores são vítimas de detenção arbitrária e processos criminais infundados, decorrentes apenas de seu trabalho legítimo de defesa do direito à água e a um meio ambiente saudável em Honduras.”

Outro ponto de encontro entre Honduras e Brasil são os feminicídios. O país da América Central possui a taxa mais alta de assassinatos de mulheres por questões de gênero da América Latina (4,7 por 100 mil habitantes em 2020), e 90% ficam impunes. Entre nós, desde que uma mulher foi arrancada da presidência sem cometer crime de responsabilidade, os feminicídios não param de crescer. Em 2021, o Brasil teve um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas; em Honduras, uma mulher foi assassinada a cada 23 horas.

O Brasil também está na cola de Honduras no que tange ao número de imigrantes ilegais tentando entrar nos EUA e sendo barrados pela polícia de fronteira. Durante os 11 primeiros meses de 2021, 46.280 brasileiros foram presos na fronteira com o México, de acordo com dados oficiais do governo norte-americano, contra 17.893 em todo o ano de 2019; o aumento foi de 1100% desde que Bolsonaro assumiu o poder. Os brasileiros são a sexta nacionalidade em número de imigrantes ilegais presos e o segundo fluxo que mais cresceu em 2021 depois do Equador.

Em janeiro deste ano, centenas de hondurenhos partiram da cidade de San Pedro Sula, uma das mais violentas do mundo, no norte de Honduras, em uma nova caravana de migrantes para tentar entrar nos EUA, como aconteceu em 2018. Mas, embora tenha ajudado a dar o golpe no país, o governo norte-americano não quer hondurenhos entrando nos EUA, assim como apoiou o golpe contra Dilma e tampouco quer brasileiros fugindo para lá: em outubro, a Casa Branca cobrou o governo Bolsonaro para que tente frear a onda de imigrantes ilegais.

O filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, sempre tratou a Venezuela pela alcunha de “narco-Estado” e chama o presidente do país, Nicolás Maduro, de “narcoditador”. E o Brasil que seu pai “governa”, como pode ser chamado, após mais uma barbárie que nos envergonha diante do mundo? Honduras do Sul?

Os hondurenhos, pelo menos, corrigiram a rota, elegendo em 2021 Xiomara Castro, esposa de Manuel Zelaya, para presidenta e impondo uma derrota ao Partido Nacional, que dominava o país desde o golpe. Os brasileiros terão a chance de mudar seu destino em outubro. Será nossa forma de fazer Justiça a Dom Phillips e Bruno Pereira.

 


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(2) comentários Escrever comentário

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Bernardo Santos Melo em 16/06/2022 - 11h17 comentou:

BRASIL perdeu o Brasil !
Máfia ou Morte , este foi o GRITO dos VENCEDORES !
NÃO acredito em retorno Democrático .
Quando um cachorro faminto abocanha um alimento surrupiado a deglutição é sempre muito rápida .
Corroeram Leis , Compraram as Forças Armadas e o Congresso , instalaram um regime normativo AUTORITÁRIO & EXTERMINADOR de seus opositores .
A Balbúrdia cresce exponencialmente , nem a Familícia mantém sua unidade rachadeira .
Curtos , desprovidos de conhecimentos científicos e sem valores éticos , está horda fantasiada de Verde Oliva marcha com vedação nos olhos e aceleradamente com destino ao CAOS INSTITUCIONAL .
O troféu será levantado pelo vencedor em outubro próximo , numa festa FAKE NEWS , onde estarão presentes : Marielle , Bruno , Genivaldo , Phillips , …e todos nós em LUTO NACIONAL 🦜🙏

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Andre em 18/07/2022 - 17h38 comentou:

O que aconteceu com Dom e Bruno não é fenômeno recente: parece que todos se esqueceram da morte brutal do jornalista Tim Lopes há exatos 20 anos.

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