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Bolsonaro leva suas fake news à Assembleia Geral da ONU

O que seria do presidente do Brasil se fosse obrigatório usar detector de mentiras para discursar nas Nações Unidas?

Foto: Alan Santos/PR
Cynara Menezes
24 de setembro de 2019, 16h12

Eleito graças às fake news que continua espalhando contra seus adversários internet afora, o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro fez questão de levar na bagagem suas principais colaboradoras para a Assembleia Geral da ONU, em Nova York. O discurso de Bolsonaro foi um amontoado de mentiras, transmitidas ao vivo para o mundo ver. Foi como uma coletânea de seus mais infames tweets. A única ausência sentida foi da “ideologia de gênero” –ele falou do tema, mas sem utilizar o termo.

A primeira mentira do presidente brasileiro na ONU foi a de que o Brasil estava “à beira do socialismo” quando ele assumiu o Planalto. Nosso país (infelizmente) jamais esteve à beira do socialismo. E a prova disso é que durante os governos do PT os bancos nunca lucraram tanto: oito vezes mais no governo Lula do que no governo FHC. Que socialismo é esse?

Bolsonaro disse que seu governo está trabalhando para “diminuir o desemprego e reconquistar a confiança do mundo”. Na verdade, o governo não tomou nenhuma iniciativa concreta para reduzir o desemprego, na casa dos 12,6 milhões. O que aumentou foi a precarização e o trabalho informal: o total de trabalhadores do setor privado sem carteira de trabalho assinada atingiu 11,7 milhões de pessoas, o maior contingente da série histórica iniciada em 2012.

O desfile de mentiras do presidente na ONU atingiu sobretudo os profissionais cubanos que vieram para o Brasil pelo programa Mais Médicos para ocupar vagas em locais onde os médicos brasileiros recusam a trabalhar até hoje

Quanto à confiança do mundo, Bolsonaro está atuando para conquistar o contrário: ao atacar a mulher do presidente da França e o pai de Michelle Bachelet, morto pela tortura no Chile, além de demonstrar seu desprezo às questões ambientais, ao mesmo tempo em que bajula abertamente o presidente dos Estados Unidos, o brasileiro só aumenta a desconfiança do mundo em relação a nós.

A paranoia de Bolsonaro contra o “socialismo” que enxerga em toda parte, como um personagem bizarro e anacrônico da época da guerra fria, não passa, no fundo, de um artifício para iludir os tolos e incutir-lhes medo, como quando fala que o Foro de São Paulo, reunião de 120 partidos políticos e movimentos sociais de esquerda, de 26 países latino-americanos, é “um grupo criminoso”. Desafiamos Bolsonaro a exibir um só “crime” cometido pelo Foro, alvo da histeria da extrema direita há muito tempo.

O desfile de mentiras do presidente na ONU atingiu sobretudo os profissionais cubanos que vieram para o Brasil pelo programa Mais Médicos para ocupar vagas em locais onde os médicos brasileiros se recusam a atuar até hoje. Bolsonaro insultou os cubanos dizendo que eles vieram “sem nenhuma comprovação profissional”, o que soa incoerente, já que o programa que ele lançou em substituição pretende absorver os médicos que permaneceram no país. Também mentiu ao dizer que os médicos cubanos eram proibidos de trazer familiares.

As duas maiores mentiras do presidente diante da Assembleia Geral da ONU foram, sem dúvida: que seu governo tem “tolerância zero” com o crime ambiental; e que é um “patriota” que preza a “soberania”

“O Ministério das Relações Exteriores poderá conceder o visto temporário (…) aos dependentes legais do médico intercambista estrangeiro, incluindo companheiro ou companheira, pelo prazo de validade do visto do titular”, diz a lei que regularizou o Mais Médicos, que previa inclusive a possibilidade aos familiares dos cubanos e de outras nacionalidades trabalhar regularmente. “Os dependentes legais do médico intercambista estrangeiro poderão exercer atividades remuneradas, com emissão de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) pelo Ministério do Trabalho e Emprego.”

A Agência Lupa listou outras mentiras de Bolsonaro: não é verdade que apenas 8% de nosso território para a produção de alimentos, quando o número é 28,2%; não é verdade que a Amazônia “permanece intocada” –”em apenas 34 anos, a Amazônia perdeu 47,4 milhões de hectares de floresta, área maior que a Suécia, o terceiro maior país da União Europeia”, diz a agência de checagem. Já a agência Aos Fatos contesta que a economia brasileira esteja reagindo, como afirmou o presidente. “Desde que Bolsonaro assumiu o governo, a economia brasileira dá poucos sinais de reação”, diz, comprovando com números a falácia diante da ONU: o PIB , por exemplo, recuou.

Bolsonaro se comportou na ONU como se comporta em casa: como um político provinciano que manipula e falseia fatos com o intuito de vencer a disputa da narrativa na marra. Mentiu na cara dura, para o mundo inteiro ver

Bolsonaro mentiu ainda em sua versão sobre a “facada” em setembro de 2018. Segundo o presidente, Adélio Bispo, comprovadamente uma pessoa com problemas mentais, era um “militante de esquerda”. Adélio de fato foi filiado ao PSOL em Minas Gerais, mas deixou o partido em 2014, quatro anos antes do “atentado”. Ele pediu a desfiliação por conta própria.

Outra mentira de Bolsonaro foi dizer que a devastação que acontece na Amazônia não passa de uma invenção, atribuída por ele aos “ataques sensacionalistas” da mídia internacional. O que está ocorrendo de fato na Amazônia desde que a extrema direita assumiu o poder foi demonstrado por imagens de satélite pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), por agências independentes de monitoramento da região e até pela NASA, a agência espacial norte-americana. Nessas horas Jair não se curva aos EUA…

Bolsonaro mentiu ao dizer que se preocupa com a “intolerância religiosa”, já que nunca fez nada para impedi-la ou puni-la. Na véspera do seu discurso na ONU, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal (MPF), cobrou o governo por sua omissão em relação às ameaças, depredações e incêndios de templos religiosos de matriz africana.

Mas as duas maiores mentiras do presidente Bolsonaro diante da Assembleia Geral da ONU foram, sem dúvida: que seu governo tem “tolerância zero” com o crime ambiental; e que é um “patriota” que preza a “soberania”. Ora, como é que um governo que desmontou ou sucateou absolutamente todos os organismos de fiscalização ambiental pode afirmar ter “tolerância zero” com as queimadas e o desmatamento? O número de multas aplicadas pelo Ibama caiu 29,4% segundo a BBC, enquanto as queimadas disparavam. Imaginem se a tolerância não fosse zero…

Sobre “soberania”, é risível que um presidente que se comporta como um sabujo do presidente dos EUA, Donald Trump, e que quer vender nossas empresas públicas a preço de banana para estrangeiros tenha coragem de falar em “soberania”.

Trump chegou a agradecer ao Brasil por autorizar a importação de etanol de seu país sem tarifa, como se Bolsonaro estivesse ajudando-o a fazer a “America great again”. Como é que um país que preza sua soberania aceita a pressão de Trump para deportar mais facilmente seus cidadãos? Como um país soberano aceita que militares norte-americanos se instalem aqui, como se estivessem em seu quintal, prejudicando nossas próprias pesquisas científicas?

Bolsonaro se comportou na ONU como se comporta em casa: como um político provinciano, digno  de república de bananas, que manipula e falseia fatos com o intuito de vencer a disputa da narrativa na marra. Mentiu na cara dura, para o mundo inteiro ver. O que seria do presidente do Brasil se fosse obrigatório usar detector de mentiras para discursar nas Nações Unidas?

O lado irônico foi que, no meio da mentirada toda, ele soltou a seguinte passagem bíblica: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.


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Evaldo em 25/09/2019 - 17h59 comentou:

Todo político mente alguma coisa. Todos os brasileiros sabem disso. A diferença, pois, é que algumas mentiras incomodam mais que outras. Algumas mentiras afetam a mim, e não a você. Assim, revolto com aquelas que me afetam, enquanto você protesta com aquelas que te afetam. Simples assim. Sem surpresas. Sem sobressaltos. Devemos ficar chocados com políticos que não contam mentiras, porque estes são de uma espécie (nova!) que não conhecemos e não sabemos que bem poderá nos causar! Poderá ser o anúncio do fim dos tempos, ao estilo da pregação final do discurso presidencial!

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