Bukowski previu em um poema o isolamento que a internet traria ao ser humano
Morto em 1994, o escritor norte-americano viu apenas o comecinho da era da informação, mas enxergou longe seu lado obscuro
Junto com o entusiasmo que a internet provocou ao revolucionar as comunicações contemporâneas, outras perspectivas mais críticas (ou no mínimo céticas) apontaram um peculiar efeito dessa febre que tomava o mundo. Ao mesmo tempo que parecia muito sedutor enviar uma mensagem de um ponto a outro do planeta em questão de segundos, saber imediatamente o que acontecia em lugares antes considerados remotos, enviar e receber informações de todo gênero e espécie (imagens, áudio, vídeos etc.), por outro lado, de forma a princípio imperceptível, surgia um paradoxo: com tantos meios de comunicação ao alcance, o ser humano se mostrava cada vez mais isolado.
A sociologia e a filosofia se debruçaram sobre essa condição contraditória do ser humano contemporâneo, que pode falar com pessoas do mundo inteiro, mas é incapaz de trocar algumas palavras com pessoas com quem cruza no dia a dia
Nos últimos anos, esse efeito não se revelou uma quimera catastrofista de alguns agourentos, preocupados com o avanço tecnológico. Pelo contrário. As consequências do uso das redes sociais sobre o estado de espírito do homem já foram fartamente documentadas; outras áreas do conhecimento, como a sociologia e a filosofia, também se debruçaram sobre essa condição contraditória do ser humano contemporâneo, que pode falar com pessoas do mundo inteiro, mas é incapaz de trocar algumas palavras com pessoas com quem cruza no dia a dia; ou que tem acesso a mil fontes de informação, mas parece optar por permanecer na “doce” ignorância.
Entre essas pessoas que souberam duvidar das maravilhas da tecnologia moderna estava o escritor Charles Bukowski, talvez um dos personagens mais controvertidos da literatura estadunidense, mas, como bom poeta, também clarividente, sensível às necessidades autênticas do ser humano e às formas quase sempre equivocadas com que historicamente tentamos satisfazê-las.
Bukowski morreu em 1994, portanto testemunhou apenas o comecinho da era da informação que nos anos seguintes alcançaria seu ápice. Ainda assim teve tempo de escrever o poema this flag not fondly waving, cujo trecho transcrevemos a seguir, primeiro no original e depois em tradução livre. O livro póstumo em que ele foi publicado, The Continual Condition, de 2009, reuniu alguns de seus poemas inéditos e ainda não foi traduzido no Brasil.
***
now it’s computers and more computers
and soon everybody will have one,
3-year-olds will have computers
and everybody will know everything
about everybody else
long before they meet them.
nobody will want to meet anybody
else ever again
and everybody will be
a recluse
like I am now.
***
hoje tudo são computadores e mais computadores
e logo todo mundo terá um,
as crianças de três anos terão computadores
e todo mundo saberá de tudo
sobre todo mundo
muito antes de se conhecerem.
ninguém vai querer encontrar ninguém
nunca mais novamente
e todo mundo será
um recluso
como eu sou agora.
Adaptado do site Pijama Surf
Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião da Socialista Morena. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.
MARCOS SILVEIRA CAMARGO em 03/08/2018 - 12h02 comentou:
“COMO POETA E ESCRITOR ANTENADO QUE ERA, O VELHO BUK SABIA DAS COISAS. MESMO NO INÍCIO DA ERA DIGITAL ELE SENTIU COMO SERIA TODA A COISA. E, FELIZ OU INFELIZMENTE, NUNCA MAIS HAVERÁ VOLTA. O FUTURO PROMETE SER, NO MÍNIMO, SURPREENDENTE.” – M.S.C.
Rita Andrade em 03/08/2018 - 14h24 comentou:
Sensatez e lucidez em sua poesia, e vivemos hoje em 2018, com isso é as contradições que nos levam do isolamento às visitas aos verdadeiros e antigos amigos. Com absoluta certeza que precisamos nos deslocar da frente da telinha para resgatar o verdadeiro valor de um aperto de mão , olhos nos olhos, é uma boa prosa
Tales em 04/08/2018 - 17h44 comentou:
Velho Buk sempre sensivel
Rubens Santos em 04/08/2018 - 18h14 comentou:
O velho Buck visionário,percebeu k que estava por vir.
A sociedade ao longo dos anos deu mostras desse presente sombrio.
O grande projeto desse feroz capitalismo está a pleno vapor!
Luiz em 05/08/2018 - 20h44 comentou:
Bukowsky e arte de escancarar a realidade
Mauro em 06/08/2018 - 13h10 comentou:
Bukowski é f***.
JOHN em 09/08/2018 - 14h23 comentou:
Escutando vc na Rádio Guaiba. Programa ficou maravilhoso. Que bom que vc existe!
Este teu sotaque lembra o RJ maravilhoso que morreu há poucas décadas. Do Machado e seus antecessores, sucessores, da grande literatura, da música, do teatro… Da imprensa maravilhosa que tivemos na tua cidade…
Continue! Virei aqui todos os dias.
Cynara Menezes em 09/08/2018 - 14h57 comentou:
mas eu sou baiana, viu?
Saul Neto em 22/09/2018 - 21h18 comentou:
Muito bom. Só uma correção: o título do poema tá errado. O poema se chama This flag not fondly waving. Abraço
Cynara Menezes em 24/09/2018 - 15h33 comentou:
corrigido, obrigada!
Jonatan Coopper em 26/09/2021 - 15h44 comentou:
Sin dudas.
BUKO, fue un gran visionario.
.
NO SOLO , POR ESTOS ESCRITOS.
Sino por todo los demás.