Socialista Morena
Politik

“Dr. Jairinho”, médico e monstro, e a tragédia do Brasil, ex-país da alegria

Como mergulhamos na decadência moral que nos levou, em menos de 10 anos, de "país mais otimista do mundo" a "Fukushima biológica"

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Cynara Menezes
09 de abril de 2021, 19h38

Em 2012, 4 anos antes do golpe contra Dilma Rousseff e 6 antes da eleição de Jair Bolsonaro, uma pesquisa feita em 160 países mostrava o Brasil como “o mais otimista do mundo” e o 18º mais feliz. Em 2021, 5 anos após o golpe contra Dilma e 2 após a eleição de Bolsonaro, acrescida de uma pandemia mortal, nosso país despencou para o 41º lugar no ranking da felicidade entre 95 países pesquisados; caiu 12 pontos em relação a 2019, quando ocupava a 29ª posição na mesma pesquisa. O que aconteceu com o tal “país da alegria”?

Corruptos que se escondem sob a fachada de baluartes contra a corrupção; cristãos que preferem amar o dinheiro e odiar o próximo; cidadãos de bem capazes de matar e torturar, inclusive crianças. Serve para Jairinho e para muita gente no poder hoje

A primeira questão que se coloca é se realmente um dia fomos este país alegre da fama internacional. O Belchior discordava, dizia que éramos o produto de “três raças tristes”. Moro num lugar comum/ junto daqui, chamado Brasil/ feito de três raças tristes/ folhas verdes de tabaco e o guaraná guarani, ele cantava, em Retórica Sentimental. Mas é fato que, desde 2003, quando Lula chegou à presidência, nosso país vinha com otimismo em ascensão. A famosa capa da The Economist de 2009, com o Cristo Redentor decolando como um foguete, é um indicativo disso.

Capa da Economist em 2009, na era Lula

Pela primeira vez na História éramos, mais que o país exótico do samba e do futebol, uma nação conquistando o respeito do mundo, um novo “player” global. A maré começa a mudar em 2013, quando tem início uma conspiração para arrancar o PT do poder, não importa a que custo para a democracia e as instituições. Em junho daquele ano, um movimento legítimo contra o aumento nas passagens de ônibus seria desvirtuado e sequestrado pela mídia comercial e pela extrema direita para desestabilizar o governo Dilma. Os trolls não saíram mais das ruas e das redes até derrubarem a presidenta, reeleita em 2014.

O golpe contra Dilma é peça fundamental para explicar o atoleiro em que entramos –para usar um termo da mesma Economist em 2015, quando se inicia o falso impeachment. O resultado dessa trama político-jurídico-midiática seria a eleição de um extremista de direita, Bolsonaro, em 2018. A pandemia de coronavírus veio como o fator imponderável de toda a nossa debacle, agravada milhares de vezes pelas ações e inações de um presidente inepto, irresponsável, autoritário e francamente repulsivo.

Capa do tabloide The Sun com Nicolelis

Viramos, nas palavras do cientista Miguel Nicolelis que ecoaram esta semana na mídia internacional, a Fukushima biológica do planeta: contagiosos, letais, à imagem e semelhança do nosso presidente. Não somos mais bem-vindos em nenhuma parte: todas as fronteiras se fecharam para o Brasil, literalmente. Ninguém quer se contaminar pelos brasileiros. Cepas malignas do coronavírus se multiplicam diante da incapacidade do governo em proteger a própria população, seja pelo lockdown ou pela vacina. Viramos párias, como se orgulhava de dizer o ex-chanceler de Bolsonaro.

Não bastasse a enorme tristeza pelas mais de 345 mil vidas perdidas para a Covid-19, há um mês os brasileiros acompanham a história do menino Henry, de apenas 4 anos, morto, apontam as investigações da polícia, após ser espancado pelo padrasto vereador, Dr. Jairinho, médico e monstro que coroou nossa tragédia sanitária com pinceladas de mundo-cão. Jairinho surgiu do mesmo habitat onde se criou o bolsonarismo, no caldeirão neopentecostal do Rio de Janeiro, terra do Cristo Redentor e de falsos profetas, vendilhões do templo que usam o nome do filho de Deus para perpetrar barbaridades. O pai de Jairinho, o coronel Jairo, fez campanha para o filho de Bolsonaro, Flávio.

Quanto tempo levaremos para voltar a acreditar que nosso país tem jeito? No momento, tudo que sinto é luto, dor, pena, desesperança. Como foi mesmo que disse Eduardo Cunha após engendrar a trama que derrubou Dilma? “Deus tenha misericórdia dessa Nação”

A infância roubada a uma criança por um político com traços de psicopatia dilacera nossos corações porque, além de cruel, é emblemática da decadência moral em que o Brasil mergulhou nos últimos anos, e o Rio em particular. Políticos corruptos que se escondem sob a fachada de baluartes contra a corrupção; cristãos que se orgulham em exibir sua face mais perversa e intolerante e que preferem amar o dinheiro e odiar o próximo; cidadãos de bem que ocultam uma personalidade sádica, capaz de matar e torturar, inclusive crianças. Serve para Jairinho e para muita gente no poder hoje.

Quanto tempo ainda estaremos afundados nessa desgraça? Quanto tempo levaremos para levantar a cabeça e voltar a acreditar que nosso país tem jeito? Quanto tempo para voltarmos a ter otimismo sobre o futuro? Não sei responder. No momento, tudo que sinto é luto, dor, pena, desesperança. Como foi mesmo que disse Eduardo Cunha após engendrar a trama que derrubou Dilma? “Deus tenha misericórdia dessa Nação.”

 


Apoie o site

Se você não tem uma conta no PayPal, não há necessidade de se inscrever para assinar, você pode usar apenas qualquer cartão de crédito ou débito

Ou você pode ser um patrocinador com uma única contribuição:

Para quem prefere fazer depósito em conta:

Cynara Moreira Menezes
Caixa Econômica Federal
Agência: 3310
Conta: 000591852026-7
PIX: [email protected]
(5) comentários Escrever comentário

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião da Socialista Morena. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

isa em 10/04/2021 - 11h52 comentou:

Acho que podemos traçar um paralelo do caso Aracelli e Ana Lidia.
Os autores da barbárie ficaram impunes.
Podemos imaginar como vai se estender o assassinato do menino Henry.
Tudo interligado.
Abraço apertado, morena.

Responder

Bernardo Santos Melo em 10/04/2021 - 12h54 comentou:

Com GENÔ despresidente não sobram perspectivas ALEGRES , o MONSTRO é rodeado pelo ÓDIO , sua aura é um BURACO NEGRO sorvendo um país que já foi progresso , inclusão e sabedoria … RESTA-NOS sacudir às RUAS e clamássemos FORA GENOCIDA !

Responder

PAULO ROBERTO MARTINS em 14/04/2021 - 09h31 comentou:

Esta classe média tem de purgar muito ainda seus pecados.Bater no peito e dizer,como prega a liturgia católica,bem alto: “minha culpa,minha máxima culpa”.Canalhas até a medula dos ossos,sempre buscou manter o sistema de castas e suas benesses adquiridas na lambeção de botas e sapatos italianos. Classe maldita,não tem solução! Este país está condenado desde o berço,infelizmente!

Responder

Marcia Noemia Pereira Guimarães em 15/04/2021 - 15h25 comentou:

Eu me espanto a cada dia o porquê desta criança não ser ouvida por aqueles que diziam proteger. Muitos protetores acham que dar celular, quarto bonitinho, uma enxurrada de brinquedos etc basta. No caso do Henry, a não escuta, a não observância do outro, tão frágil, nos mostra que a omissão é um ato não condizente com a conduta de preservação da espécie animal.

Responder

Luis Carlos Kerber em 23/04/2021 - 19h59 comentou:

Os meios de comunicação tem muita influência no desenvolvimentos desses homens de bem como o doutor Jairinho e mulheres de bem como a esposa do doutor Jairinho. Outra fonte indutora e criadora de homens de bem e mulheres de bem são as seitas neopentecostais que se espalham pelo Brasil. É necessário criar a figura jurídica do Uso do Poder Religioso, ideia proposta pelo inacreditável e traiçoeiro Fachin, como tem a figura jurídica do Uso do Poder Econômico que pode ser usado para coibir o Capital de eleger muitas pessoas para os Legislativos e Executivos. Com a figura jurídica do Uso do Poder Religioso (tão pernicioso quando o Uso do Poder Econômico) tem que ocorrer a cassação dos atuais detentores de mandatos legislativos que falam, agem e votam em nome das seitas neopentecostais ou impedir que homens de bem e mulheres de bem como o casal que matou o menino Henry sejam eleitos nas próximas eleições. Se isto continuar como está sem que haja medidas legais para impedir o Uso do Poder Religioso, o país virará um cemitério para a Democracia e um Jardim esplêndido para as ideias neofascistas embaladas pela Teocracia neopentecostal brasileira.

Responder

Deixe uma resposta

 


Mais publicações

Cultura

Para refletir nos 21 anos do massacre do Carandiru: O Prisioneiro da Grade de…


Hoje, 2 de outubro, o massacre do Carandiru completa 21 anos. Neste dia, em 1992, 111 presos foram barbaramente assassinados pelos policiais que invadiram a Casa Detenção de São Paulo a pretexto de conter uma…

Direitos Humanos

Mais armas, mais violência


Número de ataques em massa por cidadãos armados nos Estados Unidos foi crescendo junto com o aumento da posse das amas de fogo no país