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E agora, Catalunha? Alegria e incerteza após 89% dizerem “sim” à independência

Há expectativa de que em 72 horas o presidente da Generalitat declare a independência da comunidade autônoma, mas o governo central está sendo instado a intervir

A cédula de votação no referendo
Gi Lanzetta
02 de outubro de 2017, 22h07

O governo catalão anunciou na madrugada do dia 2 de outubro que o “sim” havia ganhado o referendo com quase 90% dos votos referentes aos 2.262.424 catalães que puderam votar no último domingo, 1º de outubro. O governo também informou que 770 mil cidadãos não puderam exercer seu direito ao voto porque 400 colégios eleitorais foram fechados e as urnas apreendidas pela polícia espanhola.

Apesar de a participação ter sido de menos da metade do censo apto a votar (42% dos 5.313.000 cadastrados), o governo qualifica os números do resultado final como “incríveis”, tendo em conta a “atuação selvagem da polícia” que ocasionou em 893 pessoas feridas, das quais 73 prestaram denúncia. Até as 10 horas desta segunda-feira, quatro pessoas ainda estavam internadas sendo duas em estado grave, porém estáveis, segundo o Departamento de Saúde.

Uma greve geral foi convocada pelos sindicatos para esta terça-feira, 3 de outubro

Há expectativa de que em 72 horas o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, declare a independência da Catalunha. Enquanto isso, o presidente de governo espanhol, Mariano Rajoy, está sendo cobrado para que aplique o artigo 155 da Constituição, que suspende a autonomia e autoriza a intervenção na comunidade, com a convocação de eleições. Analistas dizem que, se agir assim, Rajoy poderá acirrar ainda mais os ânimos. Em direção oposta, o líder do PSOE, Pedro Sánchez, aconselhou o presidente a abrir o quanto antes o diálogo com Puigdemont.

Uma greve geral foi convocada pelos sindicatos para esta terça-feira, 3 de outubro, em protesto contra a violência da Guarda Civil espanhola nas votações do referendo pela independência. O jornal satírico El Jueves antecipou sua capa para apoiar a paralisação e criticar Rajoy pela truculência promovida contra os independentistas.

A capa do El Jueves critica Rajoy

O governo catalão solicitou uma postura da União Europeia em relação aos fatos ocorridos durante o referendo: se ela fica do lado da “vergonha e da violência” ou da “dignidade e da democracia”. Em comunicado, o governo afirmou que “a ausência de uma resposta não indica apenas um aval aos fatos ocorridos, e portanto um aval às políticas repressivas do Estado, como também indica uma falta e uma perda de credibilidade da União Europeia e das suas instituições”.

Mas a única frase que os jornalistas conseguiram arrancar do porta-voz Margaritis Schinas foi um genérico “a violência nunca pode ser instrumento da política”.

No domingo, o dia começou muito cedo para a maioria dos catalães. Às 5 horas da manhã, muitas pessoas já estavam na frente de seus lugares de votação. Mas, para outros, a jornada começara no dia anterior.

Sob a ameaça de que a Guarda Civil não deixaria que as urnas entrassem nos colégios eleitorais, muitos catalães dormiram nas escolas que sediariam as votações. A noite seria longa, mas nem por isso tediosa. A programação era variada: recitais de poesias e contos, festa de pijamas, maratona de leituras e jantares para toda a família sem limite de idade. A iniciativa de ocupar pacificamente as escolas foi impulsionada pela plataforma Escoles Obertes (Escolas Abertas). A movimentação era em grande parte articulada pelo whatsapp e redes sociais e as primeiras escolas começaram a ser ocupadas às 5 horas da tarde do sábado, dia 30 de setembro.

Chamada à ocupação pacífica das escolas

As primeiras horas vieram carregadas de ansiedade e chuva. Tratores e até carros alegóricos protegiam os colégios de uma possível invasão da Guarda Civil.

Em muitos locais de votação, as urnas demoraram a chegar, o que aumentava o estado de preocupação. O alívio, ainda que passageiro, só vinha quando elas já estavam dentro da seção eleitoral.

Entretanto, com a chegada das urnas vieram também os primeiros ataques da Guarda Civil, que tinha como objetivo confiscar as urnas e impedir a votação do referendo, considerado ilegal pelo governo e pela justiça espanhóis. O uso desmesurado da força policial causou, até o fim do dia, 893 pessoas feridas entre elas nove agentes policiais, segundo o Departamento de Saúde. Com o fechamento de algumas escolas pela força policial, o Governo catalão anunciou o Censo Universal, com o qual os catalães poderiam votar em qualquer colégio eleitoral da Catalunha. A maioria dos casos de desocupação e violência por parte da Guarda Civil foram registrados em Barcelona e arredores, como mostra o mapa interativo dos colégios eleitorais. Nem mesmo o presidente do governo catalão, Carles Puigdemont, pôde votar no local previsto.

Embora a votação tivesse sido facilitada por essa mudança do governo, em alguns dos locais de votação houve informação de que o sistema falhava e que a votação demoraria um pouco antes de ser iniciada.

“Continuamos na rua e depois de algum tempo a escola abriu e pudemos votar. O Governo espanhol insiste que o referendo não existe, mas nós catalães estamos votando”, afirmou o escritor David Vila i Ros, que operou recentemente a coluna e mesmo assim foi votar. A jornada, em muitos lugares onde a polícia espanhola não estava, foi pacífica por parte dos votantes, como afirma o administrador Marc Pané, que compareceu cedo às urnas. “As pessoas passaram o dia inteiro nos lugares de votação: de jovens até idosos. Mais de 14 horas, inclusive fazendo guarda na noite anterior para evitar a entrada da Guarda Civil, sem nenhum episódio de violência por parte dos que foram votar. Hoje foi um dia único”, disse Pané.

Momentos de solidariedade também foram constantes em todo o dia. Em muitos colégios a polícia catalã formou uma linha de frente que protegia as pessoas que custodiavam os lugares de votação.

Em outros, bombeiros de várias localidades da Catalunha se juntaram às correntes humanas impedindo que a Guarda Civil avançasse em direção ao interior dos colégios eleitorais. Muitas pessoas traziam consigo flores de cravo que já se converteram em um símbolo de alegria e confiança diante da barbárie.

Várias personalidades catalãs se expressaram nas redes sociais a favor do referendo. O ator da série catalã Merlí, Carlos Cuevas, foi uma das pessoas que se manifestaram publicamente: “Voto orgulhoso na escola onde aprendi a ler e a escrever. Hoje falamos de paz, de liberdade de expressão, da condenação à violência feroz e do abuso policial injustificável. Falamos mais além das bandeiras: falamos de democracia com letras maiúsculas. A voz será sempre do povo; e a violência, a única arma do fascismo. Nem súditos, nem vencidos: valentes”.

À noite, o presidente do governo Carles Puigdemont agradeceu aos catalães e a todos que deram apoio neste momento de grande precedência para a Catalunha. Segundo o presidente, durante todo o dia, exemplos de compromisso, coragem e valentia ressoavam apesar da “injustificável, abusiva e grave” violência policial da Guarda Civil espanhola e suas claras violações aos direitos humanos que não podem ficar impunes.

O destino da região após o referendo é incerto, mas os catalães estão esperançosos: “Somos conscientes de que, aconteça o que acontecer, esta jornada está sendo chave. Misturam-me lágrimas de emoção com lágrimas de raiva, mas estamos orgulhos do nosso povo. Eles  — os espanhóis —  são herdeiros do fascismo; nós só queremos ser livres”, concluiu emocionado o escritor David Vila i Ros.

Resultado final:

Sim: 2.020.144 (89,29%)

Não: 176.566 (7,80%)

Brancos: 45.586 (2,01%)

Nulos: 20.129 (0.89%)

 

Adaptação de texto publicado originalmente na página da autora no Medium

 


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