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Médicos cubanos viraram “coxinhas”?

A paranoia da direita de que os brasileiros fossem “influenciados” pelos cubanos do programa Mais Médicos, a quem chegaram a chamar de “guerrilheiros disfarçados”, pode ter se concretizado ao contrário: o Fla-Flu da política brasileira pode ter contaminado os médicos cubanos. O blog teve acesso a conversas na internet em grupos fechados mantidos por doutores cubanos […]

Cynara Menezes
20 de julho de 2016, 19h49

A paranoia da direita de que os brasileiros fossem “influenciados” pelos cubanos do programa Mais Médicos, a quem chegaram a chamar de “guerrilheiros disfarçados”, pode ter se concretizado ao contrário: o Fla-Flu da política brasileira pode ter contaminado os médicos cubanos. O blog teve acesso a conversas na internet em grupos fechados mantidos por doutores cubanos no Brasil que mostram que os profissionais foram contaminados pela polarização política em nosso país. O temor de que haja uma debandada de profissionais estaria por trás da decisão do governo cubano de convocar de volta os médicos que completam três anos atuando aqui.

Os grupos privados mantidos pelos profissionais cubanos nas redes sociais estão em polvorosa desde a semana passada, quando foi anunciado pelo governo a decisão de não renovar o contrato com os mesmos médicos, que serão substituídos por outros. Os médicos que se encontram no Brasil desde o início do programa, em 2013, foram surpreendidos com a mudança, porque davam como certo que poderiam permanecer no país mais três anos, já que, em abril, a presidenta Dilma Rousseff havia baixado uma MP (Medida Provisória) autorizando a renovação.

Assim como nós, brasileiros, fazemos no facebook, nos grupos privados os médicos cubanos se acusam mutuamente: os defensores do governo de Raul Castro são chamados de “comunistas” e os que fazem críticas, de “contra-revolucionários”. Enquanto no mundo analógico as informações oficiais circulam com todo o sigilo característico do regime, na internet a realidade é outra: os médicos gravam as reuniões com os coordenadores da OPAS (Organização Panamericana de Saúde), a quem chamam jocosamente de “descoordenadores”, e os áudios circulam livremente por whatsapp.

Foi o caso do comunicado que o blog divulgou com exclusividade domingo à noite, que em algumas versões aparece assinado por um certo “dr. Rodolfo”, sobre quem os médicos nos grupos comentam com intimidade. A embaixada de Cuba chegou a desmentir que o comunicado fosse verdadeiro, mas a OPAS confirmou que os médicos irão retornar após três anos, sem direito à renovação, exatamente como dizia o documento. O blog apurou que a substituição automática dos médicos cubanos após três anos de serviço faz parte de uma estratégia do governo cubano para evitar a “contaminação ideológica” de seus profissionais nos países latino-americanos onde atuam, coisa a que não correm perigo trabalhando no continente africano. O temor da “coxinhização” dos médicos explicaria a “quarentena” de cinco anos em Cuba para os que retornarem após as eleições municipais, em novembro.

Embora se acusem mutuamente em termos ideológicos, as razões que os médicos dão nas redes para querer continuar mais três anos no Brasil não têm nada a ver com política e sim com ascensão social: querem ficar para economizar dinheiro e melhorar sua situação de vida no retorno a Cuba, principalmente realizando o sonho da casa própria. Eles também falam que o governo cubano está em “alerta vermelho” com a possibilidade de que haja deserção em massa. Normalmente, em torno de 10% dos médicos cubanos em missão desertam, mas já se prevê que aqui o número seja muito maior. Há ainda, reclamações sobre o extremo sacrifício da vida do médico cubano, longe de casa e sem poder levar seus familiares nas missões.

O blog selecionou e traduziu alguns depoimentos de médicos cubanos publicados em um dos grupos. Achei tudo muito triste. Leia a seguir.

“Eu particularmente queria renovar para conseguir economizar um pouco mais para, juntando com o dinheiro que tenho em Cuba, comprar uma casa e um carrinho, mas, bem, parece que não vai poder ser assim. Desejo que todos fiquem bem de saúde e quem sabe nos vemos em Chile ou em outro lugar.”

“Eu com o dinheiro da Venezuela comprei a casa e aqui com o dinheiro do primeiro ano comprei um Chevrolet e graças a ele fui em duas viagens de férias, o dinheiro no banco de nada vale se você não tem casa.”

“Eu completo dez anos longe da família, é suficiente, perdi a adolescência do meu filho e agora a da minha filha, o sacrifício vale a pena, mas com esta terminou, abraço a todos.”

“Muitos não se deram conta de que o médico cubano está condenado ao desterro, a viver longe de sua família quase a vida inteira, muitos aqui celebrando voltar para partir em outra missão, outros querendo prorrogar para seguir aqui, porque não é um país ruim, mas no final todos estamos na mesma causa, o desterro perene, longe de nossos seres queridos, seja na Venezuela, Qatar, Arábia, Bolívia ou onde seja. Porque em nenhum lugar você tem direito a levar a sua família como se fosse um condenado.”

“Eles sabem da metamorfose que existe na mentalidade de cada médico que está no Brasil, eles sabem que, de todos os intelectuais, os médicos são o único perfil que se mantêm mais submissos e a única forma de preservá-los assim é mantê-los como ciganos, mas controlando seu movimento para o exterior e o tempo fora.”

“Estão desmentindo essa informação do dr. Rodolfo porque não era para conhecimento de todos os médicos. Essa informação pode ser uma bomba e como dizem muitos aqui pode provocar um abandono em massa da missão, ou melhor dito, o não-regresso massivo dos colaboradores a Cuba. Essa informação unida a que, no ano 2017, será um ano em que vai ficar mais grave o chamado Período Especial (crise). Em uma colaboração anterior com o Brasil foram muitos os médicos que não regressaram a Cuba. O prognóstico é reservado e o governo cubano está em alerta vermelho.”

“A Cuba não convém ter médicos fora em um país como este por muito tempo, e sobre que os prefeitos querem que sejam os mesmos médicos, a Cuba não lhe importa nada, o governo sabe que os médicos que estão no Brasil quando cheguem em Cuba lhes vão dar dor de cabeça, porque desfrutaram da liberdade por três anos e se adaptar de novo às restrições vai ser muito difícil.”

 


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