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Mídia comercial comete fake news ao comparar Bolsonaro a Lula

Equiparar um político que sempre foi defensor da democracia a outro que sempre defendeu a ditadura é agir igual aos sites bolsonaristas

Lula e Bolsonaro no exercício do cargo. Fotos: Ricardo Stuckert e Alan Santos/PR
Cynara Menezes
16 de dezembro de 2020, 21h53

Tudo começou na eleição de 2018, quando o Estadão teve a pachorra de, em editorial, igualar um professor, Fernando Haddad, a um energúmeno defensor da ditadura, Jair Bolsonaro, defendendo a tese surreal de que, para o eleitor, seria uma “escolha muito difícil” optar entre os dois. Recentemente, uma revista semanal que ninguém nunca levou a sério porque muda de inclinação política de acordo com a ocasião, publicou uma capa onde equipara Bolsonaro a Lula como “inimigos da nação”, um representando a “extrema direita” e outro a “extrema esquerda”. Colunistas da direita liberal na imprensa comercial também não se cansam de estabelecer falsas simetrias entre o petista e o atual presidente que ela própria, a mídia, ajudou a eleger.

Mas o que Lula, afinal, tem a ver com Bolsonaro? Nada. Comparar os dois é cometer fake news, coisa que o autodenominado “jornalismo profissional” acusa a extrema direita de fazer. Serve à narrativa dos próceres do “centro” (eufemismo para a velha direita neoliberal) rumo à sonhada vitória na eleição presidencial que a população acredite que Lula e Bolsonaro são a mesma coisa. Que tanto faz que um ou outro esteja no poder: Lula e Bolsonaro são igualmente nocivos ao país. Será? Por que então quando Lula deixou a presidência após 8 anos, em 2010, o povo estava tão satisfeito que ele tinha 87% de aprovação e popularidade, enquanto Bolsonaro patina nos 37% no segundo ano de mandato? Alguém está mentindo, e neste caso não são os bolsonaristas.

O que a mídia comercial tem que responder é: se Bolsonaro e Lula são “iguais”, por que ela apoiou todos os projetos econômicos de um e se opôs a todos os projetos do outro, inclusive os que promoviam a igualdade social e a inclusão de negros nas universidades?

A primeira diferença entre Bolsonaro e Lula é, para começar, de classe. O petista vem de uma família pobre de retirantes nordestinos, sétimo filho de um casal semianalfabeto de Caetés, Pernambuco, que migrou para São Paulo fugindo da fome. Lula começou a trabalhar ainda criança, no cais de Santos, como ambulante aos 8 anos e engraxate aos 9; no início da adolescência, foi ajudante de tinturaria. Mudou-se para a capital paulista com a mãe, separada do pai, concluiu o ginásio e, já empregado numa metalúrgica desde os 14 anos, fez o curso de técnico de torneiro mecânico do Senai.

Já Bolsonaro é paulista de Glicério, descendente de italianos e alemães. Seu pai, Percy Geraldo, era dentista prático e dava duro para sustentar os seis fihos, mas, embora a vida da família fosse simples, nenhum dos Bolsonaro conheceu a fome. Jair logo ascenderia para outro patamar da pirâmide social, ao entrar para o Exército, aos 17 anos, em 1973. Lula, metalúrgico e sindicalista, estava na base da pirâmide e permaneceu fiel à sua origem de classe; Bolsonaro transmutou-se em membro da guarda pretoriana do capitalismo, confortavelmente instalado entre os que defendem a propriedade privada e os poderosos.

Na pirâmide capitalista, Lula está abaixo, e Bolsonaro, no meio, protegendo a propriedade e o poder

Em 1970, enquanto Bolsonaro se orgulhava de, ainda adolescente, ter auxiliado os militares na caça ao capitão Carlos Lamarca pelas matas de Eldorado Paulista, Lula começava a frequentar as reuniões do sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e se tornava suplente da diretoria. Em 1975, Lula é eleito presidente do sindicato e Bolsonaro está prestes a se formar na AMAN (Academia Militar de Agulhas Negras). Duas trajetórias mais diferentes, impossível.

Outro fato que separa Lula de Bolsonaro de forma abissal é que um sempre foi um defensor da democracia, enquanto o outro sempre defendeu a ditadura. Em 1984, enquanto Lula participava da campanha pelas Diretas-Já, Jair Bolsonaro começava a se destacar no Exército não como um bom militar, mas como um insubordinado que foi inclusive acusado de participado de uma trama para explodir bombas nos quartéis, em 1987, quando Lula iniciava seu primeiro mandato como deputado federal eleito. Em 1988, enquanto Lula atuava na Constituinte, Bolsonaro era julgado pelo Supremo Tribunal Militar. Acabou absolvido, mas saiu do Exército sem honra, pela porta dos fundos.

A mídia mente para manipular a população para que os brasileiros votem no candidato dela, o tal “centro” representado principalmente pelo PSDB e pelo DEM, de quem foi braço auxiliar todos estes anos. Aliás, quer maior fake news do que a mídia comercial se dizer “imparcial”?

Uma das falsas simetrias favoritas da mídia comercial em relação a Lula é dizer que o PT tem “tendências autoritárias”, pelo simples fato de o partido defender, quando ocupou o governo, a democratização dos meios de comunicação e a regulação da mídia, algo que existe em vários países. Enquanto isso, o extremista de direita que a imprensa “profissional” ajudou a promover e que permitiu que chegasse à presidência, agora expõe jornalistas nas redes sociais, manda repórter calar a boca, ameaça a Globo de cassar sua concessão, confecciona lista de “detratores” com dinheiro público e ataca cotidianamente a liberdade de imprensa. Coisa que Lula nunca fez.

Posso enumerar outras diferenças fundamentais: Lula criou um partido que é hoje, apesar das perseguições judiciais e midiáticas, um dos maiores do país, com mais de 2 milhões de filiados; Bolsonaro não conseguiu nem sequer juntar 10% das 420 mil assinaturas para criar o seu partido, Aliança Pelo Brasil. Em termos ideológicos, Lula é de centro-esquerda; e Bolsonaro, de extrema direita –muito embora a mídia tente pintar o petista, tantas vezes acusado por parte da esquerda de não ser esquerdista “de verdade”, como “extremista”, ao mesmo tempo que proíbe seus jornalistas de se referirem a Bolsonaro pelo que ele é.

Lula promoveu o país e, mesmo condenado injustamente, continua respeitado lá fora; Bolsonaro é desprezado pela imprensa internacional e destruiu a imagem do Brasil. Não há comparação possível, é como tentar encontrar semelhanças entre um gigante e um rato

No Palácio do Planalto, Lula promoveu o país lá fora, nos transformou em players globais, e, mesmo condenado num processo injusto, continua a ser respeitado no exterior; já Bolsonaro é alvo do desprezo da imprensa internacional e destruiu a imagem do Brasil no mundo, a ponto de o próprio ministro das Relações Exteriores celebrar que tenhamos virado párias. Não há comparação possível entre os dois; é como tentar encontrar semelhanças entre um gigante e um rato. Falar em “bolsolulismo”, como escrevem colunistas de jornal, reverberados por pré-candidatos à presidência interessados em surfar na onda de ódio ao PT para conquistar a simpatia desta mesma mídia, é simplesmente patético. Soa a desespero.

O que a mídia comercial tem que responder ao povo é: se Bolsonaro e Lula são “iguais”, por que ela apoiou todos os projetos da agenda econômica de um e fez oposição a todos os projetos do outro, inclusive os que promoviam a igualdade social e a inclusão de negros nas universidades? Deveria reconhecer que mente para manipular a população, almejando, assim, que os brasileiros votem no candidato dela, o tal “centro” representado principalmente pelo PSDB e pelo DEM, de quem foi braço auxiliar todos estes anos.

Aliás, quer maior fake news do que a mídia comercial se dizer “imparcial”?

 

 

 


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(9) comentários Escrever comentário

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Laerthe Abreu Junior em 17/12/2020 - 08h58 comentou:

Parabéns! Muitos parabéns pelo brilhante texto.
Como sempre o que escreve, um texto limpo, claro, direto, bem fundamentado.
É muito bom contar com você, sua “detratora” (Ha! Ha! Ha!) na trincheira da resistência.
Os fascistas não passarão!!!

Responder

Manoel Carvalho Vieira Lima em 17/12/2020 - 09h36 comentou:

O seu artigo é muito importante para mostrar a grande realidade de uma imprensa que nunca preocupou com a verdade e muito menos com a democracia brasileira. Espero que o povão tenha acesso ao seu artigo pois, de uma maneira tão realista e de fácil entendimento é uma arma aos incautos e demagogos e principalmente a esta mídia corrupta e gananciosa.

Responder

Sandra em 17/12/2020 - 11h42 comentou:

Obrigada Cynara, tudo que a gente queria dizer.

Responder

Maria Célia Aragão de Lima do Nascimento em 17/12/2020 - 17h37 comentou:

Socialista Morena,
Li seu artigo “Mídia comercial comete fake news ao comparar Bolsonaro a Lula” e concordo com sua exposição educada, mas firme e esclarecedora. Votei contra o PT, depois de dar a ele três mandatos. Por conta da corrupção da qual o PT participou direta ou indiretamente, fiz a pior escolha política da minha vida, da qual me arrependo todos os dias.

Nunca havia experimentado tal sentimento em minha vida… E dói muito quando ouço dizer que não tem perdão para quem faz o que fiz. Agradeço a Deus por conhecer a Bíblia, seguir seus princípios e usufruir do perdão de Deus sempre disponível aos que se arrependem e abandonam o erro.

A realidade do Governo atual me adoece todos os dias, e o estômago se aperta em ânsias de vômito, porque nunca vi tanta sujeira junta em uma pessoa, em uma família, em um grupo de Ministros e em uma base de Governo como agora – tenho 72 anos. Assombra-me a resiliência dos Poderes Legislativo e Judiciário, que deixa acontecer a destruição de todo um histórico legado de lutas e conquistas para o bem-estar social interno e para a convivência saudável, pacífica, altiva, solidária e produtiva entre os povos.

Quando estava lendo seu artigo, minha esperança era que ele terminasse com uma avaliação que cotejasse as realizações dos Governos Lula e Bolsonaro nos dois primeiros anos deles como Presidentes. Isso deveria ocorrer em áreas como Saúde, Educação, Meio Ambiente, Cultura, Ciência e Tecnologia, Segurança, Direitos Humanos, Relações Exteriores e Infraestrutura, por exemplo… Deixo este parágrafo como sugestão para que publique um segundo artigo sob o título “Mídia comercial comete fake news ao comparar Bolsonaro a Lula – Segunda Parte”. Sei que isso exige pesquisa, mas vale a pena! Ainda que seja em coautoria com algum(a) pesquisador(a). Se achar válida a sugestão, não demore! Precisamos desmascarar essa coisa inominável que acontece no nosso Brasil.

P.S. Vou citar seu artigo em um artigo científico que estou escrevendo, procedendo à Análise do Discurso, conforme a Teoria de Michel Pêcheux, aplicada ao famigerado discurso de Bolsonaro na Abertura da Assembeia Geral da ONU. Li, também o pronunciamento do Lula sobre Educação. Se eu estivesse no WhatsApp, colocaria aqui, como ponto final, uma carinha descendo uma cachoeira de cada olho. Sou sua admiradora. Célia Aragão.

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Rossi em 17/12/2020 - 18h12 comentou:

A grande mídia(particularmente “as organizações”) está sentindo na pele a abissal diferença ao jogar nas costas de seus empregados com demissões,as consequências de sua escolha errada.Como a hipocrisia é um de seus principais atributos,custa-lhe publicizar seu erro,restando-lhe apenas ‘jus sperneandi’.

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Eugênio BH em 17/12/2020 - 21h15 comentou:

A princípio, didático.

Belo e triste desabafo.

“Sozinho no escuro, quero abrir a porta
não existe porta (..)
ir pro mar, mas o mar secou

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isa em 18/12/2020 - 09h35 comentou:

Pów!
Sempre sagaz, direta na veia.
Separa com maestria
o joio do trigo.
Salve, morena !

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Salete Invejosa em 18/12/2020 - 12h22 comentou:

Bolsonaro não se comenta, se lamenta. E Lula não representa a “esquerda”, mas a si mesmo. Se morrer hoje, ela não tem ninguém que a personifique. Não é coincidência que tenha louvado Boulos como a promessa do amanhã, uma cópia carbonada do midiático Luis.

Lula e Bolsonaro não são iguais, são dois políticos que veem o mundo segundo suas experiências prévias, e as “coincidências” param aí.

Tolo quem crê que Lula ou Bolsonaro podem ser contidos num partido ou num bloco de esquerda/direita. Estão além disso e a estrutura político-partidária-ideológica são meros instrumentos de suas vidas políticas.

O PT melhorou os indicadores de pobreza, mas caiu no ralo da corrupção e clientelismo ao juntar-se ao centrão e outras podridões palacianas, que há muito instalaram-se em Brasília.

Bolsonaro segue o mesmo caminho, com a família chafurdada em corrupção. De forma análoga, usa a estrutura do poder para sair dos imbróglios que os filhos se meteram.

Creio que, lá no fundo, os dois representem os lados opostos de uma mesma moeda. Não são iguais, mas não podem ser separados.

Falta à esquerda a famosa “autocrítica”, entendendo que Lula é passado e deve procurar uma identidade própria, que atinja o eleitor de forma crível. No momento, o que temos é a triste história da roubalheira que os “aliados” afundaram a sigla.

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Guilherme em 19/12/2020 - 11h26 comentou:

É a mesma coisa, sim senhor.

Bolsonaro e Lula dá no mesmo.

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