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O “caju invertido” e o puro suco da arrogância colonialista da L’Occitane

Mais respeito com o caju! Como pode uma multinacional chegar na terra dos outros, explorar uma fruta nativa para lucrar e ao mesmo tempo falsear a aparência dela?

O caju fake da L'Occitane. Foto: reprodução
Cynara Menezes
16 de outubro de 2023, 18h08

A L’Occitane en Provence, ou L’Occitane, é uma das mais famosas marcas de cosméticos no mundo. Criada em Manosque, na França, em 1976, a empresa se gaba de não testar em animais e de apoiar iniciativas pela preservação da natureza, como o programa de cultivo de amendoeiras nos Alpes da Provença, o plantio de espécies raras de flores na Córsega e o incentivo ao cultivo tradicional, especialmente de lavanda. A L’Occitane também se vangloria de comprar a manteiga de caritê utilizada em alguns de seus produtos diretamente das mulheres de Burkina Faso.

No entanto, ao ser confrontada nas redes sociais por ter feito um comercial onde aparece um caju fake, invertido, amarrado com um fio de náilon a partir da castanha num pé de amora, em vez de se desculpar, a multinacional francesa justificou não ter seguido de propósito “a estética real do fruto” que está utilizando como matéria-prima de sua nova linha de cosméticos. “O time criativo e a produção executiva escolheram não seguir a estética real do fruto, colocando-o pendurado pela castanha e não em sua árvore nativa”, disse a L’Occitane em nota, após a controvérsia causada nas redes sociais.

“Seguindo essa linha editorial, o time de marketing adotou o tom de voz leve, bem-humorado e descontraído da identidade da marca e seguiu com o vídeo para aproveitar a estética lúdica –já usada em outras campanhas– para causar estranhamento, o que poderia gerar maior engajamento nas redes sociais”, ressaltou a empresa, sem explicar, porém, o que tem a ver “tom de voz leve” ou “estética lúdica” com falsear a imagem de um fruto genuinamente brasileiro, “a mais popular das nossas frutas”, segundo Câmara Cascudo, do qual está tirando proveito financeiro.

A ridícula imagem do caju preso ao galho pela castanha, e em uma amoreira, não só causou risos como protestos. O Instituto Caju Brasil, uma ONG voltada para o desenvolvimento sustentável com foco na Cajucultura e na sua cadeia de valor, ironizou, no instagram: “A L’Occitane au Brésil lançou uns cremes cosméticos de ‘caju’. E a propaganda de divulgação é com a Grazi Massafera tirando um caju de um pé de amora. Meu Jesus Amado. E o caju ainda está preso pela castanha”.

Imaginem a gritaria se uma empresa brasileira ou latino-americana ou africana ou de qualquer parte do mundo descaracterizasse um produto nacional da França ao mesmo tempo que o explora para obter lucro? Imaginem se um fabricante de vinhos brasileiros utilizasse em uma propaganda a imagem de uma uva espanhola se passando por francesa? Ou, quem sabe, colocasse uvas de plástico penduradas numa pereira dizendo que eram legítimas sauvignon? Os franceses, tão ciosos de suas tradições, ficariam fulos da vida e exigiriam reparação.

No ano passado, produtores franceses foram à Justiça para impedir produtores norte-americanos de usar o nome “gruyère” para seus queijos, que teria “denominação de origem”, ou seja, só poderiam ser chamados assim apenas aqueles produzidos na França e na Suíça. “O queijo feito no Wisconsin não pode reproduzir o sabor único do verdadeiro Gruyère feito na Suíça ou na França”, escreveram em sua petição.

Imaginem a gritaria se uma empresa brasileira descaracterizasse um produto nacional da França ao mesmo tempo que o explora para obter lucro? Se um fabricante de vinho brasileiro colocasse uvas de plástico numa pereira dizendo que eram legítimas sauvignon?

Em 2021, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, fez estourar uma crise diplomática com a França após decretar que apenas os champánskoe (ou shampanskoye, o espumante barato criado na época da URSS como forma de democratizar a bebida) podem ser rotulados no país como “champanhe”. Todos os outros espumantes estrangeiros, inclusive os da região francesa de Champagne, protegidos por denominação de origem controlada, passaram a ser rotulados e classificados apenas como “vinhos espumantes”. O ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, ameaçou recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio) contra a Rússia.

Aqui, uma empresa francesa coloca de ponta-cabeça um fruto brasileiro e não dá o braço a torcer, clamando que tem o direito de fazer isso… Faltam entidades em defesa do que é nosso. A sensação de “terra de ninguém” é o que torna possível a uma multinacional chegar no país dos outros, usar uma fruta nativa e tratar de qualquer jeito, inclusive invertendo sua aparência, ao mesmo tempo que vai usar o fruto para ganhar dinheiro. É o puro suco da arrogância colonialista, e não há greenwashing que compense.

Mais respeito com o caju! Cadê o Procon?


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(3) comentários Escrever comentário

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Paulo Roberto Martins em 17/10/2023 - 11h38 comentou:

Estes franceses são uns filhos duma puta. Também lembrei da lambança com os japoneses, alguns anos atrás, que registraram a marca ” açai” e queriam que pagássemos royalties para usá-la. Frutos da nossa terra! No caso dos japoneses, eles tiveram de voltar atrás,agora com os colonialistas e metidos a civilizados franceses a coisa é mais embaixo. São cínicos, atrevidos, caras de pau e muito, mas muito mesmo arrogantes. Até quando erram bancam os engraçadinhos.

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ricardo em 18/10/2023 - 11h35 comentou:

Talvez a matriz francesa nem saiba de nada.
Atribuo o fato à “sudestinice” que impera nos departamentos de marketing, nas agências de publicidade e produtoras de comerciais. Se alguém na equipe avisou, pode ter sido reprendido “não dá pitaco, baiano da paraíba!”

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Mauricio Nunes em 01/11/2023 - 01h56 comentou:

O que mais me surpreendeu na matéria é existir um o Instituto para o Caju. “O Instituto Caju Brasil”.

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