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Feminismo

Para quê flores no Dia Internacional da Mulher? Para decorar nossos funerais?

Yanny, 26 anos, era médica, presidenta da Câmara de Vereadores de Juazeiro do Norte e lutava contra a violência doméstica; nada disso impediu que fosse morta pelo companheiro

A vereadora Yanny Brena segura camiseta de campanha contra a violência doméstica. Foto: reprodução facebook
Cynara Menezes
07 de março de 2023, 18h48

O último projeto da vereadora Yanny Brena foi a concessão de placas comemorativas do Dia Internacional da Mulher a personalidades femininas de Juazeiro do Norte (CE) que se destacaram em suas áreas de atuação: enfermeiras, líderes religiosas, professoras, profissionais do Direito, artistas. “Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância”, diz a frase de Simone de Beauvoir que justifica a homenagem.

“Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância”: vereadora Yanny Brena citou Simone de Beauvoir para justificar seu último projeto, a concessão de placas em homenagem a mulheres no dia 8 de Março

Yanny era um prodígio: tinha 26 anos, havia se formado em Medicina há um ano e se tornado vereadora há dois. Era presidenta da Câmara de Vereadores da cidade desde 2022, a segunda mulher a ocupar o cargo na História de Juazeiro do Norte. Mas no Dia Internacional da Mulher não poderá entregar as placas como desejava, porque foi assassinada na semana passada pelo companheiro, Rickson Pinto, de 27 anos, que se suicidou em seguida. Rickson não aceitava que Yanny quisesse terminar o relacionamento. Ela faria 27 no próximo dia 10 de março.

“Mães, trabalhadoras, inovadoras, dedicadas, corajosas e responsáveis. Mulheres têm atitude. Mulher é orgulho. Nós, mulheres, enfrentamos desafios, transformamos a realidade. Nós conquistamos. Parabéns neste Dia da Mulher. E a minha solidariedade a todas aquelas que perderam entes queridos em relação à Covid-19”, publicou a vereadora em suas redes sociais no Dia Internacional da Mulher em 2021.

“Devemos enfrentar com coragem e atitude a violência contra a mulher. Quem agride alguém, comete desrespeito, viola às regras básicas da convivência humana. Imagina quem atenta contra a vida da mulher? A Lei Maria da Penha foi um avanço. As instituições têm trabalhado, incansavelmente, para enfrentar e prevenir atos de violência contra às mulheres. Mas é preciso mais. É necessário que estejamos sempre levando para a sociedade o tema violência, feminicídio, assédio e discriminação”, publicou a vereadora em setembro do mesmo ano, convocando para uma audiência pública para tratar do tema.

A vereadora teria provavelmente recebido flores no 8 de março, como costuma acontecer todos os anos com muitas mulheres nesta data, se não tivesse passado a engrossar as estatísticas sobre as vítimas de feminicídio no Brasil. Segundo o relatório Elas Vivem, da Rede de Observatórios da Segurança, pelo menos uma mulher foi morta diariamente por companheiros e ex-companheiros em 2022; uma mulher foi vítima de violência a cada 4 horas. O fato de Yanny ser uma ativista contra a violência doméstica, que fosse uma mulher independente, que tivesse entrado para a política, não impediu seu assassino de tirar a vida dela. Ou foi justamente por isso que ela foi morta?

Apenas no último mês, houve, além de Yanny Brena, os casos de Janaína, de 23 anos, estrangulada e morta em São Paulo pelo ex-companheiro; Vanda Maria, de 35 anos, morta a facadas em Passira (PE) pelo ex-marido; Cacilda, de 43 anos, assassinada com sete tiros pelo marido em São José dos Pinhais (PR); Gabriela, de 30 anos, foi morta a socos em Franca (SP) por um homem, supostamente por ter invadido a sua casa; Ana Gabriela, de 18 anos, esfaqueada, esquartejada e queimada na rua pelo ex-marido em Uberlândia (MG).

As mulheres recebem flores dos homens porque é considerado um gesto “cavalheiresco” e porque mulheres costumam ser comparadas a flores: “belas”, “delicadas”. Mas nós não somos delicadas. Somos fortes. Não somos flores, somos gente e queremos viver

A maior parte dos crimes teve a mesma justificativa: a recusa do homem em aceitar o término do relacionamento. É como se os corpos das mulheres não nos pertencessem e sim aos homens. Andamos, corremos, dormimos, comemos, pensamos, estudamos, parimos, falamos –mas nosso corpo pertence aos homens. Homens se acham no direito de dispor do nosso corpo a ponto de nos estuprar e matar quando são impedidos por nós mesmas de tocar o nosso corpo. Não dos homens nem de ninguém. Nosso, das próprias mulheres.

No Dia Internacional da Mulher, homens nos entregam flores e nos parabenizam pela data, como se houvesse apenas um dia do ano que fosse das mulheres. Como se houvesse algo a celebrar. As mulheres recebem flores dos homens, desde tempos imemoriais, porque é considerado um gesto gentil, “cavalheiresco”. E também porque as mulheres são costumeiramente comparadas às flores: “belas”, “delicadas”. Mas nós não somos delicadas. Somos fortes. Ao contrário das flores, não precisamos e não aceitamos ser podadas. Não somos flores, somos gente, somos seres humanos e queremos viver.

Todo ano eu me pergunto: para quê flores no dia 8 de Março, afinal? Para decorar nossos funerais? O que queremos, seja no Dia Internacional da Mulher ou em qualquer dia do ano, é respeito. Igualdade. E que não sejamos mortas como Yanny, como Janaína, como Vanda, como Gabriela, como Ana, como milhares de outras.

Parem de nos matar!


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(4) comentários Escrever comentário

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Mario em 07/03/2023 - 20h17 comentou:

Bravo! Parabéns Cynara.

Responder

Veranise Ferreira da Silva em 08/03/2023 - 14h11 comentou:

Parabéns pelo ótimo texto Cynara. Você me representa. 👏👏👏👏👏👏❤️

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Rafael em 11/03/2023 - 09h38 comentou:

Muito bom!
O dia das mulheres pra mim é muito politico….ja faz alguns anos que não dou parabens pra ngm nesse dia. Acho que a melhor coisa que os homens fazem nessa data é ficarem caladinhos.

Se eu fosse mulher a ultima coisa que eu quereria nesse dia é um homem me enchendo o saco, me dizendo o que eu sou e o que eu posso ser…etc

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Ieda rodrigues pandolfi em 13/03/2023 - 09h34 comentou:

Perfeito 👏👏👏

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