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Para um número crescente de evangélicos, Trump deixou de ser o “mal menor”

Apesar de ainda ter ampla maioria entre os evangélicos conservadores, parte deles começa a questionar se Donald serve para o cargo

Trump segura Bíblia em frente à igreja de St. John em junho. Foto: Shealah Craighead/White House
The Conversation
28 de outubro de 2020, 22h11

Por Stewart Clem, no The Conversation
Tradução Cynara Menezes

Há muito tempo é dado como certo que a maioria dos evangélicos nos EUA irá votar em Donald Trump. Pode ser. Mas há recentes sinais de que menos evangélicos apoiarão Trump desta vez do que em 2016.

Uma pesquisa divulgada em agosto pela Fox News mostrou 38 pontos de vantagem do presidente sobre seu adversário, Joe Biden, entre brancos evangélicos. Isto é impressionante, mas perde o impacto em comparação aos 61 pontos de vantagens que Trump tinha neste grupo sobre Hillary Clinton na eleição de 2016.

Outra pesquisa, apresentada em 13 de outubro pelo instituto Pew, mostrou que o apoio a Trump entre os brancos evangélicos caiu, de agosto para cá, de 83% para 78%. Entre os que planejam votar pela reeleição do atual presidente, “a maioria está mais entusiasmada em apoiar Trump do que motivada pela rejeição a seu oponente”, de acordo com uma análise da pesquisa feita pela destacada publicação evangélica Christianity Today.

A maior parte dos evangélicos conservadores votará em Trump entusiasticamente. Mas uma significativa minoria está concluindo que ele é na verdade o maior dos males, e ou não irão votar, ou votarão pela primeira vez em um candidato não-republicano

Para mim, isso sugere uma mudança em termos de intensidade dos sentimentos dos evangélicos em relação a Trump. Eu acredito que estejamos testemunhando uma crescente divisão entre os que o amam e aqueles que cada vez mais se questionam se ele serve para o cargo. Ao contrário de 2016, os eleitores evangélicos que não se sentem entusiasmados por Trump aparentemente passaram a achar mais difícil votar nele.

Não há muitas pesquisas sobre o que está por trás desse fenômento, mas, como teólogo moral, estou interessado nas razões morais pelas quais alguns proeminentes evangélicos se manifestaram nos últimos meses para explicar por que não irão votar em Trump. Parece que pelo menos alguns deles estão reconsiderando a relação entre liderança e caráter.

Quando Trump estava em campanha em 2016, muitos cristãos, apesar de não aprovarem sua personalidade bruta ou seu estilo de vida “imoral”, acreditavam que suas políticas –tais como as promessas dele de proteger a liberdade religiosa e seu compromisso em reverter Roe v. Wade (a decisão judicial que permitiu a legalização do aborto nos EUA em 1973)– estavam mais de acordo com suas crenças religiosas do que as de Hillary Clinton. “Nós estamos elegendo um presidente, não um pastor”, era um refrão comum.

Os evangélicos nos EUA não são um bloco monolítico de eleitores que apoia candidatos conservadores. Sempre houve um contingente progressista politicamente dentro do mundo evangélico. Jim Wallis, fundador da revista evangélica de esquerda Sojourners, por exemplo, trabalhou como um membro do Conselho Consultivo Sobre Parcerias Religiosas e Comunitárias durante o governo Obama. Obviamente, os eleitores evangélicos progressistas são críticos tanto do caráter de Trump como de suas políticas.

Mas o que aparentemente mudou é que alguns evangélicos politicamente conservadores –aqueles que priorizam restrições ao aborto, se opõem ao casamento de homossexuais e à liberdade religiosa– concordam menos que em 2016 que Trump merece seu voto.

Mesmo que o presidente Trump possa não ser o “pastor-em-chefe”, muitos líderes evangélicos estão lembrando a seus irmãos cristãos que não deveriam isentar o gabinete do presidente dos padrões bíblicos de liderança. Como o líder empresarial evangélico Sid Jansma Jr. explicou num artigo recente: “A Bíblia costuma associar boa liderança a caráter, incluindo características como justiça, paciência, compaixão, humildade, integridade, honestidade, sabedoria, coragem e disciplina”. Citando a segunda carta do apóstolo Paulo a Timóteo na Bíblia, Jansma conclui: “Em qualquer referência bíblica de liderança, em todas elas, Trump fracassa”.

“A Bíblia costuma associar boa liderança a caráter, incluindo características como justiça, paciência, compaixão, humildade, integridade, honestidade, sabedoria, coragem e disciplina. Em qualquer referência bíblica de liderança, Trump fracassa”

O conhecido pastor e escritor John Piper também se baseou em vários textos bíblicos ao escrever sobre a escolha dos eleitores: “Há uma conexão de caráter entre governantes e governados. Quando a Bíblia descreve um rei dizendo ‘ele pecou e fez Israel pecar’ não significa que ele os pegou pelo braço. Significa que sua influência afetou a população. É o chamado de um líder. É assim que acontece, para o bem e para o mal”. Sob esta leitura, a Bíblia não traz uma categoria para um bom líder com caráter pessoal ruim. Nem parece imaginar que uma nação possa permanecer imaculada diante das perceptíveis falhas morais de seus líderes.

Em 2016, um considerável número de evangélicos desaprovava fortemente o comportamento de Trump, mas não podia imaginar votar em um democrata. Para estes eleitores, a plataforma do partido Democrata e suas posições sobre o aborto e os direitos LGBTQ eram suficientes para considerar Trump o menor dos males.

Explicando esta posição em 2016, Wayne Grudem, um popular autor evangélico e professor de seminário, declarou ao The Christian Post que o candidato era “egoísta, bombástico e rude”, mas representava uma “oportunidade única” para combater o “liberalismo governamental pró-aborto, pró-confusão de gênero, anti-liberdade religiosa, que aumenta impostos”, que ele associava a Hillary Clinton.

Mais recentemente, a preocupação com a visível exploração do cristianismo por Trump foi suficiente para mudar as mentes de alguns eleitores. Alguns teólogos argumentaram que ele se apropria do cristianismo para propósitos contrários a seus ensinamentos. D. Stephen Long, da Southern Methodist University, foi mais longe em um artigo: “Poderíamos chamar Donald Trump de ‘anticristo’?”

Mesmo entre os eleitores evangélicos que seguem no cálculo do “dos males o menor”, não permanece óbvio que Trump merece seu apoio. Como escreve Piper: “Acho desconcertante que os cristãos possam estar tão seguros que o maior dano será feito por maus juízes, más leis e más políticas e não pela disseminação culturalmente infectuosa da gangrena pecaminosa da auto-exaltação, da jactância e da discórdia.”

A preocupação com a visível exploração do cristianismo por Trump foi suficiente para mudar as mentes de alguns eleitores. Alguns teólogos argumentam que ele se apropria do cristianismo para propósitos contrários a seus ensinamentos

Até pela perspectiva de um conservador evangélico os ganhos da presidência de Trump estão cada vez mais sendo superados pelas perdas. Como o editor-chefe do Christianity Today colocou em um artigo em que pede para que Trump seja removido do cargo: “Se nós não revertemos o rumo agora, alguém irá levar a sério o que dizemos sobre justiça e retidão nas próximas décadas?”

A despeito de ter sido publicado que o presidente zomba dos cristãos e de suas crenças a portas fechadas, Trump é visto por muitos evangélicos como o candidato escolhido por Deus. Os dados, entretanto, sugerem uma crescente divisão entre os evangélicos, com os eleitores renitentes de Trump se tornando coisa do passado.

A maior parte dos evangélicos conservadores votará em Trump e o fará entusiasticamente. Mas uma significativa minoria aparentemente está concluindo que ele é na verdade o maior dos males, e eles ou não irão votar, ou votarão em um candidato que não é republicano –talvez pela primeira vez em suas vidas.

Stewart Clem é professor assistente de Teologia Moral no Aquinas Institute of Theology

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Bernardo Santos Melo em 28/10/2020 - 22h44 comentou:

Império decadente , democracia dúbia entre votos que nem sempre elegem o vencedor , evidente medo da China monolítica políticamente e desenvolvimentista economicamente , 2020 o ano da virada Chinesa .
Com ou sem Trump o velório prossegue num país desigual , varrido pela COVID e pela total falta de estrutura do sistema de saúde .

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