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“Pintou um clima”: o MITÔmano morreu pela boca

Como Damares, Bolsonaro foi pego no flagra inventando uma história para manipular eleitores, algo comum em sua trajetória desde a "caça a Lamarca"

Bolsonaro visita venezuelanas em abril do ano passado. Foto: reprodução facebook
Cynara Menezes
16 de outubro de 2022, 16h23

Jair Bolsonaro nunca foi um “mito”, mas sempre foi um mitômano. Ao longo de sua trajetória política, o ex-capitão inventou ou aumentou histórias para manipular eleitores e criar para si uma aura “heroica”. Foi assim com as “meninas venezuelanas” agora, como foi com sua suposta participação na caça ao guerrilheiro Carlos Lamarca, em 1970.

No episódio de abertura e no terceiro episódio do podcast Retrato Narrado, de 2020, a jornalista Carol Pires conta sobre como Bolsonaro foi aumentando a história de seu “envolvimento” com a perseguição a Lamarca conforme ia moldando sua lenda pessoal de “inimigo da esquerda”. Num espaço de 30 anos, passou de mero adolescente que assistiu de longe ao tiroteio entre a polícia e Lamarca a partícipe direto da caça ao guerrilheiro em Eldorado Paulista, a cidade onde passou a infância e parte da adolescência.

“Quando começou a contar essa história, Bolsonaro dizia que tinha testemunhado o caso”, narra a jornalista no podcast. No livro que escreveu sobre o pai, Mito ou Verdade, Flávio Bolsonaro afirma que ele “estava no colégio, a menos de 100 metros da praça onde Lamarca trocou tiros com os policiais. E que, como conhecia a região, se aproximou dos militares e ofereceu informações sobre a trilha na mata, mas não diz se no final ajudou ou não”.

A partir daí, Bolsonaro cria e difunde a ficção de que Lamarca estava na região sob a proteção da família do deputado federal Rubens Paiva, outro personagem pelo qual demonstra obsessão. “Eu tinha 15 anos de idade, morava na cidade de Eldorado Paulista. Ali existia a fazenda Caraitá. Proprietário: família Rubens Paiva. Área de guerrilha. Rubens Paiva deu a área de guerrilha para Lamarca, então não venham falar que Rubens Paiva é um santo, que também não é”, discursa, em 2014. Na mesma época, passa a dizer que os Paiva não só cederam o local como “bancaram financeiramente” Lamarca e os guerrilheiros.

Nos últimos 15 anos, a “participação” de Bolsonaro na perseguição ao guerrilheiro fica cada vez maior e a lorota vai ganhando nuances. “Ele deixa de ser o menino de 15 anos na ajuda discreta aos militares e passa a se colocar na história como personagem ativo na caça ao Lamarca”, diz Carol Pires no podcast Retrato Narrado

“No Mito ou Verdade, Flávio Bolsonaro diz que o pai tinha 15 anos e estava no colégio a menos de 100 metros da praça onde Lamarca trocou tiros com os policiais, mas que depois se aproximou dos militares e ofereceu ajuda para guiá-los pelas trilhas da região”, lembra Carol Pires no podcast. “Ao longo dos 27 anos como deputado, Bolsonaro fez 33 discursos citando Carlos Lamarca. Eu li todos eles. E me chamou muito a atenção que só em 2007, 11 anos depois do primeiro discurso em que menciona o guerrilheiro da sua juventude, é que Bolsonaro diz que teve alguma participação na caça ao Lamarca em Eldorado.”

Nos últimos 15 anos, a “participação” de Bolsonaro na perseguição ao guerrilheiro fica cada vez maior e a lorota vai ganhando nuances. “Ele deixa de ser o menino de 15 anos na ajuda discreta aos militares e passa a se colocar na história como personagem ativo na caça ao Lamarca”, diz Carol Pires. De 2013 para cá, Bolsonaro passou a afirmar que “entrou para a luta armada” e ajudou a capturar Lamarca. Ele também inventou que Lamarca, “delatado” por Rubens Paiva, foi quem sequestrou e “justiçou” o deputado, na verdade retirado de sua casa por militares da Aeronáutica e levado ao DOI-CODI no Rio de Janeiro. Os restos mortais dele nunca foram encontrados.

Quando começam as movimentações pelo golpe contra Dilma Rousseff, Bolsonaro floreia cada vez mais a história, misturando não só Lamarca com o desaparecimento de Rubens Paiva em janeiro de 1971 como acusando, sem nenhuma prova, a então presidenta de ter participado do fictício “justiçamento” do deputado.

“Eu sou de Eldorado Paulista, vale do Ribeira. Em 1970, dia 8 de maio eu estava em praça pública quando o Lamarca passou pela região. Lamarca pertencia à VPR, Vanguarda Popular Revolucionária, de Dilma Rousseff. O capitão Lamarca estava alojado na divisa da fazenda de Rubens Paiva, fazenda Caraitá, quando ele foi descoberto. O primeiro a acusá-lo de delatar o local foi o Rubens Paiva. Então havia um interesse de Dilma Rousseff e da VPR em justiçar Rubens Paiva. A verdade está lá em Eldorado Paulista”, discursou, em 2013.

Em 2017, em entrevista à Folha, repetiu a cascata: “Em 1970, eu entrei na luta armada. Ao lado do Exército, nas matas do vale do Rio Ribeira”. Em um vôo para Israel, mais uma vez: “Combati esse pessoal da esquerdalha desde 1970, quando era garoto, no vale do Ribeira, no grupo do Lamarca”.

Com as “meninas venezuelanas” a mistificação fica evidente quando se comparam as versões contadas pelo presidente agora com o que de fato aconteceu. Em abril de 2021, no vídeo que os próprios bolsonaristas divulgaram para tentar desmentir a acusação de pedofilia, vê-se que a história é completamente diferente.

Bolsonaro está acompanhado do atual deputado federal eleito Nikolas Ferreira, do general Braga Neto e de outros apoiadores quando entra na casa, que tem na porta uma placa de “consertos e costuras”. Bolsonaro fala mal da pandemia, coloca a culpa da falta de empregos em quem “fechou o comércio”, critica o governo da Venezuela… Segurou um filhote de cachorro e questionou a alimentação no país latino-americano: “Estou com um cachorro aqui na mão. Na Venezuela esse cachorrinho estaria aonde uma hora dessas?” Nem uma só palavra ou insinuação sobre prostituição.

Em setembro de 2022, mais de um ano depois, Bolsonaro começou a dar outra versão sobre a visita e a insinuar que as meninas eram prostitutas. “São Sebastião, Brasília. Parei numa esquina, tirei o capacete. Daí olhei para trás e tinha duas ou três meninas bonitinhas de 14, 15 anos de idde. me chamou a atenção. Menina bonitinha, sábado… Né? Mas por que chamou atenção? Eram parecidas. eu vi que apareceu mais uma, mais outra. eu desci da moto: ‘posso entrar?’ Entrei. Tinha umas 15 meninas dessa faixa etária, 14, 15 e 16 anos. todas muito bem arrumadas, tinham tomado banho, estavam fazendo o cabelo. Venezuelanas. Estavam se arrumando para quê? Alguém tem ideia? Quer que eu fale? Eu vou falar: para fazer programa”, disse, em entrevista a um pool de podcasts.

Na sexta-feira, em entrevista ao podcast Papparazzo Rubro-negro, foi adicionado o “pintou o clima” que está causando polêmica e levou o termo “Bolsonaro pedófilo” ao topo dos assuntos mais comentados no twitter. “Vou te contar um lance aqui. Tem numa live minha. Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, se não me engano, um sábado, de moto. parei a moto numa esquina, tirei o capacete, e olhei umas menininhas, três ou quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, em uma comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida.”

Uma das venezuelanas visitadas em São Sebastião foi encontrada pelo portal UOL e desmentiu a fala do presidente. Segundo ela, no dia em que Bolsonaro fez a visita ao local, estava acontecendo uma ação social para refugiados. “Uma brasileira que fazia curso de estética vinha até aqui para fazer a prática do que estava aprendendo, de corte de cabelo, design de sobrancelha. Então, nós reuníamos um grupo de mulheres e era isso o que acontecia naquele dia”, disse a venezuelana, que, por temer represálias, não quis se identificar. “Não tem nada a ver com o que ele está falando agora.”

É importante destacar que, se o presidente da República suspeitou de prostituição de menores, como está dizendo, era sua obrigação como agente público ter denunciado às autoridades. Se não o fez, prevaricou. Assim como sua ex-ministra Damares Alves, que “denunciou” no púlpito de uma igreja que crianças pequenas têm seus dentes arrancados “para sexo oral” e jamais comunicou às autoridades, sendo que era a titular da pasta dos Direitos Humanos. Ambos prevaricaram ou mentiram. Não há terceira opção.

Fato é que o mitômano morreu pela boca. Quantos casos mais aparecerão até que seus eleitores acordem do transe em que parecem mergulhados?

 

 


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