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Por ódio à esquerda, invocaram o monstro do autoritarismo de volta (e ele veio)

Sob o beneplácito e patrocínio dos donos da imprensa, os zumbis da ditadura tomam a Bolívia e estão à espreita no Brasil

Detalhe de pintura de Zdzisław Beksiński
Cynara Menezes
11 de novembro de 2019, 17h22

2013. Quase 30 anos após o fim da ditadura militar no Brasil, parecia que estávamos livres do autoritarismo e com nossa jovem democracia consolidada. O que ninguém esperava é que, como em uma missa macabra, as elites conjurassem o monstro de volta. Aproveitaram-se de um protesto legítimo contra o aumento dos ônibus em São Paulo para lançar a semente. “O gigante acordou”, diziam. Mas era um troll, disposto a tudo para entregar o poder novamente aos gorilas verde-oliva que oprimiram o continente sul-americano por duas décadas.

O terreno para os saudosistas da ditadura vinha sendo semeado anos antes, desde 2009, com o golpe contra o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, tirado de casa de pijamas e expulso do país. Invocado das catacumbas, o demônio autoritário migrou em seguida para o Paraguai, onde derrubaria o presidente Fernando Lugo em 2012. A mídia comercial brasileira se referiu a ambos os casos não como “golpes”, mas utilizando o eufemismo “deposição constitucional”. Recebia de braços abertos, assim, o retorno da prática de arrancar governantes eleitos de seus cargos, como ocorria na ditadura que ela apoiou.

Sob o beneplácito e patrocínio dos donos da imprensa, o monstro ia criando braços. Primeiro, em organizações surgidas nos subterrâneos da política, financiados sabe-se lá por quem, que, na superfície, se identificavam como “cidadãos de bem” e “patriotas”. Depois, encontraria abrigo entre as togas mais sinistras do Judiciário, que revelou uma inequívoca vocação ditatorial, misturada ao fundamentalismo religioso que também marca essa nova onda de autoritarismo em nosso continente. Em vez da Constituição, essa gente jura seguir a Bíblia, ou sua peculiar interpretação dela.

Um simpatizante declarado da ditadura militar e da tortura, o capitão Jair Bolsonaro, foi alçado à presidência. A ameaça de uma nova onda de governos militares paira sobre nossas cabeças, e inclusive sobre as cabeças da mídia que os ajudou a retornar do além-morte

O próximo passo era arrancar do cargo a presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff, e, por conseguinte, o PT. Os protestos de 2013, que, após serem desvirtuados pelo oportunismo midiático e pela extrema direita, chegaram ao fim sem conseguir seu intento de derrubar Dilma, foram retomados com outra roupagem em 2015, logo após a reeleição. Nas ruas, os golpistas perderam o pudor e começaram a invocar abertamente o demônio: “Intervenção militar já!”, bradavam homens e mulheres de verde e amarelo, possuídos pela paranoia anticomunista e pelo ódio à esquerda alimentados durante anos pelo rádio,revistas, jornais e TVs.

Dilma foi impichada e Lula, preso. Mas a conspiração não trouxe, ao contrário do que garantiam os pseudo “defensores da democracia”, políticos salvadores da pátria e sim os demônios autoritários que estes setores invocaram, a pretexto de exorcizar o PT do poder. Um simpatizante declarado da ditadura militar e da tortura, o capitão Jair Bolsonaro, foi alçado à presidência da República. A ameaça de uma nova onda de governos militares paira sobre nossas cabeças, inclusive sobre as cabeças da mídia que os ajudou a retornar do além-morte.

Agora o golpismo chega à Bolívia, com o Exército e a polícia forçando o presidente Evo Morales a deixar seu cargo. Não foi nem pelo Congresso, como no caso de Zelaya, Lugo e Dilma: foi um golpe militar clássico mesmo, à moda antiga. Uma quartelada. Tanto é que nem a mídia brasileira está falando em “deposição constitucional” desta vez.

Em sua declaração de renúncia, Evo justifica que sai para livrar seus compatriotas das perseguições, intimidações, sequestros, ameaças e da tortura, exatamente como nos tempos mais difíceis das ditaduras sul-americanas. A casa de sua irmã foi incendiada, assim como outras residências de governadores e apoiadores do governo. O presidente segue escondido, com a vida em perigo. A casa de Evo foi saqueada e seus pertences, queimados.

A renúncia ocorre após um mês de violência no país, desatada com a inconformidade da oposição com o resultado da eleição, em outubro, dando vitória a Evo, em um pleito questionado pela OEA. Em uma das cenas mais dantescas dos protestos, Patricia Arce, prefeita de Vinto, pequena cidade vizinha a Cochabamba, aliada de Evo Morales, foi atacada, teve seu cabelo cortado e foi pintada de vermelho.

Na manhã deste domingo, diante do relatório da OEA apontando “irregularidades” na contagem de votos, o presidente boliviano resolveu convocar novas eleições para tentar contornar a crise, com novos membros na corte eleitoral. Era tarde. O Exército e a polícia o obrigaram a renunciar. Tardios demais também foram o “rechaço” da OEA a “qualquer saída inconstitucional” na Bolívia e a recomendação de que se “respeite o estado de direito”. O que se vê no horizonte são tempos sombrios para os bolivianos.

Zumbis de torturadores caminham pelos palácios dos governos sul-americanos. Fantasmas de generais genocidas sopram nos ouvidos dos vivos. No Brasil, aliados do governo Bolsonaro, inclusive seu filho, já falam em “novo AI-5”

Como nos filmes de terror B, chamar os mortos de volta sempre resulta em sangue derramado e morte. Zumbis de torturadores caminham pelos palácios dos governos sul-americanos. Fantasmas de generais genocidas sopram nos ouvidos dos vivos. No Brasil, aliados do governo Bolsonaro, entre eles seu próprio filho, já falam em “novo AI-5”, tentando ressuscitar o período mais cruel da ditadura que admiram, quando qualquer cidadão podia ser torturado e morto apenas por questionar o governo.

A libertação de Lula pelos seis ministros do Supremo que ainda mostram apreço pela democracia foi um alento que durou dois dias. O monstro do autoritarismo rugiu forte diante da decisão. O guru da extrema direita mundial, Steve Bannon, atacou o ex-presidente em entrevista à BBC, dizendo que “o esquerdista mais celebrado do mundo”, uma vez fora da prisão, irá trazer uma “crise constitucional” e “enorme perturbação” ao Brasil. O general Augusto Heleno tuitou que o discurso do petista “incita a violência”. E o guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, aplaudiu o golpe na Bolívia.

A desculpa para o AI-5 foi o discurso do deputado Marcio Moreira Alves, em setembro de 1968, em que convocava o povo a boicotar o 7 de Setembro e as moças, a recusar sair com jovens oficiais. Outro deputado, Hermano Alves, seria, junto a Moreira Alves, alvo de pedido de cassação feito pelo governo militar, por publicar artigos também considerados “provocações”. Como a Câmara recusou, o AI-5 foi baixado, o Congresso foi fechado e os mandatos dos parlamentares, cassados (no ano seguinte seriam os ministros do Supremo). Estados e municípios sofreram intervenção federal e iniciou-se um período vergonhoso de perseguições, tortura, desaparecimentos de opositores e isolamento do país.

51 anos depois do AI-5, o que servirá de pretexto para o endurecimento do regime? A soltura de Lula? Seu discurso em São Bernardo? E o que importa? O monstro do autoritarismo já está entre nós. Para começar a morder parece uma questão apenas de contagem regressiva.

 


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(13) comentários Escrever comentário

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Paulo Costa em 12/11/2019 - 12h51 comentou:

O povo brasileiro ainda quer um Estado-pai que resolva todos os problemas para ele. Não temos, ainda, maturidade política. Isto, certamente, virá com muto sacrifício, novamente!

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Fábio Colla de Andrade em 12/11/2019 - 13h16 comentou:

Não foi golpe militar na Bolívia. Nenhum militar tomou o poder por lá !

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Fábio Colla de Andrade em 12/11/2019 - 13h31 comentou:

O referendo constitucional na Bolívia foi realizado em 21 de fevereiro de 2016 e disse não a uma nova reeleição de Evo !
O que ele estava fazenda nas eleições de 2019 ?

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Fábio Colla de Andrade em 12/11/2019 - 13h41 comentou:

Agora, o Evo tem um ponto positivo sobre toda a esquerda latino-americana. Ele, apesar do raso discurso bolivariano/cubano/esquerdista, conduziu a economia do país sob bases econômicas liberais, controlando inflação, emissão monetária, sem déficit e o país se deu bem.

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Fábio Colla de Andrade em 12/11/2019 - 15h09 comentou:

o socialismo sempre acaba criando uma sociedade de castas porque ele inevitavelmente requer uma ditadura. Ser um ditador (eternizar-se no poder) era o que queria Evo.

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    Cynara Menezes em 12/11/2019 - 15h57 comentou:

    se eternizar tipo o PSDB em são paulo? então lá é ditadura?

Fábio Colla de Andrade em 12/11/2019 - 16h40 comentou:

PSDB (ou qualquer outro) é um partido de muitos políticos e não uma pessoa exclusiva. Não existe que eu saiba alguém do PSDB em SP com mais de dois mandatos, e todos foram eleitos.
Eternizar-se no poder personalizando um ditador é coisa de regimes comunistas (
Stálin, Pol Pot, Kim, Mao, Chávez/Maduro, Castro, Ceauşescu Etc…Etc)

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    Cynara Menezes em 12/11/2019 - 18h43 comentou:

    uai, vocês diziam o mesmo do PT e foram dois presidentes… coerência zero. ah, sim, geraldo alckmin foi governador quatro vezes

Elsn Costa em 13/11/2019 - 09h44 comentou:

Angla Merkel esta no poder há quase 15 anos na Alemanha. Ela é uma Ditadora? Você vai dizer que não, por que ela foi eleita democraticamente, não é mesmo? O Evo, também foi meu camarada, eleito pelas urnas, mais como ele não é Europeu, se transforma num Ditador, conforme é divulgado nas imprensa macaqueiras, vira-lata das americas, capitaneada pelo liberalismo Norte Americano.

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Fábio Colla de Andrade em 14/11/2019 - 16h48 comentou:

Comparação esdruxula !
Nenhum alemão está nas ruas protestando contra Merkel;
Merkel nunca disputou ilegalmente uma eleição contra os ditames de um referendo constitucional;
Nenhuma eleição em que Merkel participou foi acusada de fraudes,

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Claudio Tavares em 15/11/2019 - 09h54 comentou:

que discurso cínico. enquanto Evo tentava a terceira eleição a comparação com Merkel, que também se elegia pela terceira vez, já havia e a canalhada já o chamava de ditador. a OEA identificou fraude em menos de 1% das urnas – 279 entre 35.000 urnas! – uma margem de erro absolutamente normal. ademais, quem pode falar de manobras constitucionais, quando apoiou a derrubada de uma presidenta por pedaladas que não existiram de fato? cínicos, como todos a direita!

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Politico Realista em 16/11/2019 - 18h34 comentou:

Um simpatizante declarado da ditadura militar e da tortura, o capitão Jair Bolsonaro, foi alçado à presidência. Foi alçado> foi eleito democraticamente pelo povo. Vc queria que fosse alçado como o socialismo ditatorial fez em alguns países. Seja mais democrático e menos socialista. Socialismo e comunismo reprime os pobres, tira o direito de liberdade do povo. Vai morar lá em Cuba, Venezuela, Coréia ou na Russia. Escreve uma matéria igual a esta lá do Putin. Eles cortam seus dedos”?”.

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Fábio Colla de Andrade em 18/11/2019 - 18h16 comentou:

“O que aconteceu nas eleições?
Os problemas de Morales começaram na mesma noite das eleições de outubro, quando o Supremo Tribunal Eleitoral (STE) suspendeu a rápida contagem dos votos quando a apuração estava 83% concluída. Uma tendência indicava que haveria um segundo turno entre o presidente boliviano e Mesa.

No dia seguinte, a apuração foi retomada com 95% dos votos contabilizados e indicando que Morales venceria no primeiro turno por uma margem estreita, mas com mais de dez pontos percentuais de vantagem sobre Mesa, o que seria suficiente para lhe garantir um quarto mandato.

As suspeitas levantadas pelos estranhos movimentos do STE levaram a oposição a apontar ter ocorrido uma fraude nos resultados. Muitos bolivianos, que começaram a se mobilizar nas ruas. A OEA e a União Europeia pediram que fosse realizado um segundo turno. ”
Fonte: BBC

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