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Cultura

Terra da liberdade: quando os EUA perseguiam comunistas em Hollywood

O macartismo não poupou nem mesmo um dos maiores gênios da história do cinema, Chaplin, que sempre se identificou com o pensamento de esquerda

A Ameaça Vermelha: filme anti-soviético de 1949
Cynara Menezes
10 de fevereiro de 2016, 18h20

“Uma democracia é um lugar onde se pode expressar suas ideias livremente –ou não é uma democracia” (Charles Chaplin)

O que mais se ouve no Brasil quando se trata de atacar os socialistas é sobre os crimes cometidos “pelos comunistas”, em vez de, mais acuradamente, falar em crimes cometidos por regime totalitários em nome do comunismo. Não se costuma mencionar, porém, a perseguição sem trégua que os comunistas sofreram ao longo da história, em muitos países, apenas por se definirem ideologicamente assim.

Vejam o caso do norte-americano Dalton Trumbo (1905-1976), um dos mais brilhantes roteiristas de Hollywood de todos os tempos. Pelo simples fato de ser assumidamente comunista (foi inclusive filiado ao Partido Comunista dos Estados Unidos), Trumbo acabou condenado e levado à prisão durante 11 meses e ficou proibido de escrever roteiros de filmes durante 13 anos. Esta é a história real que conta o filme Trumbo: Lista Negra, que rendeu a Bryan Cranston a indicação ao Oscar de melhor ator pelo personagem-título.

A “lista negra” de Hollywood, que puniu outros nove roteiristas além de Trumbo, foi a parte mais visível do macabro período da história recente dos EUA conhecido como “caça às bruxas” ou “macartismo” (uma “homenagem” a seu mentor, o senador republicano Joseph McCarthy), principalmente entre 1947 e 1957. Dedos-duros dispostos a entregar amigos e colegas proliferavam na indústria do cinema e na mídia. Entre os “patriotas”, a crítica Hedda Hopper e o ator John Wayne se dedicavam a caçar simpatizantes do comunismo de uma forma histérica e carente de sentido, somente por se atreverem a pensar de forma diferente da manada que diz “amém” à exploração capitalista —algo como os neomacartistas tentam fazer hoje entre nós.

Wayne, aliás, se mostrava incomodado todas as vezes em que era confrontado com seu passado de X-9 da direita norte-americana. “Não é verdade”, ele diz, quando este entrevistador da BBC o questiona sobre ter estado na linha de frente da perseguição aos comunistas em Hollywood. “Foi a mídia quem deu os nomes. Nunca denunciamos ninguém.” Você se sente orgulhoso desta época?, o entrevistador insiste. “Era necessário”, diz Wayne. “Os radicais queriam tomar conta de nosso negócio.”

De um lado, os anticomunistas eram representados pela MPA (Motion Picture Alliance for the Preservation of American Ideals). Do outro, os defensores da liberdade de pensamento, tão cara aos EUA que se tornou o primeiro artigo de sua Constituição, organizavam justamente o Comitê pela Primeira Emenda. À frente, grandes estrelas como o casal Humphrey Bogart e Lauren Bacall, Bette Davis, Groucho Marx, Henry Fonda e os diretores John Huston e William Wyler.

A perseguição aos comunistas não poupou nem mesmo um dos maiores gênios da história do cinema, Charles Chaplin, que sempre se identificou com o pensamento de esquerda. Em 1952, Chaplin tinha ido lançar Luzes da Ribalta em sua Inglaterra natal quando, ainda no navio, recebeu o comunicado do governo norte-americano de que teria que se submeter a um interrogatório se quisesse retornar aos EUA, sob a suspeita de “comportamento anti-americano”. De nada adiantou o criador de O Grande Ditador dizer que não era comunista e sim um pacifista, “alguém que deseja nada mais para a humanidade do que um teto sobre a cabeça de todas as pessoas”.

Em O Rei em Nova York, lançado cinco anos após sua chegada à Inglaterra, Chaplin mostra a figura de um menino anarquista com quem conversa sobre Marx, política e governos. O menino despreza todo tipo de governo. Seria Chaplin, na verdade, um anarquista?

Cansado das perseguições do governo de direita dos EUA, Charles Chaplin decide, então, não voltar mais e vive o resto de sua vida na Suíça. “Retornar ou não àquele país infeliz não tem importância para mim. Eu gostaria de ter dito a eles que o quanto antes eu me livrasse daquela atmosfera de ódio, melhor”, escreveu Chaplin em sua autobiografia. Ele só pisaria de novo em solo norte-americano em 1972, para receber um Oscar honorário por sua carreira. Uma espécie de perdão pelos tempos sinistros do macarthismo.

Dalton Trumbo, como mostra o filme dirigido por Jay Roach, prefere pegar um atalho: para fugir ao destino de morrer de fome, como queriam os anticomunistas, ele dribla a perseguição escrevendo roteiros sob pseudônimo para estúdios de filmes de baixo orçamento. Não quero contar mais para não estragar a trama, vão ver. Vale a pena conhecer o outro lado da história. Para quem acha que a censura e a ditadura do pensamento único são prerrogativas dos comunistas, será uma surpresa e tanto.

trumbo

Trumbo: Lista Negra – EUA, 2015. Direção: Jay Roach. Com Bryan Cranston, Diane Lane, Helen Mirren e Louis C.K.

 


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