Socialista Morena
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Socialista Morena faz 10 anos: a história do site e os posts mais lidos

Como surgiu o site? O que o futuro reserva para o Socialista Morena? Respondemos estas e outras perguntas sobre o veículo de esquerda que o Brasil ama (ou odeia)

Allende, uma das inspirações do site. Foto: Maíra Miranda
Cynara Menezes
19 de setembro de 2022, 16h27

Foi em 2010 que comecei a acalentar a ideia de ter um blog. Aquela eleição inaugurou o jogo sujo na campanha política que pavimentaria o caminho para Jair Bolsonaro chegar ao poder.

O tucano José Serra partiu para a baixaria, introduzindo o tema do aborto no programa de TV, e sua mulher, Monica, chegou a dizer que a candidata do PT, Dilma Rousseff, era “a favor de matar criancinhas” –até que se descobriu que também ela tinha recorrido ao aborto ilegal. Sim, não foi Bolsonaro quem inventou esta “estratégia”, nem mesmo as suspeitas falaciosas sobre as urnas eletrônicas, que devem ser creditadas ao também tucano Aécio Neves em 2014.

Valeu a pena? Sem dúvida. Como poucos jornalistas, tenho um “pedaço de terra” onde cair morta. Quando sinto aquela comichão irresistível de escrever alguma coisa que só é saciada quando a gente publica, tenho onde fazê-lo. Não dependo de papel nem de patrão para isso

Pois então: naquela eleição de 2010 eu trabalhava como repórter na revista Carta Capital e comecei a sentir, como todo e toda jornalista após tantos anos de carreira, um forte desejo de me posicionar politicamente de forma pública. Repórteres noticiam fatos, não opinam sobre eles. Mas a atuação no recém-surgido twitter reforçou em mim a vontade de dar opinião, de influir nos rumos da política e de contribuir para a conscientização da juventude, de fazer o contraponto a um discurso de extrema direita que a gente via crescer nas redes sociais a partir, repito, desta campanha em que Dilma acabou eleita a primeira mulher presidenta do Brasil.

Dois anos depois, em 2012, veio o estalo: por que não criar um blog em homenagem a meu ídolo Darcy Ribeiro? Darcy e Leonel Brizola voltaram do exílio falando num socialismo que não seguisse os modelos de nenhum país: nem da URSS nem da Alemanha Oriental nem de Cuba nem do Chile nem do Vietnã nem de nenhuma parte. Seria um socialismo à brasileira, aqui nascido e com nossas características de nação mestiça, morena. Daí o termo “socialismo moreno”. Ambos sofreram brutais ataques da mídia comercial apenas por utilizar estas palavras, e sempre lamentei que tenham deixado a ideia de lado, sem se aprofundar teoricamente sobre o socialismo que queriam.

Muita gente ainda associa o nome do site ao “morenismo”, movimento criado na Argentina por Nahuel Moreno, mas não tem absolutamente nada a ver. O inspirador é Darcy. Considero O Povo Brasileiro uma leitura indispensável para entender nosso país. Lamento que Darcy nunca tenha se tornado presidente, assim como Brizola. Meu primeiro voto foi para ele, em 1989. No segundo turno votei em Lula e desde então voto no PT para presidente. Infelizmente, ser de esquerda não é bem visto nos grandes jornais e veículos, e muitas vezes, como tantos colegas, fui obrigada a esconder minha ideologia para sobreviver no mercado.

Em 10 anos, o Socialista Morena virou "case" de sucesso, foi premiado, inspirou teses universitárias, foi invadido por bolsonaristas e sobreviveu aos ataques da direita, da extrema direita e até da esquerda, ao golpe que depôs Dilma e à eleição de Bolsonaro

Aos 45 anos, com uma carreira já longa na profissão (me formei na UFBA aos 20) não queria mais ser muda. Queria poder manifestar livremente meu pensamento e posições políticas, escrever sobre temas da política nacional não só com reportagens, mas com opinião. Assim nasceu o Socialista Morena. O primeiro artigo saiu no dia 19 de setembro de 2012: Os 12 Mandamentos do Esquerdista Moderno, onde eu expunha um pouco da minha visão sobre esquerda e socialismo, sob influência de Darcy e Salvador Allende. Respeito os processos revolucionários, mas acho que a ideia de o socialismo se concretizar via revolução armada datou. Ou o socialismo do século 21 chega ao poder pela conquista de corações e mentes ou não chegará.

Com a parceria fundamental do designer e fotógrafo Maneco Magnésio, e mais tarde do especialista em TI Leandro Guedes, criamos a concepção visual do site, que foi reformado em 2017 para ter a apresentação que tem hoje, com editorias específicas, e mais parecido a um portal ou revista eletrônica do que a um blog.

De lá para cá, o Socialista Morena virou “case” de sucesso, foi premiado, inspirou diversas teses universitárias, foi invadido por bolsonaristas, gerou uma série de paródias, e sobreviveu aos ataques da direita, da extrema direita e até da esquerda, ao golpe que depôs Dilma e à eleição de Bolsonaro, embora nunca tenham cessado as acusações de que “recebe dinheiro do PT” –sendo que a política editorial do site é de não receber anúncios públicos de governo algum. Sobrevivemos a duras penas todos esses anos graças aos anúncios genéricos do google (poucos, por uma questão estética) e das assinaturas dos nossos leitores.

Valeu a pena? Sem dúvida. Como poucos jornalistas, tenho um “pedaço de terra” onde cair morta. Quando sinto aquela comichão irresistível de escrever alguma coisa que só é saciada quando a gente publica o que quer escrever, tenho onde fazê-lo. Não dependo de papel nem de patrão para isso. Mesmo que tudo acabe, ainda terei meu chãozinho para rabiscar. Um lugar onde posso fazer meu contraponto ao discurso da mídia hegemônica. Apesar de todos os dissabores e dos prejuízos pessoais que sofri e sofro desde que a arca do ódio à esquerda foi destampada, o Socialista Morena continua aqui, firme e forte.

O site sempre visou produzir conteúdo atemporal, para fugir à ideia de que o jornal de hoje amanhã estará embrulhando o peixe. Essa concepção nos norteará mais e mais. Mais cultura, mais arte, mais ciência, sem deixar a política –mas a Política com P maiúsculo, não o ramerrão da politicagem rasteira

Me perguntam o que penso para o Socialista Morena no futuro. Em 2017, quando fiz as mudanças visuais no site, já pensava em direcionar as reportagens e artigos mais para a cultura, como uma espécie de almanaque, que era a ideia inicial, antes de a democracia brasileira descarrilar. Após a vitória de Lula, pretendo retomar esse conceito.

Desde o começo, o Socialista Morena sempre fugiu dos assuntos do dia a dia visando produzir conteúdo mais durável, atemporal, para fugir à ideia de que o jornal de hoje amanhã estará embrulhando o peixe. Essa concepção norteará mais e mais o site nos próximos anos. Mais cultura, mais arte, mais ciência, sem deixar a política de lado –mas a Política com P maiúsculo, não o ramerrão da politicagem rasteira. Se me perguntassem o segredo do sucesso, eu responderia com uma única palavra: amor. Este site é feito com amor.

Deixo aqui para vocês os 10 artigos mais lidos no Socialista Morena nesta primeira década de vida com breves comentários sobre cada um deles. Que venham os próximos 10 anos! Você também pode contribuir para isto assinando nosso site.

“Baseado em Fatos Raciais”. Foto: Nerflix/divulgação

1. Maratona 4h20: filmes doidões para chapar assistindo Netflix

O Socialista Morena foi o primeiro veículo com uma editoria totalmente dedicada ao tema da maconha. Somos a favor da legalização. Surpreendentemente, este texto despretensioso com uma lista de filmes sobre o tema se tornou recordista de visualizações no site e volta e meia desponta entre os mais populares.

Foto: divulgação

2. “Bronca” uma ova: o que Silvio Santos fez com Sheherazade foi machismo e assédio moral

Quando publiquei este artigo, em 2017, muita gente de esquerda me criticou por sair em defesa de uma das primeiras jornalistas da mídia comercial a aderir ao discurso antipetista furioso. Mas princípios são princípios, não mudam de acordo com a ideologia. Rachel Sheherazade foi vítima de assédio moral de seu patrão, Silvio Santos, e a defendi como faria com qualquer outro/a trabalhador/a. Este ano Rachel ganhou na Justiça o processo que moveu contra Silvio por… assédio moral.

Para Freud, é tão inexplicável ser hetero quanto ser gay. Foto: reprodução

3. As pessoas nascem ou se tornam gays? Uma investigação científica e psicanalítica

Este texto é, na verdade, uma reportagem de fôlego que fiz para a Carta Capital em 2013 sobre a questão da homossexualidade e que republiquei no site. Tentei, no texto, responder à pergunta que está no título ouvindo especialistas em sexualidade à luz do que havia de mais avançado nas pesquisas científicas da época. Naquele ano, a extrema direita já começava a pavimentar seu discurso ideológico no campo dos costumes, e a reportagem é uma tentativa de contraponto a este discurso.

Lobão e Roger. Fotos: divulgação

4. A volta do filho (de papai) pródigo ou a parábola do roqueiro burguês

Um dos primeiros textos do site, explodiu nas redes quando foi lançado, em novembro de 2012, ao analisar as razões da guinada dos roqueiros Lobão e Roger, do Ultraje a Rigor, rumo à extrema direita. 10 anos depois, Lobão se distanciou do bolsonarismo, mas Roger está cada vez mais extremista e bajulador do presidente. Modelo de masculinidade tóxica, recentemente atacou uma criança de 11 anos vítima de estupro.

Pôster do artista húngaro Sándor Pinczehelyi, 1973

5. 10 Perguntas que você sempre quis fazer sobre o socialismo

Post de gozação, para tirar onda das ideias preconcebidas e da mentirada de extrema direita sobre o socialismo. Tem desde perguntas abertamente de zoeira como “para ser socialista é preciso gostar de Taiguara e Mercedes Sosa?” até outras que ridicularizam as falácias e mistificações da extrema direita, como “se o socialismo vencer, terei que abrir mão do meu iPhone?”

Trecho do filme. Foto: reprodução

6. Comunistas transam melhor?

Em 2015, o que era para ser uma postagem despretensiosa sobre o documentário alemão Liebte der Osten Anders? (“Comunistas transam melhor?”, na tradução em inglês) causou verdadeiro furor nas redes sociais. A direita se sentiu pessoalmente atingida pelo texto, que seguia os passos do filme para relatar como as mulheres eram mais independentes na Alemanha Oriental e por isso transavam melhor e tinham mais orgasmos do que na Alemanha Ocidental. Em 2018 o mesmo tema foi abordado pela norte-americana Kristen Ghodsee no livro Why Women Have Better Sex Under Socialism (“Por que as mulheres tinham melhor sexo sob o socialismo”).

A “Liga das Garotas Alemãs” de Hitler

7. Eugenia: brasileiros que importam sêmen dos EUA viram notícia internacional

Wall Street Journal publicou em 2018 uma reportagem sobre como a procura por sêmen importado dos EUA explodiu no Brasil graças ao interesse de gente que deseja “branquear” os filhos e garantir que tenham olhos claros e aspecto europeu. Reparem que nos comentários que até hoje chegam ao site muitas são de gente que defende a prática típica do nazismo. “Não vejo o menor problema”, diz o mais recente.

Índios vestidos de Jean-Baptiste Debret em Santa Catarina, 1834

8. Como a Igreja arruinou a vida sexual das Américas com pecado, culpa e preconceito

O Socialista Morena sempre fez questão de publicar textos históricos, com a ideia de contrapor o discurso hegemônico, o discurso do “vencedor”. Neste texto, contamos como a vida sexual dos nativos era muito mais livre antes da chegada dos “colonizadores”, quando foram contaminados com todo tipo de culpa e preconceito. Antes da invasão, a liberdade era completa: havia homossexuais, transexuais, se praticava sexo anal, oral… Toda a noção de “pecado” veio depois, fazendo a humanidade involuir séculos em termos de sexualidade.

Uncle Tom’s Cabin Contrasted…, Robert Criswell, 1852

9. Por que nos EUA não tem batucada?

Provavelmente o texto do site que foi mais republicado até hoje em outros veículos, como o Geledés, e um dos favoritos de sua editora. Foi um texto que nasceu da curiosidade da autora em descobrir por que, tendo negros escravizados como vários países da América, apenas nos EUA não há “batuque”. A resposta: porque durante mais 100 anos os tambores foram proibidos no país por temor de que fossem utilizados como uma forma de comunicação pelos negros para convocar à rebelião.

O professor Antonio Kubitschek. Foto: reprodução

10. Kubitschek, o provocador: “a escola pública é tão mal considerada quanto Valesca e o funk”

Em 2014, quando as ruas já se tingiam de verde e amarelo com conotação fascista, Antonio Kubitschek, professor de filosofia do Centro de Ensino Médio 3, em Taguatinga, cidade-satélite de Brasília, viveu dias de celebridade ao citar a funkeira Valesca Popozuda numa prova como “pensadora contemporânea”. Choveram, é claro, ataques ao professor e ao colégio. Era um prenúncio do que viria no futuro com Bolsonaro no poder e os ataques a Paulo Freire.

 

 

 


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(9) comentários Escrever comentário

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Bernardo Melo em 19/09/2022 - 16h41 comentou:

Que venham mais 10 anos de belezuras jornalísticas . Parabéns !

Responder

Alcimar Nascimento em 19/09/2022 - 22h10 comentou:

Parabéns! Cynara. Muitos anos de vida ao site: Socialista Morena.

Responder

Adauto de Andrade em 20/09/2022 - 08h35 comentou:

Muito bom! Parabéns pela efeméride. Aliás, com a devida vênia, acabei de recortar-e-colar os Doze Mandamentos lá pro meu cantinho virtual… 🙂

Responder

José Clemente Alvim em 20/09/2022 - 11h59 comentou:

Eu e minha mulher gostamos muito de ler os assuntos desse site. Quase todos os dias clicamos nele para ver se tem novos artigos.
Parabéns e sucessos.

Responder

    Cynara Menezes em 20/09/2022 - 15h23 comentou:

    que bom, obrigada!

João Ferreira Bastos em 20/09/2022 - 16h24 comentou:

Ops, que beleza, 10 aninhos de combate e excelentes ideias

que venham mais 20. (afinal temo que dobrar a meta, certo)

Responder

Mario em 20/09/2022 - 18h28 comentou:

Parabéns Cynara!

O livro também tem ótimos textos.

Abraços

Responder

Paulo Cezar Soares em 21/09/2022 - 10h24 comentou:

Parabéns, companheira!

Você une com perfeição competência e ética profissional.

Exemplo para os futuros jornalistas.

Em tempo: a foto está simplesmente sensacional.

Cada vez mais bonita – com todo o o respeito.

Responder

Andréa Glória em 21/09/2022 - 21h53 comentou:

Cycy, sinto um orgulho danado de ser sua amiga e leitora de suas lindas matérias. E olha que isso tem tempo, hein? Haha! Parabéns pelos 10 anos de Socialista Morena! O vi nascer e acompanho a sua dedicação diária para mantê-lo no ar com tanta qualidade, capricho e histórias incríveis. Vida longa à você e ao site! Como você diz que eu adoro: amo-te! <3 Beijos!

Responder

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