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Mídia

Desprezo da mídia ao Festival Lula Livre escancara que petista é preso político

Nem mesmo Chico e Gil cantando Cálice juntos pela primeira vez em 45 anos fez com que o show ganhasse destaque na imprensa "imparcial"

Foto: Ricardo Stuckert
Cynara Menezes
31 de julho de 2018, 21h01

Esqueçam Lula. Apenas imaginem que Johnny Cash estivesse vivo e se juntasse a Bob Dylan, a Patti Smith e outras 30 personalidades da música dos EUA em um show para protestar contra a prisão de um dos principais políticos norte-americanos. Em termos musicais, seria algo histórico, porque Dylan e Cash iriam cantar juntos Girl From the North Country quase 50 anos depois. Agora imaginem que este concerto imperdível tenha virado uma nota de rodapé nos principais meios de comunicação do país apenas porque seus proprietários discordam que a prisão deste político seja injusta. Isso é jornalismo?

Pois foi o que aconteceu no Brasil no último sábado, 28 de julho, quando milhares de pessoas compareceram à Lapa, no centro do Rio de Janeiro, para assistir Chico Buarque, Gilberto Gil, Beth Carvalho, Chico César, Ana Cañas, Jards Macalé, Flávio Renegado, Filippe Catto, Ligiana Costa, MC Carol, Noca da Portela e Odair José, entre outros nomes, cantarem suas canções e pedirem a libertação de Lula. O petista, principal colocado nas pesquisas de opinião, está preso nas masmorras de Sérgio Moro em Curitiba há mais de 100 dias.

Chico e Gil cantaram Cálice, composição deles que não era entoada pelos dois juntos havia 45 anos, desde maio de 1973, quando subiram no palco do Anhembi para apresentá-la ao público no festival Phono 73. Como a canção havia sido proibida pela ditadura militar, a dupla tinha o microfone cortado cada vez que tentava cantar a letra de forma clara, e o que passou à história foram os cantores repetindo a palavra “cálice” e cantarolando a melodia na apresentação, entre palavras incompreensíveis, para provocar a censura.

Quer dizer, na prática, Gil e Chico cantaram Cálice juntos pela primeira vez no festival Lula Livre. Mas nem este acontecimento musical único foi capaz de fazer com que o show ganhasse mais do que meia dúzia de parágrafos em nossa mídia comercial.

Detalhe: em praticamente todas as publicações dos grandes jornais sobre o festival, mais uma vez os jornais que se autointitulam “imparciais” utilizaram um viés negativo em relação ao ex-presidente, optando por destacar a apreensão de suposto “material de campanha” pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio. Reparem que os nomes de Chico Buarque e Gilberto Gil são simplesmente omitidos nos títulos.

Na noite de sábado, o Jornal Nacional, da Rede Globo, principal emissora de televisão do país, se limitou a publicar uma nota coberta de 45 segundos sobre o festival, metade dela destacando a apreensão do “material de campanha”. O G1, portal do grupo, apenas repetiu o texto lido por Alexandre Garcia no telejornal dos Marinho e também omitiu os nomes de Chico e Gil no título.

Como já era quase meia-noite quando Gil se reuniu a Chico no palco, esperava-se que o Fantástico desse algum destaque à notícia no domingo, o que não ocorreu. Só o colunista Ancelmo Gois, em O Globo, lembrou do ineditismo do reencontro. No dia seguinte, um crítico do jornal publicou, sem grande destaque, que Chico e Gil cantando Cálice juntos tinha sido algo histórico. Desta vez, os dois puderam entoar a plenos pulmões: “afasta de mim este cálice, de vinho tinto de sangue”.

Não por acaso, Afaste de mim este cale-se foi o nome do artigo que o ex-presidente Lula publicou na Folha de S.Paulo em 19 de julho denunciando a censura que sofre por parte da juíza Carolina Lebbos. Responsável pela custódia do petista, a juíza titular da 12ª Vara decidiu que o ex-presidente não pode dar entrevistas a nenhum veículo de comunicação nem gravar vídeos.

Por que a mídia comercial, contrariando todos os seus manuais de jornalismo, praticamente ignorou o Festival Lula Livre, uma notícia sob qualquer ponto de vista, inclusive musical? Não foi um evento pequeno; segundo os organizadores, havia cerca de 80 mil pessoas no local. Aconteceu no Rio de Janeiro, uma das cidades mais importantes do país, e reuniu artistas do primeiro time da MPB. Nas redes sociais, foi o assunto mais comentado do dia. Qual o interesse dos meios de comunicação de esconder que há uma parcela significativa da população e da classe artística que considera a prisão de Lula injustificada e motivada por questões políticas?

Foto: Ricardo Stuckert

O desprezo da midiazona a um show em que dois dos maiores nomes da música brasileira pediam a libertação do principal candidato à presidência em 2018 nada mais faz do que escancarar o caráter político da prisão de Lula. Se não fosse política a prisão de Lula, por que o temor dos jornais de estampar em suas páginas uma foto sequer do evento? De reproduzir trechos do show em seus telejornais? De fazer o que se espera de veículos de comunicação, jornalismo?

Não sobra outra razão a não ser a intenção descarada de ocultar o fato do mundo. Ocultar que no Brasil houve um concerto multitudinário em que se denunciou a perseguição a um líder político. Ocultar que no Brasil, desde o golpe, acontece algo estranho, algo pouco democrático, algo sinistro. Ocultar que no Brasil não temos mais um Estado de Direito e que já não se cumpre o devido processo legal. Psiu. Fale baixo para ninguém ouvir. Abafa. Cale-se.

(Agora imaginem se fosse na Venezuela.)

 


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(5) comentários Escrever comentário

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Rossi em 06/08/2018 - 11h25 comentou:

Lembrar Orwell,”1984″.Não aconteceu!!Foi isso que se tornou nossa “grande mídia”.

Responder

Luciano em 01/05/2019 - 19h42 comentou:

Se alguém tem provas que lula é inocente, junte todas essas provas e apresente ao Ministério Publico e soltem o homem… Só que ninguém faz isso, ficam só gritando palavras de ordem o tempo todo.

Responder

    Cynara Menezes em 02/05/2019 - 15h31 comentou:

    o ônus da prova é de quem acusa

Paulo em 04/07/2019 - 14h18 comentou:

Sim, e quem o acusa (MP) apresentou provas o suficiente, por isso ele está lá, onde deve estar. Na verdade, devia estar na cela comum, lugar de presos sem curso superior.
Mesmo MP “imparcial e elitista” que prendeu Cunha e Cabral.

Responder

    Cynara Menezes em 04/07/2019 - 16h48 comentou:

    e qual tucano está preso?

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