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História em Quadrinhos detona o Brasil com disfunção erétil de Bolsonaro

"Depois que o Brasil Acabou", de João Pinheiro, traduz a indignação acumulada no país desde o golpe de 2016

O "imbrochável". Imagem do gibi de João Pinheiro
Piu Gomes
26 de abril de 2022, 11h43

Indulto a condenado pelo STF, em mais um ataque às instituições democráticas. Fake news desde a origem. Louvor a torturadores e ironias a torturados. Quatro ministros acusados de corrupção.  Devastação no meio-ambiente. Negacionismo na pandemia. Orçamento secreto e otras cositas más nas Forças Armadas.

Nesses dias em que assistimos ao indulto de um amigo presidencial e que se divulga a compra de remédio contra disfunção erétil e próteses penianas, parece claro onde a sociedade deve chutar. No saco de um Brasil que se traduz em outras 6 letras: brocha

O pesadelo do (des)governo apenas começava quando João Pinheiro apontou o dedo para a ferida que o país criou com o impeachment de Dilma Roussef. O resultado está em Depois que o Brasil Acabou, da Veneta, que traz histórias curtas criadas entre 2016 e 2020, misturando ironia e fúria.

João Pinheiro estava recebendo elogios internacionais com sua incursão pela vida e obra de William Burroughs, ícone do movimento beat, e lançando Carolina, obra em conjunto com a companheira Sirlene Barbosa, outra biografia, esta sobre a escritora Carolina Maria de Jesus, que seria indicada ao prêmio Jabuti em 2017.

Mas o paulistano da periferia (mora na Cidade Líder, Zona Leste da capital) não via com bons olhos o golpe em curso, e mirou nos patos de borracha que andavam por aí.

O torturador infiltrado. Imagens de “Depois que o Brasil Acabou”

A pegada do álbum é de fanzine, pois muitas histórias foram mesmo publicadas nos zines Cavalo de Teta e Molotov. A arte tem hachuras, retículas e recursos de mangá, numa diagramação de quadros definidos na maior parte do tempo e com espaço para comentários independentes em desenhos de prancha inteira.

O traço dos personagens alterna caricatura e realismo, deixando espaço para um lirismo poético em episódios que nos transportam para a periferia e são os únicos que trazem cor. Num deles, a narrativa conduzida em primeira pessoa por um desenhista traz poderosa assinatura autoral.

Para Marcelo Quintanilha, vencedor do Festival de Angoulême desse ano, João Pinheiro se apropria da substância concreta de seu entorno e define a quebrada com contornos que são gotas de orvalho. Para a classe política, ele traça murros indefensáveis

João Pinheiro disse para o blog da editora que “essa história de heróis e vilões é algo maniqueísta, bem estadunidense. Acredito na luta coletiva, não em heróis individuais. Inclusive, não acredito em arte individual, por isso o álbum é um reflexo de quadrinhos que foram sendo feitos ao longo dos anos e de forma coletiva. Acredito que a luta, a resistência do povo, é coletiva nesse sentido”.

Isso não impede que vejamos Antônio das Mortes, dos filmes de Glauber Rocha, lutando contra uma fascista patrulha Disney, numa história distópica onde se misturam citações ao quadrinho americano, ironias sobre o valor das HQ’s e até mesmo um clone de Marighella, que se revela na verdade o coronel Brilhante Ustra.

A Preta Maravilha

A coletividade defendida por João aparece em outra distopia, onde a Preta Maravilha e as mana da quebrada vão enfrentar a União Golpista de Temer, bispo Aranha e dos patos verdes, embaladas pelo hip hop das Zapatistas Panteras. Outro episódio tem o jacaré Wellinton, morador da periferia, que num momento de larica vai contribuir para o bestiário conservador ao gerar um cocô falante, consequência do rango feito de carne estragada e vômito de Kim Kataguiri.

O olavismo eletrocutado

Para Marcelo Quintanilha, vencedor do Festival de Angoulême desse ano, João Pinheiro se apropria da substância concreta de seu entorno e define a quebrada com contornos que são gotas de orvalho. Para a classe política, ele traça murros indefensáveis. O álbum fecha com Molotov,  de traço denso e construção ousada, que num primeiro momento abre mão de diálogos –mas não dos balões, e resume a mensagem de João Pinheiro: está na hora de fazer alguma coisa contra o que está por aí.

O coquetel das ruas

Rogério de Campos, editor da Veneta, usa de uma metáfora futebolística para definir Depois que o Brasil Acabou: apesar de ter categoria para o futebol arte, João optou por dar um chutão para a arquibancada.

Nesses dias em que assistimos estupefatos à publicação de um decreto anistiando um amigo presidencial condenado pelo STF e que ficamos sabendo de licitações para compra de remédio contra a calvície, lubrificante íntimo, comprimidos contra disfunção erétil e próteses penianas, parece claro onde a sociedade deve chutar. No saco de um Brasil que se traduz em outras seis letras: brocha.

Depois que o Brasil Acabou
AUTOR: João Pinheiro
EDITORA VENETA, 112 págs., R$ 49,90

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(4) comentários Escrever comentário

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Silvério Rios em 26/04/2022 - 12h39 comentou:

Dá-lhe, Piu!

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Claudio em 27/04/2022 - 11h31 comentou:

Artigo nível infantil, ilustrando a triste realidade de uma classe “pseudo-intelectual” brasileira que se perdeu no esquerdismo caviar. Brasil precisa de algo diferente, visões novas, e não de obscurantismo. Perder tempo e crime intelectual

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Nanche em 27/04/2022 - 12h08 comentou:

Baita texto ,Piu, e a matéria do krlh .muito bom o João Pinheiro. Valeu!

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Claudete Roseno de Castro em 03/05/2022 - 11h10 comentou:

Sem hastags com o genocida.

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